Já nos anos 90 se reclamava: “O tempo de serviço não se negoceia, conta-se”

Em dia de manifestação de professores, recordamos outros protestos, de outros tempos. O que ganharam os docentes com as lutas no pós 25 de Abril?

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Manifestação a 8 de Março de 2008, é considerada a maior de sempre: 100 mil professores na rua joao henriques

Às vezes, o mundo parece que não muda. É o que passa, por exemplo, quando se recua no tempo para saber o que têm sido as reivindicações dos professores nas últimas décadas. Já nos anos 90 uma das suas principais palavras de ordem era esta: “O tempo de serviço não se negoceia, conta-se.” Com desfechos mais rápidos ou mais longo, quase todas as batalha travadas entre numerosos Governos e os professores foram ganhas por estes últimos.

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Às vezes, o mundo parece que não muda. É o que passa, por exemplo, quando se recua no tempo para saber o que têm sido as reivindicações dos professores nas últimas décadas. Já nos anos 90 uma das suas principais palavras de ordem era esta: “O tempo de serviço não se negoceia, conta-se.” Com desfechos mais rápidos ou mais longo, quase todas as batalha travadas entre numerosos Governos e os professores foram ganhas por estes últimos.

1974/1975

A primeira mobilização dos professores no pós-25 de Abril teve a ver com salários. Na altura os escalões de vencimentos dos funcionários públicos estavam divididos por 21 letras, sendo o A o mais alto e o U o mais baixo. Este sistema, que entrou em vigor em 1939, só foi substituído pelos actuais índices remuneratórios em 1989. Quando o 25 de Abril aconteceu, os professores eram pagos pelas letras mais baixas, sobretudo os da então educação primária. Um ano depois, um diploma do Governo de então reconheceu que era “imperioso” mudar a situação, porque os docentes, “em diversas categorias”, estavam a receber menos do que os outros funcionários públicos. Do fim da tabela de 21 letras, subiram para a primeira metade, ocupando as letras de D a J.

1989/1990

Cavaco Silva era primeiro-ministro e Roberto Carneiro ministro da Educação quando, em 1990, foi aprovado pelo Governo o primeiro Estatuto da Carreira Docente (ECD), uma aspiração antiga dos professores. A aprovação do diploma foi precedida, em 1989, por maratonas de negociações entre o Ministério da Educação e os sindicatos de professores, por várias paralisações de docentes que culminaram em Outubro desse anos em dois dias consecutivos de greve em prol do ECD, mas também, e sobretudo, contra uma nova tabela salarial entretanto aprovada pelo Governo, que colocava de novo os professores em índices mais baixos (na passagem das letras para os números). O primeiro ECD acabou por não ter o acordo dos principais sindicatos. A duração da carreira docente ficou em 29 anos, que era então uma das mais longas da Europa. Actualmente é de 40 anos. E a maior parte das questões ficaram para regulamentação futura.

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Manifestação de professores por melhores salários e pelo estatuto de carreira docente, junto ao Ministério da Educação, em Lisboa, a 4 de maio de 1989 Luís Vasconcelos / Lusa

1992/1995

Cavaco Silva ainda era primeiro-ministro e Manuela Ferreira Leite já tinha substituído na pasta da Educação Diamantino Durão e Couto dos Santos. Em causa estava, sobretudo, como volta agora a estar, a contagem do tempo de serviço que tinha sido perdido na transição para uma nova estrutura da carreira. Palavra de ordem: “O tempo de serviço não se negoceia, conta-se.”

Mas não era o único motivo para a mobilização dos professores. Continuava na ordem do dia a revisão da tabela salarial de 1990 e também uma das novidades introduzidas no ECD de Roberto Carneiro: a realização de uma prova de candidatura, que consistia na defesa de um trabalho académico, como requisito obrigatório para a passagem ao 8.º escalão da carreira docente, que tinha um máximo de dez como voltou a ter a partir de 2010.

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Protesto em Maio de 1995 Bruno Portela

Realizaram-se quatro dias de greve às avaliações do 2.º período em 1992 que levaram o Governo a recuar na questão dos salários. Uma greve de 100 dias às horas extraordinárias, como a que actualmente decorre nas escolas desde o início do 1.º período, uma greve nacional em Novembro de 1993, abaixo-assinados com milhares de assinaturas e várias manifestações que se prolongaram até às eleições de 1995, que ajudaram a ditar a substituição da Cavaco Silva pelo socialista António Guterres e de Manuela Ferreira Leite por Marçal Grilo. A contagem integral do tempo de serviço só viria a ser resposta já pelo Governo do PS em 1999. Já o fim da candidatura ao 8.º escalão foi aprovado em 1996 pelo executivo socialista, já depois de mais um abaixo-assinado que recolheu mais de 30 mil assinaturas. 

1997/1998

António Guterres continuava como primeiro-ministro e Marçal Grilo como ministro da Educação. A revisão do Estatuto da Carreira Docente voltava a estar na mira dos sindicatos. Alegadamente sem respostas do Governo, a Federação Nacional de Professores (Fenprof) e a Federação Nacional da Educação (FNE) avançam para a sua primeira greve conjunta, que se realizou em Outubro de 1998. Antes, em plenários, foram ouvidas as opiniões dos professores: 95% responderam a favor da greve. Em Dezembro, o Ministério de Educação e os sindicatos chegam a acordo para a revisão do ECD: a duração da carreira é encurtada para 26 anos e os índices remuneratórios são reajustados o que se traduz numa valorização salarial em todos os escalões.

2005/2009

José Sócrates é primeiro-ministro e Maria de Lurdes Rodrigues é a sua ministra da Educação. Estava a começar aquele foi até agora o período “mais quente” da contestação dos professores. Durante o seu mandato, Maria de Lurdes Rodrigues foi alvo de oito greves e de sete manifestações de professores, uma das quais com mais de 100 mil na rua. Aconteceu a 8 de Março de 2008. E voltou a repetir-se oito meses depois.

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Manifestação em Março de 2008, contra o modelo de avaliação João Henriques

Logo em 2005, depois de o Governo ter anunciado o congelamento da carreira, os professores realizam quatro dias de greve em Junho, que coincidem com os exames nacionais do 9.º e 12.º ano. A partir de 2006 o centro da contestação volta a ser uma nova revisão do ECD, que dividia os professores em duas categorias – titulares e não titulares, sendo que só os primeiros podiam chegar ao topo; e que instituía um novo modelo de avaliação de desempenho docente, com aulas observadas e classificações a depender dos resultados dos alunos. Na sequência dos protestos dos professores, este é um dos pontos que desaparece do “regime simplificado de avaliação” aprovado em 2008. Este regime será depois alterado já com Isabel Alçada como ministra da Educação, que conseguiu o acordo dos sindicatos. A nova ministra deixa também cair a divisão entre professores que Maria de Lurdes Rodrigues consagrara no ECD.

2013/2014

Passos Coelho é primeiro-ministro e Nuno Crato ministro da Educação. Cerca de 20 mil alunos do 12.º ano não conseguem realizar o exame de Português em Junho de 2013 devido a uma greve de professores que tem como alvo de um novo regime de mobilidade especial que, pela primeira vez, abrangeria também a classe docente.

Antes já se tinham realizado três semanas de greve às reuniões de avaliação como sucedeu de novo em 2018. A greve termina a meio de Junho depois de Nuno Crato garantir que no âmbito do novo regime de mobilidade especial o ministério “concretizará medidas que farão com que, na prática, os professores do quadro tenham alternativas de trabalho docente”, escapando assim a terem horário zero e a serem, por isso, colocados naquele regime. Foi o que aconteceu.

2017/2019

António Costa é primeiro-ministro e Tiago Brandão Rodrigues ministro da Educação. O mandato começou quase com uma “lua-de-mel” entre Governo e sindicatos. Mas a questão da contagem do tempo de serviço que esteve congelado não permitiu que este estado se prolongasse. O governo começou por não querer contar nenhum dos nove anos, quatro meses e dois do tempo em que as carreiras estiveram congeladas e acedeu depois a contabilizar apenas cerca de três anos. O anúncio desta proposta foi feito em Fevereiro de 2018 e esta posição manteve-se inalterável até Março deste ano, quando foi aprovado pela segunda vez o diploma que consagra a contagem apenas daquele tempo. Isto apesar de mais um ano de manifestações nacionais e de greves, que em 2017 foi a um dos exames nacionais, e em 2018 se prolongaram por dois meses abrangendo as reuniões finais de avaliação dos alunos. Estas últimas paralisações afectaram dezenas de milhares de alunos. Na sequência deste protesto, o Ministério da Educação alterou as normas que regem o funcionamento dos conselhos de turma de modo a impedir que uma nova greve às avaliações possa surtir efeitos. Antes bastava faltar um professor para que a reunião não se realizasse, agora os conselhos de turma podem reunir-se se estiverem presentes um terço dos seus elementos. 

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Novembro de 2017 Rui Gaudêncio