“Brexit”: A hora mais negra?
Não há risco existencial para o Reino Unido nesta saída da União Europeia. Não há conflito militar. Há apenas a consternação, a divisão profunda dos britânicos, o medo do desconhecido e a incerteza sobre o futuro.
Os paralelos que a história sabe construir são surpreendentes. No filme A Hora Mais Negra (e no livro com o mesmo nome) é relatada a crise do gabinete de guerra do Reino Unido, liderado por Winston Churchill, que ocorreu entre 25 a 28 de Maio de 1940. Nesses dias, como se sabe, o corpo expedicionário britânico estava encurralado no norte de França à volta de Dunquerque e corria o risco de ser esmagado pelo avanço das tropas da Alemanha nazi. A 20 de Maio, o exército inglês começa a planear a retirada das tropas de Dunquerque – a “Operação Dynamo”. Esse plano é implementado entre 26 de Maio e 4 de Junho. A expectativa do governo inglês era que seria possível evacuar apenas 45 mil soldados de Dunquerque (Churchill refere 20 a 30 mil no seu discurso no parlamento), uma fracção das tropas cercadas em Dunquerque.
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Os paralelos que a história sabe construir são surpreendentes. No filme A Hora Mais Negra (e no livro com o mesmo nome) é relatada a crise do gabinete de guerra do Reino Unido, liderado por Winston Churchill, que ocorreu entre 25 a 28 de Maio de 1940. Nesses dias, como se sabe, o corpo expedicionário britânico estava encurralado no norte de França à volta de Dunquerque e corria o risco de ser esmagado pelo avanço das tropas da Alemanha nazi. A 20 de Maio, o exército inglês começa a planear a retirada das tropas de Dunquerque – a “Operação Dynamo”. Esse plano é implementado entre 26 de Maio e 4 de Junho. A expectativa do governo inglês era que seria possível evacuar apenas 45 mil soldados de Dunquerque (Churchill refere 20 a 30 mil no seu discurso no parlamento), uma fracção das tropas cercadas em Dunquerque.
A crise vivida no gabinete de guerra de oito elementos, numa altura em que se receava a destruição desse exército, resultou da posição do ministro dos Negócios Estrangeiros, Lord Halifax, apoiado pelo antigo primeiro-ministro, Neville Chamberlain, que defendiam um acordo com a Alemanha nazi. Entre 26 e a 27 de Maio, Churchill terá considerado a hipótese de procurar a paz, em parte porque Lord Halifax ameaçara demitir-se, possivelmente precipitando a queda do governo.
O desfecho é conhecido. Em condições difíceis, quando a derrota e destruição da Inglaterra e a morte de muitos milhões de britânicos era o resultado mais provável, um Churchill com dúvidas inspirou ministros, parlamentares e povo: o conselho de ministros alargado uniu-se na rejeição de um acordo de paz, que o parlamento britânico a 4 de Junho apoiou ruidosamente. E a maior parte do corpo expedicionário britânico foi resgatado de Dunquerque: 338 mil soldados aliados no total, incluindo 140 mil soldados franceses e belgas.
À beira da derrota e numa situação muito má o Reino Unido soube unir-se, não ceder aos seus medos optando pelo caminho mais difícil e penoso, pelo caminho irracional até, com quase toda a Europa ocidental continental prestes a cair sob o controlo do regime nazi.
O Reino Unido está mais uma vez separado da Europa continental, desta feita contra os 27 estados membros da UE
Os paralelos com a história terminam aqui. Não há risco existencial para o Reino Unido nesta saída da União Europeia. Não há conflito militar. Há apenas a consternação, a divisão profunda dos britânicos, o medo do desconhecido e a incerteza sobre o futuro.
A 13 de Março, os membros do parlamento britânico primeiro votaram 312 vs. 308 contra o “Brexit” sem acordo (seguida de outra votação relacionada, com uma maioria algo mais expressiva). O que é sintomático da disposição de muitos britânicos de, se necessário, sair da UE em confronto com os restantes 27 países membros.
Nos 27 países membros da UE, a generalidade da população não se apercebe da “aflição” do Reino Unido. O tema “Brexit” tem dominado a agenda política do Reino Unido nos últimos anos. O encerramento de fábricas de multinacionais e o movimento de parte do sistema financeiro para Frankfurt e outras praças teve já consequências reais na vida de muitas pessoas. Há receio que escasseiem alimentos e medicamentos. As empresas aumentam os stocks de quase tudo, com receio de um “Brexit” caótico. Os serviços públicos e as forças militares preparam-se para cenários de quase emergência. Muitos cidadãos britânicos entretanto adoptaram a nacionalidade de um outro Estado-membro da UE.
Em contraste, nos restantes 27 países membros é como se nem sequer nos apercebêssemos que o Reino Unido vai sair da UE. O quase pânico sentido no Reino Unido contrasta com a quase calma no resto da UE.
Prazo de saída sem acordo, adiado de 29 de Março para 12 de Abril
Na reunião da última quinta-feira do Conselho Europeu em Bruxelas houve algum progresso. As posições intransigentes de Emmanuel Macron e de Michel Barnier, negociador chefe europeu para o Reino Unido, não prevaleceram.
A posição do primeiro-ministro português parece ter sido a mais construtiva, ao defender que o Reino Unido deve ter o tempo que quiser para sair da UE, desde que participe nas eleições europeias de Maio.
E Angela Merkel terá tido a palavra determinante numa reunião a sós com Emmanuel Macron, que “quase” resultou em discussão, ao recusar uma saída sem acordo e ao defender uma posição similar à do primeiro-ministro português.
Alguns efeitos do “Brexit” na economia
A UE pode até “ganhar” as negociações no curto prazo, impondo a sua vontade, e dando um exemplo a todos os potenciais candidatos a uma saída da união. Mas é a UE que mais tem a perder com a saída do Reino Unido, nomeadamente porque este país, a quinta maior economia do mundo, regista um elevado défice da balança corrente (-5% do PIB no 3T 2018), num mundo em que demasiados Estados registam excedentes.
A UE é o principal parceiro comercial do Reino Unido, representando 44% das suas exportações e 53% das suas importações. O Reino Unido importa mais dos restantes países da UE do que exporta registando, em 2017, um défice da balança de bens e serviços com a UE de 67 mil milhões de libras (3,3% do PIB) e um défice da balança de bens de 95 mil milhões de libras.
Uma saída sem acordo tenderá a reduzir o volume de trocas comerciais entre Reino Unido e UE porque, nesse caso, nas trocas comerciais entre UE e o Reino Unido passariam a ser adoptadas as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), as quais definem taxas aduaneiras para grupos de produtos e serviços, além de enquadrarem outros tipos de barreiras às importações. Por exemplo, os carros importados pelo Reino Unido de outros países da UE passariam a estar sujeitos a uma taxa aduaneira de 10%, quando hoje não estão sujeitos a quaisquer taxas aduaneiras.
Em caso de “Brexit” sem acordo, o Governo britânico planeia reduzir para 0%, temporariamente, as taxas alfandegárias sobre 87% das importações não só da UE como também do resto do mundo. O objectivo seria evitar um enorme choque nos preços, nomeadamente nos preços dos alimentos.
Por outro lado, a economia britânica é suficientemente grande (10.º maior exportador mundial) para adaptar-se ao choque do “Brexit”. A médio e longo prazo, é provável que o seu desempenho melhore e que a sua economia se torne mais auto-suficiente.
Ou seja, é provável que o défice da balança comercial do Reino Unido baixe, nomeadamente através da substituição de importações por produção doméstica. Tal ajustamento externo tenderá a colocar as exportações dos restantes membros da UE para o Reino Unido sob pressão. Por isso é que a UE tem muito a perder com o “Brexit”, talvez mesmo mais que o Reino Unido.
Se bem que para dançar o tango sejam necessários dois... não é aceitável que não haja acordo
Mas neste débâcle do “Brexit” não são as questões económicas que devem ser prioritárias: é necessário saber chegar a um acordo porque temos de ter presente a perversão da história e a ingratidão que representaria que o Reino Unido, que entre Junho de 1940 e Junho de 1941 combateu praticamente sozinho pela libertação da Europa, fosse agora deixado isolado dessa mesma Europa!