Travessia do Sado entre Setúbal e Tróia sem redução tarifária
Passe para travessia fluvial ficará, a partir de 1 de Abril, a custar quase o dobro de um passe metropolitano. Serviço é efectuado pelos donos do Troiaresort e não tem comparticipação municipal ou do Estado.
Os preços dos bilhetes dos barcos que fazem a travessia do Sado, entre Setúbal e Tróia, que os setubalenses criticam há anos, ganham agora um contraste ainda mais acentuado, com a entrada em vigor da redução do tarifário dos transportes públicos na Área Metropolitana de Lisboa. O passe normal de passageiro custa actualmente 79 euros por mês, tendo aumentado 97,5% em nove anos. Em 2010 o mesmo passe custava 40 euros e era já considerado caro. No ano seguinte aumentou 50%, para os 60 euros. As actualizações anuais têm sido galopantes, sempre bem acima da taxa de inflação. No último aumento, de 2018 para este ano, o preço do passe passou de 76,50 para os 79 euros.
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Os preços dos bilhetes dos barcos que fazem a travessia do Sado, entre Setúbal e Tróia, que os setubalenses criticam há anos, ganham agora um contraste ainda mais acentuado, com a entrada em vigor da redução do tarifário dos transportes públicos na Área Metropolitana de Lisboa. O passe normal de passageiro custa actualmente 79 euros por mês, tendo aumentado 97,5% em nove anos. Em 2010 o mesmo passe custava 40 euros e era já considerado caro. No ano seguinte aumentou 50%, para os 60 euros. As actualizações anuais têm sido galopantes, sempre bem acima da taxa de inflação. No último aumento, de 2018 para este ano, o preço do passe passou de 76,50 para os 79 euros.
A travessia foi concessionada em 2007 à Atlantic Ferries – empresa do grupo Sonae Capital que detém também o empreendimento turístico em Tróia, através da Troiaresort – pela Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), e pelo prazo de 15 anos. Inclui o transporte fluvial de passageiros, através de catamarãs, e de veículos, ligeiros e pesados, com ferryboats.
Os passes integram o que a empresa considera “soluções tarifárias vantajosas”, porque os bilhetes ocasionais são ainda mais caros. Um bilhete normal, para passageiro, custa 7,20 euros, para ida e volta (opção única, pois a empresa não vende bilhetes do lado de Tróia). O valor mais baixo que o bilhete individual pode alcançar é de 6,12 euros, com a aquisição de dez pré-comprados.
Pedro Veiga, residente em Soltroia desde 2006, e grande utilizador de transportes públicos, denuncia os “sucessivos e enormes aumentos tarifários, demasiado elevados para o serviço prestado”. Este professor universitário, que trabalha em Lisboa, considera os preços “abusivos”, questiona a fórmula de fixação dos valores e alerta para a necessidade de ser garantido, efectivamente, um serviço público neste transporte cujo custo mensal é mais do dobro que o praticado, por exemplo, pela Soflusa, na travessia entre o Barreiro e Lisboa.
“Há muitas pessoas, residentes na margem sul do Sado, em localidades como a Comporta ou a Carrasqueira, que passam o rio para irem a Setúbal por necessidade, ao hospital, por exemplo”, refere Pedro Veiga, que aponta o caso concreto de um pai que usa o barco regularmente para se deslocar com o filho, deficiente profundo, a consultas no Hospital de S. Bernardo. “Esta é a única parte do país onde uma pessoa para deslocar-se à sede de distrito, se não quiser pagar a travessia do rio, tem de viajar quase cem quilómetros. Da comporta a Setúbal, sem atravessar de barco, são 90 quilómetros de distância”, sublinha.
O contrato de concessão diz que a Atlantic Ferries está obrigada à prestação do serviço público de transporte, mas, segundo este utente, a componente efectiva de serviço público “é pequena”, porque a empresa usa as ligações fluviais “sobretudo para servir o empreendimento” turístico. Pedro Veiga sustenta essa interpretação com um “conjunto de situações anómalas”. Nota que os barcos de passageiros são usados para dar transporte gratuito aos funcionários e colaboradores da Troiaresort; para transporte de grupos de turistas do empreendimento em excursões a Setúbal; e que os horários e outros aspectos do funcionamento estão organizados em função dos interesses do grupo em Tróia.
“Se fosse mesmo só serviço público [o transporte da Atlantic Ferries] seria ser o único no país a funcionar das seis e pouco da manhã até às quatro da manhã do dia seguinte. Tem este horário porque está ao serviço dos hotéis e do casino com capa de serviço público. Até porque o primeiro barco de Setúbal para Tróia vem, na maioria, cheio de funcionários do empreendimento”, acusa.
Segundo o contrato de concessão e as próprias explicações do concessionário sobre a sua política de preços, a fixação do tarifário tem de ter em conta o equilíbrio económico da actividade. Tendo em conta este aspecto, o PÚBLICO questionou a Atlantic Ferries e a Troiaresort sobre se os funcionários pagam as viagens e se há grupos de turistas a viajar sem bilhete nos barcos, mas sobre isto não obteve respostas específicas.
“Discriminação social”
Este residente ainda dá voz à crítica antiga e popular em Setúbal de que o grupo Sonae Capital, quando assumiu a gestão do empreendimento turístico de Tróia, há quase dez anos, passou a usar o transporte fluvial como instrumento de controlo do acesso às praias da península. “Esta política de preços nos barcos serve para discriminação social porque se os bilhetes forem muito baratos as pessoas, no Verão, em vez de irem para a Figueirinha iam para Tróia”, afirma Pedro Veiga. A resposta da Sonae Capital enviada ao PÚBLICO também não aborda directamente esta questão.
Apesar de pertencer já ao concelho de Grândola, Tróia foi, historicamente, a praia de muitos setubalenses e o sentimento de que o acesso popular aos seus areais mudou, devido ao custo dos preços da travessia do Sado, levou a Câmara Municipal de Setúbal a admitir a hipótese de comparticipar financeiramente uma redução tarifária. Mas essa medida nunca avançou porque o município fazia depender esse esforço de uma participação municipal nas receitas do Casino de Tróia.
Os elevados preços dos bilhetes já motivaram queixas de utentes à APSS. Numa das respostas, a que o PUBLICO teve acesso, a entidade pública concedente justifica com a necessidade de equilíbrio financeiro da operação e atribui a responsabilidade à empresa privada. “Informa-se que o modelo contratual desta concessão de serviço público implica que o concessionário deve prosseguir o equilíbrio financeiro da concessão e garantir a qualidade e continuidade/regularidade do serviço, não sendo as tarifas definidas pela concedente”, respondeu a administração portuária, há poucas semanas, em comunicação assinada por Vítor Caldeirinha.
A queixa do utente referia ainda que este ano a Atlantic Ferries acabou com bilhetes mais baratos para crianças e idosos. Sobre este aspecto, a resposta do director de Gestão Dominial da APSS, refere foi enviado um alerta à empresa. “Apesar disso [de não definir as tarifas], a concedente alertou a Atlantic Ferries para as dificuldades e questões colocadas com a alteração tarifária relativamente aos escalões etários mais afectados”, escreveu o responsável, que já foi presidente da APSS no mandato anterior ao da actual presidente Lídia Sequeira.
A Atlantic Ferries confirma que acabou com a redução de preço para crianças e idosos. “Em 2019 não nos foi possível manter uma política de discriminação positiva para alguns segmentos etários dos nossos clientes, dada a necessidade de garantir o equilíbrio económico da concessão”, esclarece a empresa, acrescentando que “a Atlantic Ferries tem uma política de preços com condições especiais para grupos, na qual são privilegiados, por exemplo, grupos escolares e ATL.”
Os esclarecimentos foram enviados ao PÚBLICO por escrito, em resposta assinada pela directora de comunicação e marketing do Tróia Resort e da Atlantic Ferries, Cláudia Paulino argumenta que “a Atlantic Ferries é um dos poucos operadores de transporte público em Portugal que não tem acesso a indemnizações compensatórias, pelo que o tarifário tem de reflectir os custos e avultados investimentos associados à concessão”.
Cláudia Paulino nota ainda que “na formulação das tarifas são tidas em conta, por um lado, a satisfação e interesse dos utentes, a natureza e importância do tráfego e extensão dos percursos e, por outro lado, a conveniente compensação dos encargos e o equilíbrio económico da concessão”. A mesma fonte refere que a tarifa aplicada inclui uma comparticipação de 0,10 cêntimos por cada título adquirido para a realização de acções de preservação e monitorização no estuário do Sado, e que foi “já entregue mais de um milhão de euros de contrapartidas ambientais”.
A empresa conclui destacando que “para os utilizadores habituais estão em vigor soluções tarifárias vantajosas, como sejam os passes e os títulos pré-comprados. O passe actualmente custa 79 euros, tendo o passe de estudante o custo de 42 euros.”