Um Artesão numa cozinha que é uma oficina de comida tradicional portuguesa

O restaurante abriu na Rua de Mouzinho da Silveira, no Porto, pela mão do chef João Lima, que passou pelos restaurantes com estrela Michelin Fortaleza do Guincho e Pedro Lemos.

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Chegar à receita final, com os sabores de todos os ingredientes ajustados no ponto certo para tornar um prato numa experiência que cumpra todos os requisitos que o prazer de bem comer pede, é um trabalho assente na ideia de tentativa e erro. Se um artesão trabalha na oficina para aprimorar com as mãos o produto que quer ver acabado, um chef passa pelo mesmo processo naquele que é o seu laboratório de experimentação – a cozinha.

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Chegar à receita final, com os sabores de todos os ingredientes ajustados no ponto certo para tornar um prato numa experiência que cumpra todos os requisitos que o prazer de bem comer pede, é um trabalho assente na ideia de tentativa e erro. Se um artesão trabalha na oficina para aprimorar com as mãos o produto que quer ver acabado, um chef passa pelo mesmo processo naquele que é o seu laboratório de experimentação – a cozinha.

Foi debaixo desta premissa, e fundindo estas duas ideias, que o Artesão Bistrô inaugurou no início de Março no número 218 da Mouzinho da Silveira – rua privilegiada de acesso à Ribeira do Porto, cada vez mais associada a novas propostas gastronómicas.

Com decoração de ferro bruto e madeira rústica, a lembrar os tempos em que esta artéria vivia de estabelecimentos conotados com o trabalho manual, a atmosfera do espaço com dois pisos, com capacidade para cinquenta pessoas, está em sintonia com o sonho idealizado, desde muito cedo, pelo chef João Lima, que, entre outros restaurantes, passou pelos estrela Michelin Fortaleza do Guincho e, mais recentemente, pelo Pedro Lemos, na Foz Velha do Porto.

Queria abrir um espaço inteiramente dedicado à comida tradicional portuguesa, à luz do seu palato e trabalhada pelas suas mãos. Fê-lo aos 28 anos, depois de garantir que o primeiro que abriu em Vizela, de onde é natural, longe do conceito que idealizou para este, se solidificasse. Como no jazz, em que os standards podem fugir facilmente para o improviso, na cozinha/oficina deste chef a comida tradicional também ganha asas.

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De uma carta onde se pode escolher vitela, polvo, bacalhau, feijoada de gambas, codorniz, salmonete, alheira ou cabrito, João Lima deu a provar à Fugas as últimas três propostas. Com um vinho verde Camaleão Alvarinho, servido pelo chefe de sala e responsável pela garrafeira que conheceu quando trabalhava no restaurante da Foz, Leandro Pereira, saboreamos um salmonete de Setúbal, acompanhado com lula pontilha, com um molho de espinhas reduzido no ponto certo para que a gordura não ganhe protagonismo.

Guarnecida com ovo preparado a baixa temperatura, espuma de entremeada fumada e broa de milho frita, carregada na dose certa de sabor a fumeiro, a alheira é apresentada num formato longe do convencional, numa forma que lhe dá a aparência de um semicírculo. A cerveja belga La Chouffe apoia este tiro certeiro do chef como se de mais um ingrediente se tratasse. 

Inspirado nos sabores de infância, mas numa interpretação muito própria, o cabrito será uma aposta segura para quem o seleccionar da carta disponível. Este prato, acompanhado com favas, batata ratte e cenoura é servido sem ossos. João Lima optou por fazer uma terrina cozida sem pressas.

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O chef explica que, “tradicionalmente”, o cabrito fica no forno durante cerca de três horas, a 150 graus. No Artesão, fica a cozer durante 24 horas, a baixa temperatura. “No final é corado em azeite, manteiga, passo por um pouco de alecrim, dou-lhe o amor e sirvo”, desvenda. Para este prato, Leandro Pereira seleccionou um tinto Quinta das Bágeiras Chumbado, Bairrada, que se enquadra na perfeição num cabrito que se desfaz na boca. De resto, toda a garrafeira, à excepção do champanhe e das cervejas, maioritariamente belgas e alemãs, é composta por vinhos nacionais.

Comida de tacho

Não era assim que a sua avó preparava o cabrito, mas serviram, este e outros pratos, de inspiração para o percurso que decidiu seguir ainda muito jovem. “A maior memória que tenho da minha avó é entrar em casa dela e cheirar sempre a comida boa. Havia dias em que lá ia e via a cozinha tão arrumada que achava impossível que ela tivesse cozinhado. Mas abria o forno e estava lá o cabrito assado”, recorda. Não tem dúvidas de que foi essa rotina que o motivou a entrar na Escola de Hotelaria e Turismo de Santa Maria da Feira para ser cozinheiro: “Na altura nem sabia o que era um chef.” Depois disso estagiou no Hotel Infante Sagres, a seguir no Ritz, até chegar ao Guincho, onde trabalhou com o chef francês Vincent Farges, antes de ingressar no restaurante de Pedro Lemos.

Considera estes dois últimos momentos cruciais para o projecto que agora montou e onde investiu cerca de 200 mil euros. O primeiro porque foi com quem aprendeu que um chef “deve cozinhar como uma avó cozinha para os netos”. A segunda experiência proporcionou-lhe o conhecimento necessário para aprender a gerir um restaurante com dimensão diferente da “grandiosidade” de um hotel, a nível de escala.  Para o Artesão Bistrô, onde um prato custa 10/13 euros e o menu de degustação de quatro pratos cerca de 35 euros, tem uma estratégia muito bem definida: “Quero servir comida de tacho com base na tradição portuguesa.”