Professores fazem depender futuras acções de luta do que vier a ser decidido pelo Parlamento
Este sábado os professores voltam a sair à rua pela contagem integral do tempo de serviço congelado. E têm já uma nova data crucial: 16 de Abril, dia em que começará a apreciação parlamentar do diploma da contagem do tempo de serviço. Greves estão em cima da mesa.
É com o Parlamento outra vez na mira que os professores vão sair à rua neste sábado para voltar a exigir que lhes seja feita “justiça”, o que no caso tem esta expressão concreta: a garantia que lhes será contabilizado na íntegra os nove anos, quatro meses e dois dias do tempo de serviço que prestaram durante o congelamento das carreiras (2005-2007 e 2011-2017).
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É com o Parlamento outra vez na mira que os professores vão sair à rua neste sábado para voltar a exigir que lhes seja feita “justiça”, o que no caso tem esta expressão concreta: a garantia que lhes será contabilizado na íntegra os nove anos, quatro meses e dois dias do tempo de serviço que prestaram durante o congelamento das carreiras (2005-2007 e 2011-2017).
É a terceira, vez desde 2017, que se reúnem numa manifestação nacional, em Lisboa, com o mesmo objectivo. E, de novo, esta é convocada por dez estruturas sindicais. Com a questão dada como resolvida pelo Governo, que este mês aprovou um segundo diploma que apenas recupera dois anos, nove meses e 18 dias (o primeiro tinha sido vetado por Marcelo), os docentes voltam agora a estar dependentes do que a Assembleia da República vier a decidir a este respeito.
Por isso, mesmo antes da manifestação deste sábado, a maioria dos cerca de 33 mil que participaram numa consulta promovida pelos sindicatos já disseram que no dia 16 de Abril o seu lugar é estar no Parlamento, para acompanhar o debate da apreciação parlamentar ao diploma do Governo e também da Iniciativa Legislativa de Cidadãos em defesa da recuperação integral do tempo de serviço, que será discutida na mesma sessão parlamentar.
Do que vier a acontecer então estarão também dependentes as acções de protesto que virão a desenvolver-se no 3.º período de aulas, anunciaram ontem os sindicatos. Que divulgaram quais as que obtiveram maior adesão por parte dos docentes consultados: convocação de uma nova manifestação nacional; greves de um dia em diversas semanas; greves coincidentes com as reuniões de avaliação dos alunos a partir de 6 de Junho e com dias de exame e provas finais.
Todas estas acções já foram postas em prática desde o final de 2017, sem que o Governo tivesse recuado nas suas intenções. Mas Teresa Sequeira, educadora de infância, 49 anos, ainda tem “esperança que a manifestação de sábado volte a ter peso, sobretudo junto de quem não conhece a realidade dos professores”.
Teresa entrou na carreira docente há 21 anos. Por via do descongelamento das carreiras iniciado em 2018, progrediu no ano passado para o 3.º escalão de uma carreira que tem dez. Como o tempo de permanência em cada nível é, em média, de quatro anos, já poderia estar agora no 5.º escalão se as carreiras não tivessem sido congeladas, como aliás já estavam quando ingressou no quadro em 2006.
Devido ao tempo de serviço que já tinha acumulado como contratada foi então colocada no 2.º escalão. Onde permaneceu até 31 de Dezembro de 2018, altura em que progrediu para o 3.º. E como isso aconteceu ainda em 2018, Teresa Sequeira faz parte do grupo de cerca de 50 mil professores que, por terem progredido no ano passado, só poderão usufruir em 2022 de qualquer que venha a ser a contagem do tempo de serviço.
Isto acontece porque o diploma aprovado pelo Governo estipula que a recuperação do tempo de serviço só terá efeito quando o docente for promovido a partir de 2019. “É tudo surreal”, exclama Teresa Sequeira que, nas contas que fez, chegou à conclusão que nos próximos anos será assim ultrapassada por milhares de professores que têm menos tempo de serviço do que o seu.
Lamenta também que o Governo não tenha convertido parte do tempo congelado para efeitos de reforma: “Não me consigo ver a estar numa roda com crianças quando já tiver 66 anos.”
Por estas e outras razões, aponta para um sentimento que afirma ser comum a muitos professores: “Estamos desmotivados, exaustos.”
Voltar ao mesmo
Para Isabel Hortas, 61 anos, professora de Matemática, não subsistem dúvidas sobre o que terá a ganhar com a contagem do tempo de serviço. O quê? A resposta é esta: “Nada.” Com 38 anos de carreira, progrediu para o 9.º escalão em 2018. E, de novo, como a progressão aconteceu em 2018, os que passarem para este mesmo escalão a partir deste ano vão poder ainda beneficiar da contagem de tempo de serviço para avançarem para o topo da carreira mais depressa e por isso irão passar-lhe à frente.
Mas Isabel Hortas terá de esperar por 2023 para subir ao 10.º escalão e como este é o último da carreira, a recuperação do tempo de serviço não servirá para nada. “Nem sequer para efeitos de aposentação porque vou ser penalizada por todos os anos em que andei a ganhar menos do que devia”, denuncia. Por tudo isto, frisa que o que está em causa “é uma questão de justiça e de equidade”. E é por essa razão que, adianta, terá a sua “alma na manifestação” na manifestação deste sábado, já que por compromissos inadiáveis não poderá estar presente.
Ao fim de 38 anos de carreira, e por ter passado para o 9.º escalão, Isabel Hortas diz que leva para casa mensalmente “cerca de 1700 euros líquidos”. Devido às várias mudanças na estrutura da carreira docente que têm ocorrido, aponta ainda o seguinte: “Voltei em 2018 ao mesmo índice remuneratório a que tinha chegado há 15 anos, mas ganho menos do que então recebia.”
Topo da carreira só para alguns
Devido a estas mudanças e ao congelamento, em 2018 apenas 5% dos cerca de 100.000 docentes que estão no quadro tinham chegado ao topo da carreira. Mas este é um limite que Paulo Guinote, 54 anos, professor de História e autor do blogue O Meu Quintal, não espera vir a atingir.
Refere que em 2018 progrediu para o 6.º escalão e que só voltará a progredir em Março de 2022. “Não faço ideia de quantos colegas me ultrapassarão entretanto, mas certamente todos aqueles que acedam ao 6.º escalão nos anos de 2019 e 2020”, diz.
Quando voltar a progredir, e mesmo que lhe sejam abatidos cerca de três anos à permanência no 7.º escalão por vida da contagem do tempo de serviço, ainda teria mais nove pelo caminho até chegar ao topo, mesmo em cima da idade da reforma, portanto. Mas Guinote está convicto de que se o travão não fosse posto por este meio, seria por outro qualquer: “Verifiquei que, nos últimos 15 anos, as políticas desenvolvidas procuraram, por diversas vias, retardar a progressão dos docentes, retirando a toda uma geração a perspectiva da chegada ao topo antes de uma aposentação aos 70 anos.”
Entretanto desiludiu-se e por isso não estará na manifestação deste sábado. Por não se sentir representado pelos actuais sindicatos, onde estão “pessoas que não partilham o quotidiano da maioria dos docentes há décadas”. E também por considerar que as estruturas sindicais “insistem em estratégias que, com a actual fórmula política que apoia o Governo, são completamente controladas pelos directórios partidários”.
Resta acrescentar duas coisas. No mês em que Paulo Guinote progrediu para o 6.º escalão, como recebeu 25% do valor a que tinha direito, conforme estipulado na lei, levou para casa mais 9,7 euros. Teresa Sequeira, que subiu para o 3.º escalão, adianta que, no total, o acréscimo a que teve direito foi de cerca de 80 euros brutos.