Um dia teremos amas-secas no Parlamento

Querer transformar os deputados em delinquentes potenciais é puro ilusionismo e uma cedência absurda ao populismo que se alimenta do horror à democracia e aos seus representantes.

O PCP anunciou esta quinta-feira que vai votar contra a nova lei do regime de exercício de funções dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Numa altura em que anda no ar um claro espírito punitivo aos políticos, em que está na moda colocar-lhes açaimes, limites, controlos e todo o tipo de restrições que põem em causa a liberdade e a dignidade de ministros ou deputados, o PCP recusou seguir a manada.

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O PCP anunciou esta quinta-feira que vai votar contra a nova lei do regime de exercício de funções dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Numa altura em que anda no ar um claro espírito punitivo aos políticos, em que está na moda colocar-lhes açaimes, limites, controlos e todo o tipo de restrições que põem em causa a liberdade e a dignidade de ministros ou deputados, o PCP recusou seguir a manada.

Porque, como muito bem disse o deputado António Filipe, a lei em causa configura um claro caso de “paternalismo demagógico” que “a democracia dispensa”. E se esta justificação não bastasse, o deputado poderia recorrer a outro ponto essencial para contrariar a tese cada vez mais afirmada que os políticos são corruptos até prova em contrário: um Parlamento digno desse nome de não andar a reboque do que diz uma parte da opinião pública.

Bem sabemos que na origem da lei que impõe a criação de uma entidade para controlar as contas pessoais dos políticos ou a publicação de códigos de conduta que dizem o que os políticos podem ou não podem fazer está um caso de má consciência. Que começa com viagens de governantes a França para ver um jogo de futebol e continua, entre outros exemplos, com a vergonha de deputados que aldrabam os registos das presenças nas sessões parlamentares ou com as histórias de deputados que ora representam a nação, ora escritórios de advogados.

Num ou noutro caso, não é com a infantil recomendação de que um ministro não pode receber um Porto Vintage de 2016 que custe mais de 150 euros que se resolve o problema. Todos sabemos que a corrupção, a verdadeira corrupção, não se faz com prendas destas nem se regista nas banais contas bancárias.

O que falta é uma cultura de responsabilização que não se cria com a menorização da dignidade do Parlamento e dos políticos. O que falta é acabar com o deplorável exemplo que o PSD deu ao proteger deputados que agiram com manifesta falta de decoro no caso das faltas. O que falta é que as cúpulas partidárias escolham os seus quadros não em resultado do seguidismo imbecil das carreiras partidárias, mas em resultado da competência, da ética e do sentido de serviço público.

Querer transformar os deputados em delinquentes potenciais é puro ilusionismo e uma cedência absurda ao populismo que se alimenta do horror à democracia e aos seus representantes. E é também uma forma de dar razão às suas denúncias.