O trauma da moda unissexo
Eu compreendo as mães indignadas com a Zippy e a sua colecção cápsula de roupa unissexo.
A minha mãe tem tantos apelidos que, um dia, estava a assinar um talão do cartão de crédito – houve um tempo em que era preciso assinar como no bilhete de identidade – e a lojista disse-lhe: “Minha senhora, não é preciso pôr a morada.”
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A minha mãe tem tantos apelidos que, um dia, estava a assinar um talão do cartão de crédito – houve um tempo em que era preciso assinar como no bilhete de identidade – e a lojista disse-lhe: “Minha senhora, não é preciso pôr a morada.”
Enquanto cresceu havia uma costureira residente em casa dos pais, que fazia tudo o que se vestia naquela residência: saias, blusas, vestidos, casacos para as senhoras e para as criadas. Quando eu nasci, em casa da minha avó já não havia uma costureira residente, mas uma modista a dias, que lá ia semanalmente ou, nos últimos anos e com o aparecimento do pronto-a-vestir, já só ia quinzenalmente.
Ainda me lembro da sensação de estar quieta minutos infindáveis para que a dona Alzira construísse à minha volta uma blusa ou, pior, um vestido. O medo que os alfinetes me entrassem pela carne fazia-me literalmente paralisar. Por isso, foi com alegria que aceitei a mudança da sala de estar de casa da minha avó, onde escolhíamos o que vestir na Burda, a revista alemã, para as lojas onde passeávamos por entre cabides à procura das últimas novidades e da roupa igual à das nossas amigas.
Mas foi sol de pouca dura porque eu sou vítima de uma família numerosa, perdão, sou filha de uma família numerosa e nem o facto de ser a mais velha me salvava. Se eu queria umas calças mais à moda, a minha mãe escolhia umas unissexo porque, a seguir a mim, vinha o meu irmão, que além do par de calças herdava também as camisolas de lã e os collants. A seguir a ele, as minhas irmãs herdavam as minhas calças, as camisolas e os collants e tudo o que era comprado para ele. Todas com calças sem corte por causa daquele rapaz. A mais nova herdava calças com a história do nosso crescimento, ou seja, com vincos das inúmeras bainhas que já tinham sido feitas.
Com os casacos era a mesma coisa. Houve um momento, na adolescência, que herdei um casaco do meu pai, quando os havia lindos na Porfírios, na Baixa lisboeta.
Por isso, eu compreendo as mães indignadas com a Zippy e a sua colecção cápsula de roupa unissexo. As senhoras – com dois apelidos e cheias de sorte porque agora já não se passam cheques nem se assinam talões do cartão de crédito –, não estão contra a igualdade de género, o lobby LGBT que chega a tudo, até à roupa das nossas inocentes crianças, ou o “homossexualismo” (como escrevia uma delas num post do Facebook). Não. Estão todas, como eu, traumatizadas por terem usado calças, calções, T-shirts e pullovers dos irmãos, quando havia tantas saias de folhos e blusas com mangas de balão e cores garridas para vestir, e não o podíamos fazer por culpa dos rapazes da família.
Elas são vítimas da sociedade patriarcal em que crescemos porque aos nossos irmãos ninguém os obrigou a andar de saia, só vestiam os nossos collants e esses ninguém os via. Elas são feministas e não querem que as suas filhas sofram como nós sofremos.