Podemos pagar as ilhas que queremos para o Porto?
Não se vai pedir aos proprietários que dêem uma “pintadela”: precisamos de obras profundas que devem ser executadas com uma enorme delicadeza.
Há mais de um ano que temos vindo a trabalhar para atingir dois objectivos indissociáveis: qualificar os interiores do quarteirão que conhecemos como ilhas e facilitar a mobilidade social das quase 10 mil pessoas que vivem nestas estruturas históricas no Porto. O objectivo que nos move é que os actuais habitantes possam continuar a viver nos locais onde residem, em condições de habitabilidade adequadas às suas necessidades e com rendas acessíveis. Falamos em princípios muito simples dos quais ninguém pode discordar: aumentar a área das casas e introduzir, onde ainda faltem, casas de banho e cozinhas; permitir que entre mais ar e mais luz (os quartos sem janelas são tantos e fazem tanto mal a quem os habita!); reduzir as barreiras arquitectónicas e garantir a segurança estrutural e contra-incêndios. O problema é que, para atingir estes objectivos, teremos de contornar obstáculos de uma dimensão considerável.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Há mais de um ano que temos vindo a trabalhar para atingir dois objectivos indissociáveis: qualificar os interiores do quarteirão que conhecemos como ilhas e facilitar a mobilidade social das quase 10 mil pessoas que vivem nestas estruturas históricas no Porto. O objectivo que nos move é que os actuais habitantes possam continuar a viver nos locais onde residem, em condições de habitabilidade adequadas às suas necessidades e com rendas acessíveis. Falamos em princípios muito simples dos quais ninguém pode discordar: aumentar a área das casas e introduzir, onde ainda faltem, casas de banho e cozinhas; permitir que entre mais ar e mais luz (os quartos sem janelas são tantos e fazem tanto mal a quem os habita!); reduzir as barreiras arquitectónicas e garantir a segurança estrutural e contra-incêndios. O problema é que, para atingir estes objectivos, teremos de contornar obstáculos de uma dimensão considerável.
O primeiro deles tem a ver com o custo das obras. Não se vai pedir aos proprietários que dêem uma “pintadela”: precisamos de obras profundas que devem ser executadas com uma enorme delicadeza. Os custos associados são substancialmente superiores aos das obras que os proprietários praticam na actualidade, mas os inquilinos merecem e a cidade também. O problema é que muitos destes proprietários não têm acesso ao crédito bancário e a maior parte dos programas públicos existentes não permite conciliar a capacidade de investimento dos privados com o objectivo de ter rendas controladas. São exemplo o Reabilitar para Arrendar e o IFRRU, que podem funcionar bem para outros casos, mas encontram pouca aplicação nas ilhas. O programa 1.º Direito parece, nestes momentos, a única maneira não só de qualificar as casas como de torná-las acessíveis aos moradores com poucos recursos.
O segundo obstáculo prende-se, exactamente, com as rendas. Acreditem ou não, muitas vezes, quando calculamos o valor da renda que os proprietários podem receber ao abrigo dos programas públicos, deparamo-nos com uma surpresa: a renda a praticar depois da reabilitação é inferior à renda que o proprietário pratica antes da mesma. Por outras palavras, com muita frequência o valor do mercado, mesmo nas casas de ilha, é em muito superior ao valor real da casa de ilha, o que é dramático. Porquê? Porque o que para o inquilino é uma vantagem — passar a viver melhor e pagar menos —, para o proprietário é um passo atrás (fazer obras, ficar preso a uma hipoteca e receber menos). Chega a ser difícil explicar a um proprietário que pretendemos que aumente as áreas, reduza o número de fracções e passe a ter um rendimento inferior — mas, às vezes, percebem que o que estão a arrendar não são, de facto, casas.
O terceiro obstáculo tem a ver com a dificuldade em convencer os proprietários. O problema não é os proprietários estarem a perder dinheiro, mas sim estarem a perdê-lo num momento em ganhar dinheiro com uma ilha é muito fácil. As proprietárias que trabalham connosco são heróicas também por isso: já recusaram ofertas astronómicas pela sua propriedade porque querem dar-lhe um uso social que o mercado, neste momento, não está a dar. Para corresponder à generosidade e ao civismo destas proprietárias, e para provar a outros privados que este é um caminho que vale a pena percorrer, creio ser justo que, em troca, os processos sejam rápidos e exemplares. Importa tornar menos opacos os processos, acelerar as burocracias, reduzir ou isentar de todas as taxas e impostos em que tal seja legal e legítimo e, mais uma vez, permitir aceder a um financiamento de qualidade para que isto seja um acordo onde todos fiquem a ganhar.
Do inquilino ao ministro, da Estratégia Local ao 1.º Direito, do arquitecto ao trolha, do inquilino ao proprietário, todas as peças contam. Mas não podem estar todas de acordo de maneira espontânea, nem com base na boa vontade. Precisamos de criar um enquadramento estável, previsível, quase aborrecido, onde as perguntas venham directamente acompanhadas de respostas. Para que todos, incluindo Estado e municípios, se possam entender e comprometer. O panorama é desafiante, dramático, aliciante, deprimente, empolgante, desanimador… e, às vezes, é isso tudo em simultâneo para a mesma pessoa. Precisamos, por isso, de pôr as coisas preto no branco, nas garantias que nos dão as instituições, para poder viver e trabalhar ao abrigo da abençoada normalidade. E isso passa por permitir que aqueles que querem disponibilizar arrendamento de qualidade e de longa duração tenham acesso ao financiamente e facilidade para o fazer.