Perto de 100 mil pensões da função pública terão de ser revistas
Sindicatos exigem que o Governo dê instruções à Caixa Geral de Aposentações para que reveja todas as pensões atribuídas desde 1 de Janeiro de 2013, para cumprir o acórdão do Tribunal Constitucional.
A Caixa Geral de Aposentações (CGA) terá de recalcular cerca de 100 mil pensões atribuídas aos funcionários públicos desde 1 de Janeiro de 2013, o que, nalguns casos, implicará um aumento do valor mensal da pensão. Na origem deste processo está um acórdão do Tribunal Constitucional, conhecido na semana passada, que declarou inconstitucional uma norma que prevê que as pensões sejam calculadas de acordo com as regras em vigor no momento em que o pedido é despachado.
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A Caixa Geral de Aposentações (CGA) terá de recalcular cerca de 100 mil pensões atribuídas aos funcionários públicos desde 1 de Janeiro de 2013, o que, nalguns casos, implicará um aumento do valor mensal da pensão. Na origem deste processo está um acórdão do Tribunal Constitucional, conhecido na semana passada, que declarou inconstitucional uma norma que prevê que as pensões sejam calculadas de acordo com as regras em vigor no momento em que o pedido é despachado.
Em causa estarão à volta de 100 mil pensões que foram atribuídas pela CGA nos últimos seis anos ao abrigo desta norma, aprovada durante a permanência da troika em Portugal pelo governo PSD/CDS. Os relatórios da instituição dão conta de 80.398 novos abonos entre 2013 e 2017, e, relativamente a 2018, os dados da execução orçamental apontam para 10.599 novas pensões despachadas. Ao todo serão 90.997 pensões.
Para os sindicatos não há dúvidas de que todas as pensões atribuídas pela CGA ao abrigo desta norma têm de ser reanalisadas e exigem que o Governo dê instruções claras a este organismo para que dê início ao processo.
“O Governo não tem outra solução. Tem de dar orientações à CGA para rever todos os processos e tratar toda gente com equidade e justiça”, afirma José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos de Administração Pública (FESAP).
Também a coordenadora da Frente Comum, Ana Avoila, não tem dúvidas de que a CGA “tem de verificar todas as pensões atribuídas” para lhes aplicar as regras que estavam em vigor no momento em que a pensão foi pedida. “Se isso não acontecer, faremos um requerimento ao Governo para que dê instruções à CGA para aplicar o acórdão”, acrescenta.
O Estatuto da Aposentação, aplicado à função pública, tem sofrido alterações significativas, em linha com as mudanças feitas no regime geral da Segurança Social. Logo em 2013, a idade da reforma aumentou para os 65 anos e o cálculo da pensão dos funcionários admitidos antes de 1993 também mudou. No ano seguinte, a idade passou para os 66 anos e o factor de sustentabilidade (aplicado às reformas antecipadas) sofreu um forte agravamento. Nos anos seguintes, a idade da reforma aumentou ao ritmo de um mês por ano (em 2019 é de 66 anos e cinco meses), o corte por antecipação foi agravado (de 4,5% ao ano para 0,5% ao mês) e o factor de sustentabilidade já vai nos 14,67%.
Como as regras mudaram todos os anos, parte significativa dos funcionários a quem foi atribuída a reforma acabou, de alguma forma, prejudicado pelas mudanças mais profundas feitas em 2013 e 2014, pelo aumento da idade da reforma ou pelo agravamento do factor de sustentabilidade. É que a probabilidade de as regras que estavam em vigor quando a pensão foi solicitada terem mudado quando a CGA deu luz verde ao pedido, é muito elevada.
Processo “de enorme complexidade”
José Abraão alerta que a CGA terá de fazer um “grande esforço” para cumprir o acórdão. “Será um processo de enorme complexidade. Ainda para mais, estamos a falar de uma altura em que os salários foram cortados e os subsídios [de férias e de Natal] eram pagos em duodécimos”, antecipa.
Em 2017 e em 2018, o Tribunal Constitucional (TC) já se tinha pronunciado sobre o artigo que prevê que as regras de cálculo das pensões dos beneficiários da CGA são aquelas em vigor à data do despacho de deferimento da pensão. Em três casos concretos de funcionários públicos que avançaram para tribunal, por considerarem que foram prejudicados, o TC disse que a norma era ilegal.
Por isso, o acórdão agora conhecido não surpreendeu Ana Avoila, que há muito tem acompanhado queixas de outros funcionários públicos que ainda aguardam decisão dos tribunais.
Agora, e a pedido do Ministério Público, o acórdão com data de 27 de Fevereiro vem “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral” do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, por violar os princípios da protecção da confiança (artigo 2.º da Constituição da República) e da igualdade (artigo 13.º).
Perante este acórdão, a norma desaparece do Estatuto da Aposentação e é repristinada a regra anterior. Assim, as pensões passam a ser calculadas de acordo com as regras em vigor no momento em que foram pedidas.
Vários especialistas em direito administrativo consultados pelo PÚBLICO adiantaram que o Tribunal Constitucional não restringiu os efeitos do acórdão e, por isso, ele tem efeitos retroactivos e todas as pensões da CGA despachadas desde 1 de Janeiro de 2013, data em que a norma entrou em vigor, terão de ser recalculadas.
O PÚBLICO voltou a questionar o Ministério do Trabalho e Segurança Social sobre este assunto, mas fonte oficial manteve a resposta dada na semana passada. Ou seja, o Governo “está a analisar” as “consequências legais e administrativas do Acórdão n.º 134/2019, no sentido do cumprimento integral do mesmo”.