Governo só consegue apoiar este ano 5% das famílias com carências habitacionais
Só quatro municípios concluíram Estratégia Local de Habitação, essencial para aceder ao programa 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação. Esta terça-feira Câmara Municipal da Amadora despejou mais famílias no bairro Estrela de África. Dezoito pessoas, incluindo oito crianças, ficaram sem tecto.
O orçamento de 40 milhões de euros que o Governo tem para a habitação em 2019 ao abrigo do programa 1.º Direito dá para apoiar 1300 famílias, ou seja, pouco mais de 5% das cerca de 26 mil identificadas no levantamento nacional das carências habitacionais feito no ano passado. Isto significa que em cinco anos, terá de resolver o problema de 95% dos agregados com problemas.
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O orçamento de 40 milhões de euros que o Governo tem para a habitação em 2019 ao abrigo do programa 1.º Direito dá para apoiar 1300 famílias, ou seja, pouco mais de 5% das cerca de 26 mil identificadas no levantamento nacional das carências habitacionais feito no ano passado. Isto significa que em cinco anos, terá de resolver o problema de 95% dos agregados com problemas.
A execução desse montante, previsto no Orçamento do Estado para este ano, está dependente da aprovação, pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), da Estratégia Local de Habitação (ELH). Mas até agora só quatro municípios é que a concluíram: Arruda, que já viu a sua EHL aprovada, Faro, Silves e Lisboa, estas três por aprovar.
Nenhuma das autarquias tem contrato de financiamento assinado, o último passo do processo, ou seja, na prática o 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação ainda não está a ser aplicado. Mas o Governo recusa afirmar que o facto de apenas quatro autarquias terem submetido a ELH signifique “qualquer atraso na implementação do programa”, fez saber o gabinete de imprensa do Ministério das Infraestruturas e da Habitação.
A ELH é obrigatória para recorrer ao 1.º Direito, que faz parte da Nova Geração das Políticas da Habitação e está regulamentado desde Agosto de 2018. Segundo o ministério, até agora 91 municípios manifestaram interesse em entregar as ELH e 169 municípios em candidatarem-se ao 1.º Direito.
No ano passado o Governo anunciou que quer ter uma resposta para todas as carências habitacionais até 2024, quando se comemoram 50 anos do 25 de Abril, o que representa um investimento de 1700 milhões de euros, 700 milhões a fundo perdido e o resto a empréstimos bonificados.
O 1.º Direito foi criado para apoiar quem vive em situações indignas e não tem capacidade financeira para pagar uma habitação adequada, que vive em bairros de construção precária e sem condições mínimas de habitabilidade, pessoas sem-abrigo ou pessoas em situação precária – este último grupo inclui situações de não-renovação de contrato de arrendamento, agregados com uma pessoa que tem deficiência, arrendatários com idade superior a 65 anos, famílias que vivem em contexto de sobrelotação ou cujas habitações não são compatíveis com as necessidades de pessoas com deficiência.
Os apoios podem ser dados directamente às famílias, através de vários formatos: tendo em vista a aquisição de casa, reabilitação ou construção. Mas são os municípios que definem as carências habitacionais existentes no seu território e as soluções habitacionais a apoiar para lhes dar resposta.
Famílias despejadas e sem terem onde dormir
Esta quinta-feira a associação activista Habita tem planeado uma reunião com o ministro Pedro Nuno Santos onde vai expor várias críticas, fazendo-se acompanhar de moradores de alguns bairros, entre eles do Estrela de África, na Amadora (contíguo ao 6 de Maio), que na terça-feira foram despejados pela Câmara Municipal da Amadora (CMA). Na casa demolida, segundo os moradores, viviam seis famílias, com 18 pessoas, das quais oito crianças e duas mulheres grávidas. A CMA contesta e diz que viviam ali apenas oito pessoas.
A construção foi demolida e as famílias ficaram a dormir em sítios dispersos. Um casal, três crianças e duas grávidas pernoitaram numa oficina “sem condições que cheirava a óleo”, disse ao PÚBLICO Maria Helena Santos, 49 anos, a responsável pela casa demolida.
“Nem sei para onde vou”, desabafa Iris Correia, 27 anos, grávida de seis meses. Não é a única: “Ninguém tem para onde ir”, afirma Maria Helena Santos, com dois filhos, incluindo uma filha de 21 anos com uma deficiência. “É um desespero muito grande”, desabafa a chorar. Segundo conta, o processo começou há dois anos quando tentou interpor uma providência cautelar, mas perdeu sempre os processos em tribunal.
A casa onde Maria Helena Santos vivia até esta semana pertencia à sua mãe que, há já algum tempo, foi realojada pela CMA. Dois dos irmãos de Maria Helena que viviam com a mãe tiveram igualmente direito a realojamento. Maria Helena ficou na casa e acolheu outras famílias que, como ela, não tinham onde viver, incluindo outro irmão.
Há 24 anos, Helena Santos foi beneficiária de uma indemnização no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER) por despejo de uma barraca perto do local onde se localiza hoje a estação de comboios da Damaia. “Uma vez que já havido beneficiado de indemnização em alternativa ao realojamento [Maria Helena Santos] foi informada que deveria procurar alternativa habitacional”, disse a CMA ao PÚBLICO.
Questionada pelo PÚBLICO sobre que alternativa tinha apresentado às famílias que estavam na casa de Maria Helena, a câmara não respondeu.
Segundo o ministério, o Governo está a acompanhar a situação mas os processos de despejo e demolições são geridos pelas autarquias e “não pelo executivo”. O Governo aguarda que a CMA entregue a ELH.
Rita Silva, da Habita, critica o processo de despejo de Maria Helena Santos pois afirma que, em reunião, a secretaria de Estado da Habitação, o IHRU e a CMA se tinham comprometido a arranjar realojamento para “as pessoas fora do PER”. “E falámos da situação particular dela: cigana, desempregada, família monoparental e um filho com deficiência, quem é que lhe aluga casa?”