Mil milhões: investigação nacional nunca captou tanto dinheiro europeu

Horizonte 2020 é o primeiro programa quadro em que o país é beneficiário líquido. Governo e universidades querem duplicar esse pecúlio até 2027.

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Por cada euro investido, o país está a ser capaz de ir buscar mais 65 cêntimos Adriano Miranda

Como muitas histórias de sucesso, esta começou com um fracasso. A investigadora do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) Rafaela Matos liderou uma candidatura à última chamada do 7.º Programa Quadro de apoio à Ciência, em 2013, e não foi bem-sucedida. “Tínhamos um projecto cientificamente importante e parceiros fortes: ficamos muito espantados”, conta. Dois anos depois, voltou a concorrer e ganhou. “Percebemos o que tinha falhado”.

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Como muitas histórias de sucesso, esta começou com um fracasso. A investigadora do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) Rafaela Matos liderou uma candidatura à última chamada do 7.º Programa Quadro de apoio à Ciência, em 2013, e não foi bem-sucedida. “Tínhamos um projecto cientificamente importante e parceiros fortes: ficamos muito espantados”, conta. Dois anos depois, voltou a concorrer e ganhou. “Percebemos o que tinha falhado”.

A história de Rafaela Matos é exemplar do que aconteceu com Portugal nos últimos cinco anos, durante o Horizonte 2020, o grande programa de financiamento europeu à ciência, que sucedeu ao 7º Programa Quadro. Tal como o LNEC, as instituições nacionais parecem ter entendido o que estava a falhar e tornaram-se competitivas como nunca antes tinha acontecido. O sistema científico português apresenta números sem precedentes na captação de fundos comunitários para a investigação: no ano passado, foram atraídos 155 milhões de euros, o valor anual mais elevado de sempre.

O que aprendeu, então, entre 2013 e 2015, Rafaela Matos do LNEC? “Não se ganha apenas com um projecto de alta cientificidade. É preciso um consórcio sólido e credível, que dê confiança no que se vai fazer, mas também é preciso saber comunicar”, responde ao PÚBLICO. A comunicação é uma questão essencial, sublinha. A candidatura não é analisada por cientistas especialistas na sua área de investigação, por isso tem que ser apresentada em termos que possam ser compreendidos por pessoas que estão inteiramente dentro da matéria. Outro aspecto essencial são os impactos societais e económicos da investigação, que são muito valorizados pela União Europeia no Horizonte 2020.

Bingo, assim se chama o projecto liderado por Rafaela Matos, tem tudo isso. Um tema importante – o impacto do aquecimento global no ciclo integrado da água –, inovação científica e um enfoque em matérias com impacto sócioeconómico e em que as políticas públicas podem ajudar a responder aos desafios identificados.

Tem também uma ampla rede de parceiros. A investigação de Bingo centrou-se na gestão do ciclo da água em diferentes cenários climáticos, bem como medidas adaptativas para mitigar os efeitos do aquecimento global. O projecto foi desenvolvido em seis casos de estudo, com outras tantas entidades científicas, nas cidades de Bergen (Noruega), Nicosia (Chipre) e Badalona (Espanha), bem como nas regiões de Gelderland, na Holanda, Wupper, na Alemanha e a Lezíria do Tejo, em Portugal. No Tejo, a investigação envolveu a EPAL, os 13 municípios da comunidade intermunicipal da região e ainda os produtores agrícolas ali instalados, um modelo de colaboração com instituições públicas e privadas que é semelhante ao usado nos outros locais envolvidos.

Bingo foi um dos projectos nacionais mais bem-sucedidos no programa Horizonte 2020 até ao momento, tendo garantido 7,8 milhões de euros em fundos comunitários. Quatro anos depois de ter sido iniciado, está praticamente concluído: os seus resultados finais serão apresentados no próximo mês de Maio, durante a grande conferência europeia de alterações climáticas, a ECCA, que decorre em Lisboa.

Desde o início do Horizonte 2020, em 2014, já foram captados por Portugal mais de 700 milhões de euros para investigação, o que corresponde a uma taxa de retorno do financiamento nacional de 1,65%. Ou seja, por cada euro investido, o país está a ser capaz de ir buscar mais 65 cêntimos.

Este é um indicador histórico se tivermos em conta que o país, mesmo estando entre o grupo das economias menos desenvolvidas da União Europeia – recebendo por isso fundos de coesão para diferentes áreas –, era, no caso da Ciência, um contribuinte líquido dos programas de financiamento comunitários. Isto é, não era capaz de ir buscar ao orçamento europeu tanto dinheiro como o que lá colocava.

O Horizonte 2020 é, de resto, o primeiro programa quadro europeu de investigação e inovação em que Portugal é um beneficiário em vez de um contribuinte líquido, ainda que a tendência se tenha invertido ainda durante o 7.º programa, em 2012.

“Houve uma grande aprendizagem”, explica o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Fontainhas Fernandes. As instituições de ensino superior são das principais responsáveis pela captação de financiamento comunitário para a investigação, recebendo, juntamente com os centros de investigação quase dois terços (65%) dos 700 milhões de euros do Horizonte 2020. As empresas ficam com 26% deste dinheiro, com destaque para as PME (16%). A “generalidade das instituições” constituíram gabinete de apoio a projectos e tornaram-se “mais capazes de fazer as candidaturas” e, por outro lado, “passou a haver uma prioridade para a internacionalização” que não existia anteriormente, defende aquele responsável. 

O programa quadro de apoio à investigação prolonga-se até ao próximo ano. Até ao final desse período, Portugal espera ultrapassar os mil milhões em financiamento. O Governo quer duplicar essa meta, numa ambição partilhada publicamente pelas universidades durante a segunda sessão da Convenção Nacional do Ensino Superior, que decorreu na passada sexta-feira, em Aveiro.

No próximo programa quadro, que vai chamar-se Horizonte Europa e vai prolongar-se entre 2021 e 2027, Portugal estabeleceu a meta de chegar aos 2000 milhões de euros de financiamento europeu para a investigação e ciência. Para isso, é preciso “desburocratizar” e “simplificar” a forma como o país gere o investimento de fundos comunitários, aponta Fontainhas Fernandes, bem como melhorar a capacidade de acesso à informação junto das instâncias da União. “Temos um posicionamento muito ténue em Bruxelas”, defende o presidente do CRUP. Se isso acontecer, a duplicação da capacidade de financiamento da ciência nacional por fundos comunitários “é um objectivo alcançável”.