Feita a reconstrução do edificado, falta ao Porto “retomar a sua alma”

Por um lado, a “demonstração do orgulho de ser portuense”. Por outro, a evidência da “perda de parte da alma” da cidade. Novo livro do historiador Helder Pacheco tem tanto pretérito como futuro. Apresentação marcada para a próxima segunda-feira

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Helder Pacheco tem mais de 40 livros sobre o Porto publicados Manuel Roberto

Helder Pacheco pensou chamar-lhe Porto: a reconstrução da alma. Mas acabou por fazer dessa ideia de título o capítulo final do livro. Em modo sumário, o historiador, com mais de 40 livros sobre a cidade publicados, divide a sua mais recente obra em dois andamentos. O primeiro é a “demonstração do orgulho de ser portuense”, sentimento aguçado de ano para ano. O segundo, a prova da “perda de parte da alma” da urbe, amputada com a perda de milhares de habitantes. Uma tragédia ainda por estagnar.

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Helder Pacheco pensou chamar-lhe Porto: a reconstrução da alma. Mas acabou por fazer dessa ideia de título o capítulo final do livro. Em modo sumário, o historiador, com mais de 40 livros sobre a cidade publicados, divide a sua mais recente obra em dois andamentos. O primeiro é a “demonstração do orgulho de ser portuense”, sentimento aguçado de ano para ano. O segundo, a prova da “perda de parte da alma” da urbe, amputada com a perda de milhares de habitantes. Uma tragédia ainda por estagnar.

Não se confunda, porém, a crítica de Helder Pacheco com um olhar pessimista. Amar a cidade, diz, é também apontar-lhe as fracturas, ralhar-se se preciso for. Ainda que a felicidade de se dizer portuense e habitar o Porto seja crescente. “Gosto cada vez mais de morar aqui”, disse ao PÚBLICO. “Apesar dos nossos dramas actuais, é preferível enfrentar os problemas do desenvolvimento do que os da pobreza, da marginalidade e da decadência.” Consiga a Invicta “encontrar uma política de habitação” capaz de “aumentar o número de portuenses” e será geografia perfeita para viver. Convicção de quem nasceu, há 82 anos, na freguesia da Vitória. 

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Para lá dos elogios, das delicadezas e singularidades, das tradições e do seu jeito único de ser da urbe, no livro Porto: da cidade (Edições Afrontamento) cabe a defesa de uma tese. E ela é simples. “Há uns vinte anos, o Porto era uma cidade em vias de implosão. Estava decadente e com muitas ruas em ruínas.” Depois, felizmente, defende o historiador, o investimento chegou. E com ele tornou-se “fácil” fazer a “reconstrução da cidade do ponto de vista da arquitectura e da engenharia”. Ganho o desafio, outro maior ficou ainda por cumprir: “Depois de se reconstruir, o grande desafio do Porto é retomar uma alma que em muitos aspectos vive na periferia”.

O historiador fala da perda de “100 mil habitantes” sofrida pela cidade em pouco mais de três décadas como “uma tragédia”. E esse desafio de reconquistar gente que está por cumprir. Os que saíram, afiança, não voltarão mais. Já “as segundas e terceiras gerações”, filhos e netos dos que foram expulsos, talvez possam ainda regressar.

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Livro é editado pelas Edições Afrontamento e custa 39 euros

Mas como se consegue tal feito numa cidade onde a habitação é cada vez mais cara e escassa? “É sobretudo um problema de boa governação e depende fundamentalmente das leis da República”, responde: “Muitas dessas leis estão a proteger interesses que não são os da maioria dos cidadãos.” A Helder Pacheco o turismo não causa mossa. Se algo está em excesso, não é o número de visitantes. “Para mim não há turismo a mais mas Porto a menos.” A “aposta” em zonas como a “Corujeira, Dragão ou Matadouro” só pode, por isso, trazer ganhos: “Andei há dias pela zona de Contumil e há muito sítio para reconstruir Porto ali.”

Com boas leis, insiste, deixando essa responsabilidade mais para o Governo do que para o município, é possível uma “conciliação entre os interesses do turismo e os da criação de habitação para população”.

Já a reconquista da alma deverá ser burilada “mantendo as tradições que valem a pena” e “inventando novas”. Exemplos práticos? Por um lado, “manter o São João e o comércio tradicional” – ainda que reinventado (“o comércio que dava resposta há 30 anos não dá hoje, mas há exemplos como o do [café e mercearia] Pretinho do Japão, um local que soube ler os sinais dos tempos e mudar. São precisos mais assim”). Por outro, apostar em novas ideias, como a surgida nos anos 40: “O maior acontecimento festivo popular depois do São João é neste momento o cortejo de São Bartolomeu, na Foz.”

Porto: da cidade é apresentado pelo historiador e ensaísta José Augusto Maia Marques na próxima segunda-feira (21h), no Conservatório de Música do Porto, com uma actuação do grupo de jazz deste conservatório.