A política do círculo familiar
As últimas nomeações do Governo são contraproducentes: pioram a relação de confiança nos políticos e na política e apagam o eventual mérito dos escolhidos.
Confundir família política com política familiar nem é bom para o PS, nem é bom para o Governo e muito menos para o sistema político. O emaranhado de relações familiares entre os membros do actual Governo, acentuado a poucos meses do final da legislatura com uma sucessão de nomeações surpreendentes, ou não, ou é um acto inconsciente e negligente, ou é uma prática descarada e sobranceira.
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Confundir família política com política familiar nem é bom para o PS, nem é bom para o Governo e muito menos para o sistema político. O emaranhado de relações familiares entre os membros do actual Governo, acentuado a poucos meses do final da legislatura com uma sucessão de nomeações surpreendentes, ou não, ou é um acto inconsciente e negligente, ou é uma prática descarada e sobranceira.
Em ambos os casos, é uma má (e desnecessária) prática. O primeiro-ministro não vê qualquer mal nisso, certamente porque acredita que as pessoas que vivem mais próximas umas das outras acabam, inevitavelmente, por se casar, primeiro, e por pertencer ao mesmo governo, a seguir. O Presidente dos EUA – um país onde as dinastias são quase tão comuns como na Coreia do Norte – deve ter pensado o mesmo quando convidou a filha e o genro para integrarem a sua administração.
É óbvio que no sector privado existem dinastias e ligações familiares, mais ou menos perigosas, mas a verdade é que a endogamia política levanta outras dúvidas e outras condicionantes éticas.
O PS desistiu da paixão que tinha pelos independentes e pela sociedade civil, quando se dedicava a organizar Estados Gerais para descobrir e atrair novos protagonistas, a pensar na renovação dos seus quadros e em algo que fosse para lá da mera esfera partidária. Actualmente, a atracção parece restringir-se ao círculo familiar, misturando-o com a esfera partidária, dando a entender que os tradicionais esquemas de formação e de recrutamento ou não estão a funcionar como deviam, ou não têm mesmo qualquer interesse organizacional e político.
Embora não tenham precedentes a este nível, os recrutamentos mais recentes não têm, forçosamente, de pôr em causa a credibilidade do Governo de António Costa, nem tão-pouco de suscitar dúvidas quanto a possíveis clientelismos. Mas, convenhamos, estas nomeações são contraproducentes: pioram a relação de confiança nos políticos e na política e apagam o eventual mérito dos escolhidos. Um governo assim é um governo em círculo familiar, ensimesmado, que trava qualquer renovação, que confirma e alimenta a desconfiança do eleitorado e que reforça os estereótipos sobre uma elite que se apodera do Estado e do estado das coisas, constituída por pessoas que não perseguem a causa pública, mas sim uma carreira fácil e garantida.
À mulher de César não basta parecer honesta e a César também não.