Tailandeses voltam a poder votar, mas não se livram dos militares
As eleições tailandesas são controladas de perto pela Junta Militar que governa o país desde 2014. E tudo foi feito para que os generais se mantenham muito perto do poder.
Os tailandeses regressam este domingo às urnas, oito anos depois das últimas eleições e após terem vivido cinco anos tutelados por uma junta militar. Apesar do regresso das eleições, é pouco provável que os votos por si só sejam suficientes para que os generais abandonem o poder.
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Os tailandeses regressam este domingo às urnas, oito anos depois das últimas eleições e após terem vivido cinco anos tutelados por uma junta militar. Apesar do regresso das eleições, é pouco provável que os votos por si só sejam suficientes para que os generais abandonem o poder.
As eleições de domingo apresentam aos 40 milhões de eleitores uma escolha entre a legitimação dos militares que controlam o país desde o golpe de Maio de 2014 e o regresso ao populismo e, segundo alguns, à corrupção dos governos da família dos Shinawatra. Apesar de os irmãos Thaksin e Yingluck, que foram os últimos primeiros-ministros eleitos da Tailândia, estarem arredados da vida política nacional, a sua influência continua a ser o eixo sobre o qual todos os interesses giram.
As sondagens indicam que o Pheu Thai, o partido que representa as forças pró-Thaksin e anti-junta, deve voltar a ser o mais votado, como aconteceu nas últimas eleições em 2011. As amplas maiorias que os irmãos conseguiram foram ambas revertidas por insurreições populares apoiadas pelos militares, seguindo um padrão conhecido na Tailândia: as elites urbanas e escolarizadas em reacção contra as escolhas da população camponesa, maioritária.
Desta vez, os militares que tomaram o poder em 2014 querem minimizar a resposta eleitoral dos “camisas vermelhas”, como são conhecidos os apoiantes de Thaksin. “É amplamente compreendido que o objectivo do golpe de 2014 e da extensão do poder da junta foi o de arrancar a influência de Thaksin e dos seus correligionários, e, em segundo lugar, criar uma ordem eleitoral modificada que impeça qualquer partido civil de ganhar tanto poder outra vez”, escreve o analista Scott Christensen, num artigo para o Instituto Brookings, sedeado em Washington.
Ao contrário do que fizeram na maioria dos períodos em que governaram à força – desde 1932, a Tailândia foi palco de 12 golpes militares –, os generais do golpe de 2014 alteraram significativamente o quadro político. A nova Constituição, redigida integralmente pelos militares e aprovada em 2017, desenha um sistema eleitoral que torna praticamente impossível a entrada em funções de um Governo que não lhes seja favorável.
Um Governo passa a necessitar da aprovação de uma maioria nas duas câmaras legislativas em conjunto. Ou seja, são necessários 376 votos no conjunto do Senado e do Parlamento. Acresce a isto que o Senado é controlado pela junta – dos 250 senadores, 194 são escolhidos pelo Conselho Nacional para a Paz e Ordem (o nome oficial da junta militar), 50 são distribuídos por “grupos profissionais e sociais” e os restantes são reservados para as chefias dos ramos das Forças Armadas e das forças de segurança.
Este arranjo permite que o Palang Pracha Rat, o partido fundado pelos militares e que é liderado pelo general Prayuth Chan-ocha, necessite apenas de eleger 126 deputados, enquanto o Pheu Thai necessita de vencer em todos os círculos onde concorre, para além de estar dependente de futuras coligações para governar. Os analistas notam que a extinção do Raksa Chart, um pequeno partido próximo do Pheu Thai, enterrou de forma definitiva as hipótese de um regresso dos “camisas vermelhas” ao poder.
O factor coroa
O comentador político Thitinan Pongsudhirak antecipou esta semana “o cenário mais provável” pós-eleitoral: “um Governo de coligação apoiado pelo Senado e pela junta, mais provavelmente liderado por Prayuth, com a maioria dos partidos incluída, excepto os grupos anti-junta”, escreveu, citado pelo South China Morning Post.
A Human Rights Watch condenou o contexto institucional em que as eleições vão decorrer, que considera “prejudicar seriamente o direito dos tailandeses de escolherem os seus líderes”. “A junta militar manteve leis repressoras, dissolveu um dos principais partidos da oposição, tomou o controlo da comissão eleitoral, e escolheu um Senado com o poder de anular a vontade do povo tailandês”, disse o director da organização para a Ásia, Brad Adams.
Num país em que a instabilidade política é a normalidade, os últimos anos foram, mesmo assim, pródigos em acontecimentos de impacte. O principal foi, desde logo, a morte, em Outubro de 2016, do rei Bhumibol, um monarca venerado que durante o seu longo reinado se tornou um símbolo da unidade do país. Muitos observadores receavam que a sua morte pusesse em risco a legitimidade da coroa e que atirasse o país para o caos de um vazio político.
O trono passou a ser ocupado pelo filho mais velho de Bhumibol, Maha Vajiralongkorn, para muitos tailandeses um playboy mimado, mais conhecido por episódios pouco abonatórios do que pelo sentido de Estado. A transição foi dirigida pelos militares, contribuindo ainda mais para a consolidação do seu poder.
A grande manifestação de força do novo monarca foi precipitada por uma decisão controversa e que deixou marcas na corrida eleitoral. No mês passado, a princesa Ubolratana Barnavadi, irmã do rei Maha, apresentou-se como candidata a primeira-ministra pelo partido Raksa Chart. No mesmo dia, o monarca proibiu-a publicamente de tomar parte na política e as autoridades eleitorais aboliram o partido, dando mais uma machadada nas aspirações da oposição aos militares.