TAP protege-se do passado, do petróleo e do Brasil e olha para a bolsa
Grupo teve prejuízo de 118 milhões de euros em 2018 devido a cancelamentos, pré-reformas e rescisões, efeitos negativos do Brasil e preço do combustível. Agora, é altura de recuperar as contas, pensar nas novas rotas e também na dispersão de capital em bolsa.
O que fazer depois de se ter registado um prejuízo de 118 milhões de euros em 2018, que compara um com lucro de 21,2 milhões de euros no ano anterior? Esse foi, e é, o desafio da TAP, que apresentou esta sexta-feira os resultados do ano passado em conferência de imprensa.
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O que fazer depois de se ter registado um prejuízo de 118 milhões de euros em 2018, que compara um com lucro de 21,2 milhões de euros no ano anterior? Esse foi, e é, o desafio da TAP, que apresentou esta sexta-feira os resultados do ano passado em conferência de imprensa.
Começando pelo início, os prejuízos, o grupo liderado por Antonoaldo Neves dividiu-os em efeitos extraordinários e em efeitos correntes (mas nem por isso menos negativos). Porque só assim é possível explicar a dimensão do prejuízo de 118 milhões (pior só em 2015, ano da privatização, com perdas expressivas de 156 milhões), num contexto de subida de passageiros (mais 1,5% para 15,8 milhões) e de receitas (mais 9,1% para 3251 milhões de euros).
Prejuízos extraordinários de 116 milhões
Só a factura dos efeitos extraordinários foi contabilizada em 116 milhões (e que desce ligeiramente para 113 milhões devido à venda de um activo). Aqui, estão contabilizados 22 milhões de euros ligados a indemnizações a passageiros por cancelamentos de voos por falta de pilotos (foram cancelados 2490 voos no ano passado, com forte impacto na imagem da transportadora), a que se somam outros 19 milhões para fretamento extraordinário de aviões fora da TAP. Ao todo, o valor pago a passageiros foi de 62 milhões, cabendo os outros 40 milhões a situações derivadas, diz a empresa, das actuais restrições do aeroporto de Lisboa.
Depois, foram gastos 75 milhões em medidas de reestruturação do grupo, onde se incluem pré-reformas e 28 milhões para rescisões no negócio de manutenção no Brasil (um segmento cronicamente deficitário). Líquidos de impostos, os efeitos não recorrentes acabaram por pesar 95 milhões de euros nas contas.
Sem estes efeitos que a empresa assume como extraordinários, o prejuízo teria sido de 23 milhões. Mas houve outros ventos contrários às contas da TAP no ano passado: o aumento acima do estimado do preço do petróleo, que subiu a factura do grupo com combustível em 169 milhões de euros; e o mau momento do mercado brasileiro, com instabilidade política, redução de viagens e desvalorização cambial, o que afectou o crescimento das receitas do grupo. Tendo em conta que o Brasil representa 22% das vendas da TAP em 2018, percebe-se que qualquer ano mau para este país é um ano menos bom para a transportadora portuguesa.
O resultado inevitável de tudo isto por parte do grupo, foi, como disse logo ao início o presidente do conselho de administração da TAP, Miguel Frasquilho, “retirar as devidas lições” e “fazer com que 2018 não se repita”. Outra mensagem-chave: “não é preciso pedir dinheiro aos accionistas, incluindo o Estado”, dono de 50% do capital (outros 45% estão com o consórcio privado Atlantic Gateway, e 5% com trabalhadores).
Para que os efeitos extraordinários se mantenham enquanto tal, e conforme explicou Antonoaldo Neves, foram contratados novos pilotos (num processo que ainda decorre), há novos aviões e mais outros a caminho (mais oferta e com menos consumo), fecharam-se acordos de longo prazo com os sindicatos para garantir paz social, e tomaram-se várias medidas para melhorar a pontualidade - a TAP diz ter sido a segunda melhor neste indicador em Lisboa em Janeiro e Fevereiro, sendo a empresa com mais voos.
Depois, colocou-se um ponto final nos prejuízos da manutenção do Brasil com o encerramento da operação em Porto Alegre e o despedimento de 944 trabalhadores. Abriram-se novas rotas, com destaque para a América do Norte e que irá continuar pelo menos nos próximos dois anos (Orlando e Providence são hipóteses em estudo), dependendo menos do Brasil. “Vamos diversificar para os EUA e ter aeronaves mais rentáveis para o nordeste do Brasil”, afirmou David Neeleman na sua intervenção, já como maior accionista da Atlantic Gateway após ter ficado com parte do capital do grupo chinês HNA (outra parte foi para a transportadora brasileira Azul, da qual Neeleman é fundador e accionista). “Estou animado, porque estamos a diminuir a dependência do Brasil, que nuns dias está em cima e em outros está em baixo”, frisou o empresário.
Protecção contra o petróleo
Outra lição, levada à prática: proteger a transportadora das variações do preço do petróleo, algo que não estava a ser feito. Isso mesmo foi explicado pela comissão executiva numa carta enviada aos trabalhadores. “Apesar do orçamento da TAP, aprovado para 2018, ter sido conservador” nas estimativas do preço do combustível, diz a carta, “a TAP não tinha uma política de protecção de variação do preço do combustível, tal como tem a maioria dos concorrentes europeus, nem a capacidade de crédito para proteger uma posição significativa de combustível”.
Agora, e devido “ao desenvolvimento da relação com a banca internacional, que possibilitou uma melhoria da avaliação de crédito da empresa”, a TAP tem “cerca de 50% do seu volume, para 2019, protegido com um dos melhores preços de combustível da Europa”, refere a gestão. Pelo meio, a TAP conseguiu repatriar 132 milhões de euros que estavam retidos em Angola por falta de divisas e aplicar um plano de corte de custos que gerou uma economia de 115 milhões de euros, fortalecendo a tesouraria e diminuindo o impacto do petróleo.
De acordo com o grupo, há dois indicadores que mostram um “balanço mais sólido”: 233 milhões de euros em caixa (mais 39% face a 2018) e uma dívida de 888 milhões, 2% acima do valor de 2017. Sobre este último aspecto, o grupo negociou novas linhas de financiamento e já começou a pagar, no início do ano, os 600 milhões que deve a bancos portugueses (numa herança do passado e a um ritmo da ordem dos 10 milhões por mês).
No que diz respeito às obras da ANA no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, Antonoaldo Neves espera que estas comecem de facto após o Verão, com mais estacionamentos, saídas rápidas para os aviões e o prolongamento do taxiway de acesso à pista. Com isso, e com o novo sistema de navegação aérea, o gestor diz que a tendência de crescimento pode continuar, e melhorar a pontualidade. “Se as obras não forem concluídas nos próximos dois anos”, diz, “o crescimento fica comprometido a partir de 2021”.
De olhos postos na bolsa
E se o que se pretende é uma empresa mais forte e ágil, e com menos dívida, há um objectivo anexado, e já conhecido: o da dispersão de capital dos privados em bolsa (neste caso, de Neeleman, de Humberto Pedrosa e da Azul, reunidos na Atlantic Gateway). “Estamos a preparar [a TAP] para, a partir do ano que vem, estar pronta para fazer um IPO” afirmou Antonoaldo Neves, estimando a fatia a dispersar entre 15% e 30%.
Quando ao timing certo da operação, que dará retorno financeiro aos privados, isso dependerá, segundo o gestor, de vários factores, desde a própria empresa até às condições do mercado. No caso da Azul (que detém 90 milhões de euros em obrigações convertíveis em acções da TAP), por exemplo, houve três tentativas antes de a operação ter sido bem-sucedida.
Em declarações escritas ao PÚBLICO, David Neeleman, que detém agora 50,91% da Atlantic, cabendo outros 40% a Humberto Pedrosa e 9,09% à Azul, destacou o “enorme trabalho” feito pela comissão executiva, e “em pouco tempo”. Mantém-se, sublinha, “a perspectiva do que foi a matriz do consórcio Gateway no processo de privatização: a TAP tem que ser transformada para poder assegurar uma rentabilidade sustentável”, referindo que este “é um caminho duro que deve ser trilhado com perseverança, resiliência e visão de longo prazo”.
“O trabalho de transformação que a equipa da TAP tem levado a cabo para colocar a companhia na direcção do crescimento e rentabilidade sustentável deu-me confiança para reforçar o meu investimento neste grande projecto e comprar as acções da HNA”, sublinhou o empresário, que passou no final da semana passada, já com o prejuízo de 118 milhões na cabeça, a segundo maior accionista da TAP.