Chiara Manfletti escolhida como presidente da Agência Espacial Portuguesa
Tem nacionalidade alemã e italiana, é assessora para os programas do director-geral da ESA e será a terceira mulher a presidir a uma agência espacial, segundo o ministério da ciência. A presidente da Agência Espacial Portuguesa tem agora pela frente um mandato de cinco anos.
Chiara Manfletti é a primeira presidente da Agência Espacial Portuguesa – Portugal Espaço, anunciou esta sexta-feira o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). A escolha foi feita durante a primeira assembleia-geral da agência que decorreu esta sexta-feira em Lisboa e que contou com a presença de representantes das entidades fundadoras da Portugal Espaço: a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a Agência Nacional de Inovação, a Direcção-Geral de Recursos de Defesa Nacional e a Região Autónoma dos Açores através da Associação RAEGE Açores - Rede Atlântica de Estações Geodinâmicas e Espaciais.
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Chiara Manfletti é a primeira presidente da Agência Espacial Portuguesa – Portugal Espaço, anunciou esta sexta-feira o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). A escolha foi feita durante a primeira assembleia-geral da agência que decorreu esta sexta-feira em Lisboa e que contou com a presença de representantes das entidades fundadoras da Portugal Espaço: a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a Agência Nacional de Inovação, a Direcção-Geral de Recursos de Defesa Nacional e a Região Autónoma dos Açores através da Associação RAEGE Açores - Rede Atlântica de Estações Geodinâmicas e Espaciais.
Chiara Manfletti tem nacionalidade italiana e alemã e é assessora para os programas do director-geral da Agência Espacial Europeia (ESA), Johann-Dietrich Woerner. Luís Santos, até agora coordenador da Estrutura de Missão dos Açores para o Espaço, foi o escolhido como vice-presidente da agência recém-criada.
Chiara Manfletti e Luís Santos terão agora pela frente um mandato renovável de cinco anos e terão de escolher entre uma e três pessoas para a direcção nos próximos seis meses. Haverá ainda um conselho de orientação e de estratégia e um conselho fiscal. A apresentação da presidente e do vice-presidente será feita no Workshop Portugal Espaço, a ESA e o Programa Espacial Europeu (2021-2027) no Teatro Thalia (Lisboa), na quinta-feira, às 14h30.
“Considerei que o facto de Portugal querer ter uma agência espacial é um avanço maravilhoso. Além disso, o país tem ideias inovadoras de como o espaço pode interagir com a sociedade e a economia”, diz ao PÚBLICO Chiara Manfletti sobre o desafio de liderar a agência, um papel que começará a desempenhar gradualmente a partir de segunda-feira. E reforça: “A ideia de ajudar um país a criar uma agência espacial do zero – e um tipo de agência diferente das que já existem hoje – é empolgante.”
Esta decisão foi tomada depois de um processo de selecção feito entre a FCT e a ESA e teve “vários candidatos”, segundo o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. “Estamos a pôr a agência operacional até ao final de Março tal como nos tínhamos comprometido”, salienta sobre o passo dado esta sexta-feira.
Durante este mês, temos assistido ao desenrolar da criação da Portugal Espaço. A 7 de Março foi aprovada em Conselho de Ministros e no início desta semana foi formalizada nos Açores a sua constituição. Esta estrutura resulta da parceria entre o Governo português e Governo Regional dos Açores e tem a colaboração da ESA.
A sede da agência ficará na antiga casa do director do aeroporto da ilha de Santa Maria (Açores), que vai entrar em obras, e tem instalações no Palácio das Laranjeiras, em Lisboa, onde funciona o MCTES.
Mas o que se pretende com esta agência? Uma das grandes ambições é estimular o sector do espaço em Portugal. Para tal, irá pôr em prática a estratégia nacional do espaço (Portugal Espaço 2030) e articular a gestão de programas nacionais ligados ao sector para que o investimento e o emprego qualificado aumentem.
“Um dos objectivos é o crescimento económico em Portugal”, frisa Chiara Manfletti. Mas quando questionada sobre que estimativa faz desse crescimento, cita Manuel Heitor e refere que se espera que nos próximos dez anos o sector do espaço facture 400 milhões de euros (actualmente são 40 milhões de euros anuais). Para os próximos três anos, o Governo português – através da FCT e da Anacom - Autoridade Nacional de Comunicações – irá financiar a agência em oito milhões de euros.
Espera-se também que sejam criados mil novos postos de emprego qualificado, de acordo com Manuel Heitor. Até ao final do ano, prevê-se que estejam a trabalhar para a agência cerca de dez pessoas – incluindo a presidente, o vice-presidente, as pessoas do Gabinete do Espaço da FCT e da Estrutura de Missão dos Açores para o Espaço, que são agora integrados na agência. Estima-se que daqui a cinco anos o número de “funcionários” suba para 20. Mas Chiara Manfletti prefere não lançar números: “Seria bom termos dez pessoas a começar nos próximos meses, mas vamos ver. Não é tanto o número que conta, é a qualidade que fará a diferença.”
Projecto “muito interessante”
Outro dos grandes objectivos da Portugal Espaço está relacionado com o serviço de lançamento de micro-satélites que se pretende criar em Santa Maria, nos Açores. “Portugal tem uma visão interessante de como uma agência espacial deve ser diferente do que já existe e este projecto demonstra-o”, afirma Chiara Manfletti.
“Os Açores estão num sítio muito interessante em termos de lançamentos porque podem alcançar-se diferentes órbitas”, aponta Chiara Manfletti. “Também acho que pode contribuir para o desenvolvimento sustentável como o transporte marítimo autónomo, assim como criar núcleos de novas economias nos Açores.”
Como o lançador de Santa Maria será para pequenos satélites, Chiara Manfletti explica que estes microssatélites vão formar constelações que fornecerão dados espaciais – por exemplo – para o clima. “De todas as 50 variáveis essenciais climáticas para observar o clima e analisar o que está a acontecer em termos de aquecimento global, 26 podem ser estudadas a partir do espaço”, destaca. “Podemos observar a subida do nível do mar, a salinidade da água ou outros parâmetros como as concentrações de dióxido de carbono.”
Mesmo assim, Chiara Manfletti reforça que a Portugal Espaço só irá acompanhar o processo de negociação e concretização deste porto espacial. “Não vamos gerir o porto espacial, serão as empresas a fazer isso.” Esta semana começou a segunda fase do concurso público internacional para instalação e operação do porto espacial. Segundo o calendário oficial, os primeiros lançamentos acontecerão em 2021.
E será este um porto espacial competitivo? “Isso será da responsabilidade das empresas [dos consórcios interessados em operar o porto espacial], mas tenho a certeza que o Governo português e o Governo Regional dos Açores irão ajudar no desenvolvimento da sua competitividade”, responde Chiara Manfletti.
Mas os projectos desta recém-agência não ficam por aqui. Chiara Manfletti salienta o desenvolvimento do Centro Internacional de Investigação do Atlântico (AIR Centre) para estudar os oceanos, clima, atmosfera, espaço ou ciência dos dados.
Além disso, pretende-se aumentar a consciencialização da sociedade portuguesa sobre o espaço. “Por um lado, acho que é importante aumentar a consciencialização sobre o que a ciência pode fazer pelas futuras gerações e para o crescimento económico do país. Por outro, queremos aumentar a consciencialização sobre como as infra-estruturas do espaço podem contribuir no dia-a-dia.” Entre as iniciativas pode estar uma sondagem sobre o que os portugueses pensam da importância do espaço.
A Portugal Espaço tem uma “forte ligação” com a ESA, indica ainda Chiara Manfletti, adiantando que a agência vai representar Portugal no Conselho da ESA e discutir com a agência europeia as actividades portuguesas.
Segundo Manuel Heitor, a agência portuguesa terá uma “dupla tutela”. “Queremos ter uma agência com interesses nacionais, mas que ao mesmo tempo ajude a criar um hub [ligação] da ESA em Portugal”, explica Manuel Heitor, esclarecendo que o primeiro laboratório da ESA em Portugal ficará nas instalações do AIR Centre na ilha Terceira (Açores) e também será coordenado por Chiara Manfletti. “É uma forma de participarmos mais activamente na ESA e de a ESA ter uma maior presença em Portugal, assim como dar um contributo para modernizar a sua estrutura.”
Uma agência “diferente”
E quais são as prioridades de Chiara Manfletti? “Fazer a agência criteriosa, extremamente dinâmica, consciencializar as pessoas e acelerar o sector do espaço em Portugal”, afirma, acrescentando que é preciso falar com todos os intervenientes desde empresas, a partes interessadas como o Ministério da Defesa até ao público em geral.
Também é determinante perceber que o sector espacial está a mudar e que esta agência terá de ser diferente de outras já criadas. “No passado, uma agência espacial iria decidir o que seria o sector espacial. Mas hoje o que uma agência tem de fazer é perguntar aos utilizadores o que precisam e ser facilitadora e impulsionadora.” Como tal, a presidente da Portugal Espaço refere que se deverá abrir convocatórias para empresas que tenham boas ideias sobre o uso de dados do espaço e para assim se criar serviços e produtos que possam ser usados por outros sectores.
“Não lhes teremos de dizer [às empresas] necessariamente o que devem fazer, elas podem criar as suas opções e trazer ideias. Seremos um intermediário na interligação entre diferentes sectores.” E exemplifica: “O sector dos transportes marítimos, da inteligência artificial e da observação da Terra poderão criar transportes autónomos, uma das grandes áreas do futuro.”
E resume: “Uma agência tradicional actua sobretudo como uma agência. Já uma agência moderna actua como uma agência, um mediador, um facilitador, um intermediário e um impulsionador.” Para a presidente, há assim várias funções a ser desempenhadas desde estímulos ao surgimento de novos negócios até à divulgação científica. “Isto alavanca o financiamento público, mas também estimula investimentos privados e comerciais, ou promove interacções entre diferentes sectores e áreas de investigação do espaço e fora do espaço. É tudo sobre a construção de pontes e conexões.”
A aprender português
Chiara Manfletti tem 39 anos e nasceu em Itália, onde frequentou a Escola Americana de Milão. Tem no seu currículo um mestrado em engenharia aeronáutica no Imperial College de Londres e um doutoramento em propulsão de foguetões na Universidade Técnica de Aachen (Alemanha). Durante mais de 13 anos trabalhou na agência espacial alemã (DLR). Agora é assessora do director-geral da ESA, com sede em Paris. “Quando me perguntam a minha nacionalidade [que é italiana e alemã], é uma questão complicada. Sinto-me em casa na Europa.”
Assume-se como uma fascinada pela exploração espacial. “Gosto de missões científicas que estudam buracos negros e estrelas. E acho fantástico saber mais sobre como foi o Big Bang”, conta. Sobre as missões actuais, destaca a BepiColombo da ESA e da Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial, lançada em Outubro. “Vai estudar Mercúrio e dar-nos mais informações sobre um planeta do nosso sistema solar.”
Mas também a fascina o contributo que as missões espaciais podem ter na sociedade como o desenvolvimento sustentável. “Por exemplo, na Estação Espacial Internacional estamos a fazer crescer plantas em condições adversas com pouca água ou luz solar. Depois serão trazidas para locais da Terra onde há secas”, explica.
“Conseguimos atrair para Portugal uma verdadeira cidadã europeia e uma mulher”, frisa Manuel Heitor, referindo que só conhece mais dois exemplos de mulheres a presidir agências espaciais: Megan Clark, presidente da Agência Espacial Australiana; e Pascale Ehrenfreund, que dirigiu a DLR. Mas, embora assuma que está feliz por contribuir para o equilíbrio entre géneros, Chiara Manfletti relativiza: “Não gosto de dizer que vou alcançar isto ou aquilo porque sou mulher. Gosto mais de pensar que todos os seres humanos podem trazer diversidade.”
Por agora, diz que também vai contribuir para essa diversidade aprendendo português. “É uma língua que soa muito bem”, elogia. E, de certeza, uma língua que ouvirá nos próximos tempos neste seu “grande desafio”, como a própria considera.