A “caça às bruxas” de Mueller afinal não foi malvada para Trump

Procurador especial Robert Mueller não encontrou provas de conspiração com a Rússia, o que dá um novo fôlego ao Presidente norte-americano para as eleições de 2020. Mas o Partido Democrata ainda tem motivos para falar em impeachment.

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Donald Trump cumprimenta o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu Reuters/Carlos Barria

Quando os jornais norte-americanos acordaram na manhã da passada segunda-feira, as letras que ocupavam a parte mais nobre das primeiras páginas brilhavam como diamantes aos olhos do Presidente norte-americano. Ao fim de quase dois anos de uma exaustiva investigação, com milhares de intimações e centenas de mandados de busca, a equipa do respeitado procurador especial Robert Mueller não encontrou provas de que Donald Trump e os seus colaboradores tenham conspirado com a Rússia para influenciarem as eleições presidenciais de 2016. Mas o relatório é menos claro sobre as suspeitas de obstrução da Justiça – uma das acusações feitas no processo de impeachment do Presidente Bill Clinton, há 20 anos.

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Quando os jornais norte-americanos acordaram na manhã da passada segunda-feira, as letras que ocupavam a parte mais nobre das primeiras páginas brilhavam como diamantes aos olhos do Presidente norte-americano. Ao fim de quase dois anos de uma exaustiva investigação, com milhares de intimações e centenas de mandados de busca, a equipa do respeitado procurador especial Robert Mueller não encontrou provas de que Donald Trump e os seus colaboradores tenham conspirado com a Rússia para influenciarem as eleições presidenciais de 2016. Mas o relatório é menos claro sobre as suspeitas de obstrução da Justiça – uma das acusações feitas no processo de impeachment do Presidente Bill Clinton, há 20 anos.

O resumo do relatório foi enviado ao Congresso no domingo pelo attorney general norte-americano, William Barr, responsável máximo do Departamento de Justiça e superior directo de Robert Mueller.

E se essa carta de quatro páginas, escrita sem a participação de Mueller, for fiel às conclusões do procurador especial, o Presidente Trump obtém uma inegável e importante vitória política à entrada para um ano de eleições.

Se um ex-director do FBI tão respeitado como Robert Mueller não encontrou provas de conspiração com a Rússia, é certo que os gritos de “caça às bruxas” nos comícios de Donald Trump vão ser mais sonoros do que nunca – aos olhos dos seus apoiantes, confirma-se que o Presidente norte-americano foi vítima de uma cabala orquestrada por políticos nas sombras, que puxam os cordéis aos comandos de um Estado paralelo.

E a vitória de Trump não se esgota na falta de provas de uma conspiração com a Rússia – ao garantir que não tem mais nenhuma acusação na manga, o procurador Mueller também descansa os filhos do Presidente norte-americano e outros dos seus colaboradores mais próximos, que ficam a salvo de problemas com os tribunais.

A indecisão do procurador

Mas se as coisas são assim tão simples e lineares, porque é que os congressistas do Partido Democrata continuam a alimentar a ameaça de um processo de impeachment contra o Presidente dos EUA?

Porque, ao mesmo tempo que o relatório de Robert Mueller rejeita acusações criminais de conspiração com a Rússia, não afasta a hipótese de o Presidente norte-americano ter obstruído a Justiça – quando pediu ao antigo director do FBI, James Comey, que deixasse cair as investigações à ligação russa do então conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, e depois o despediu por não aceitar o rumo dessas investigações.

“Apesar de este relatório não concluir que o Presidente cometeu um crime, também não o exonera”, escreveu o procurador Robert Mueller sobre as suspeitas de obstrução da Justiça, segundo o resumo enviado ao Congresso pelo attorney general, William Barr.

Só que no mesmo resumo que enviou aos congressistas, Barr usou os seus poderes de attorney general para tomar uma decisão por Mueller: “Depois de analisar o relatório do procurador especial sobre este assunto; de consultar responsáveis do departamento, incluindo o Gabinete de Aconselhamento Jurídico; e de aplicar os princípios da acusação federal que orienta as nossas decisões, o attorney general adjunto Rod Rosenstein e eu concluímos que as provas recolhidas durante a investigação do procurador especial não são suficientes para afirmar que o Presidente cometeu um crime de obstrução da Justiça.”

Era uma decisão esperada: em 2018, quando o Presidente Trump procurava um candidato para substituir Jeff Sessions no cargo de attorney general, William Barr enviou uma carta ao Departamento de Justiça a defender, no essencial, que não pode haver obstrução da Justiça se não ficar provado, também, que houve um crime a motivar essa obstrução. Uma posição que está longe de ser consensual – para outros especialistas, a obstrução da Justiça implica mentir às autoridades ou esconder factos, e é um crime só por si, independentemente das motivações de quem o pratica.

Democratas querem ler tudo

É esta parte do resumo feito pelo attorney general que levou o Partido Democrata a pedir a divulgação do relatório na íntegra. Só dessa forma, dizem os democratas, será possível perceber o que Robert Mueller quer sinalizar com a sua indecisão, mesmo que o attorney general já tenha decidido que não há provas de obstrução da Justiça.

Ou seja, o Partido Democrata quer saber se o procurador especial admite que Trump pode não ter obstruído a Justiça, ou se fez uma avaliação muito distinta: se concluiu que a confusão sobre a definição e as interpretações do crime de obstrução da Justiça é tal, que o melhor é deixar a decisão final para os congressistas.

E é nesta aparente subtileza que o Partido Democrata se agarra para dizer que a história ainda não chegou ao fim, apesar de o Presidente norte-americano ter sido taxativo numa das suas primeiras reacções ao resumo do relatório: “Não há conluio, não há obstrução. Completa e total exoneração”, disse Trump no Twitter, fazendo tábua-rasa das palavras do procurador Mueller, quando disse que o seu relatório “não o exonera”.

Nos últimos dois anos, desde que Robert Mueller assumiu as rédeas da investigação, não faltaram alertas sobre os limites impostos pela lei ao seu trabalho, e só a paixão com que o processo foi acompanhado justificava a crença de que o destino do Presidente norte-americano estava nas mãos do procurador especial.

São conhecidas algumas histórias dessa paixão. Em Dezembro, as últimas palavras de um veterano da II Guerra Mundial de 93 anos, Mitchell Tendler, foram sobre as investigações: “Merda, já não vou conseguir ler o relatório Mueller, pois não?”, contou a rádio pública norte-americana. E o realizador Spike Lee, conhecido crítico de Donald Trump, chegou a vender t-shirts com a frase “Deus proteja Robert Mueller”.

Longe destas paixões, Mueller e a sua equipa de 19 advogados e 40 agentes do FBI e outros profissionais andaram quase dois anos à procura de provas que pudessem resistir a um julgamento nos tribunais – e não apenas nas redes sociais.

Ou seja, o mandato do procurador Mueller e da sua equipa de investigadores era para encontrar “um acordo tácito ou expresso” em que Trump, ou alguém com o seu conhecimento, se comprometia a colaborar com o Governo da Rússia para interferir nas eleições presidenciais de 2016 em seu benefício e contra a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton.

E isso – uma carta assinada por Trump, ou uma gravação em que o então candidato é ouvido a coordenar uma trama com russos –, o procurador Mueller não encontrou.

Mesmo que essas provas existissem, o Departamento de Justiça tem uma política sobre as investigações a Presidentes em exercício que afastava a hipótese de uma acusação formal contra Trump: enquanto um Presidente estiver na Casa Branca, não pode ser levado a responder em tribunal.

O dilema do impeachment

É por isso que o relatório do procurador Mueller é uma vitória para o Presidente norte-americano com um “mas” à mistura. Se o Partido Democrata ganhar a sua prometida batalha pela divulgação do relatório na íntegra, e se no relatório estiver claro que o procurador Mueller só não encostou Trump à parede por obstrução da Justiça porque não estava certo de que as suas provas fossem válidas em tribunal, então o Partido Democrata pode querer discutir essa questão no Congresso – através de um processo de impeachment, que não depende de acusações para além de qualquer dúvida, como as que são necessárias num tribunal.

Mas é muito difícil que isso venha a acontecer, porque a vontade de abrir um processo de destituição contra o Presidente Trump está longe de ser consensual no Partido Democrata, apesar das declarações públicas nesse sentido.

A líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, já disse várias vezes que só avançaria para o impeachment se o relatório de Mueller trouxesse provas irrefutáveis de crimes, e se isso fizesse com que os congressistas do Partido Republicano abandonassem o Presidente Trump. E se o Partido Republicano nunca abandonou Trump quando os media norte-americanos iam noticiando suspeitas atrás de suspeitas, não é agora, com um veredicto de “não culpado” do procurador Mueller, que esse apoio vai cair.

A avaliação de Pelosi resulta da contagem de votos no Congresso: para se lançar um processo de impeachment na Câmara dos Representantes, é preciso uma maioria simples, que o Partido Democrata tem; mas para garantir uma destituição do Presidente no Senado, é preciso uma maioria de dois terços, só possível se 19 senadores do Partido Republicano mudarem tanto de opinião sobre Trump que estejam dispostos a juntarem-se ao Partido Democrata para derrubar o seu Presidente.

Para além da questão dos números, quanto mais a guerra interna no Partido Democrata sobre um impeachment se arrastar, menos concentrados estarão os seus candidatos para o desafio de derrotar Donald Trump nas eleições de Novembro de 2020. E é por isso que Nancy Pelosi também pode ser vista como uma vencedora na semana do relatório Mueller – por estar mais perto de contornar uma guerra civil no seu partido e apontar baterias à campanha eleitoral.