Julgamento de polícias: “A pancada foi tanta que fiquei inconsciente”, acusa jovem
Dois polícias que abordaram um jovem perto do bairro 6 de Maio, na Amadora, estão a ser julgados no Tribunal de Sintra por agressões.
Dia 17 de Julho de 2015, pouco antes da meia-noite: Tiago Gouveia, empregado de mesa, então com 21 anos sai do autocarro depois de um dia de trabalho como empregado de mesa. Vai a atravessar a passadeira junto ao bairro 6 de Maio, na Amadora. Há um carro da PSP com dois agentes lá dentro. Pedem-lhe para parar. “Perguntaram o que estava a fazer ali. Respondi que vinha do trabalho. Pediram-me a identificação.”
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Dia 17 de Julho de 2015, pouco antes da meia-noite: Tiago Gouveia, empregado de mesa, então com 21 anos sai do autocarro depois de um dia de trabalho como empregado de mesa. Vai a atravessar a passadeira junto ao bairro 6 de Maio, na Amadora. Há um carro da PSP com dois agentes lá dentro. Pedem-lhe para parar. “Perguntaram o que estava a fazer ali. Respondi que vinha do trabalho. Pediram-me a identificação.”
Nos bolsos tem só o passe e questiona-os se se pode identificar com aquele documento. Os polícias recusam. É nessa altura que refere que mora no prédio em frente, pergunta-lhes se pode ir buscar o cartão de cidadão. Por “várias vezes”, aliás, refere isso mesmo, “que morava no prédio em frente”. Os agentes dizem que ele tem que se deslocar à esquadra.
Esta foi a versão que Tiago Gouveia contou nesta quarta-feira ao colectivo de juízes do Tribunal de Sintra, no âmbito de um processo em que dois agentes da PSP estão acusados pelo Ministério Público (MP) do crime de sequestro agravado e de ofensa à integridade física qualificada. Um deles responde também pelos crimes de falsificação de documento agravado e denúncia caluniosa.
Na sessão anterior do julgamento, os polícias disseram que a razão pela qual o abordaram foi por ser desconhecido, já passar da meia-noite, por ele ser branco e por estar numa zona sensível habitada sobretudo por africanos.
Aos juízes, Tiago Gouveia contou que insistiu com os polícias para ir a casa buscar a identificação ou pedir à sua namorada na altura que a viesse entregar — um deles, que não soube identificar, até mostrou vontade em aceder ao seu pedido, mas o outro não deixou.
Disse também que um dos agentes — Luís Ferreira — estava com mais vontade de bater do que o outro. Isto porque depois daquele diálogo o mandaram encostar à parede de uma farmácia e começaram a agredi-lo: cotoveladas na cabeça, socos até cair ao chão, joelhadas, pontapés, relatou. “Agachei-me e encolhi o corpo. Algemaram-me no chão deitado de barriga para baixo. A pancada foi tanta que fiquei inconsciente. Quando retomei a consciência estavam-me a arrastar para dentro do carro.”
Socos na nuca
A sua namorada ainda terá assistido a parte da agressão, relatou ainda, porque ouviu gritos e desceu. “Agarrou-se a um dos agentes a pedir para parar mas ele dizia que não e empurrava-a.” O jovem seria acusado pelos agentes de ter mordido a perna a um deles. Disse não se recordar de o ter feito mas teve a percepção que sim porque na esquadra viu a perna do agente a ser fotografada. “Acho que se via que era uma mordidela”, disse aos juízes.
Contou também que no carro, algemado, a caminho da esquadra, foi atingido com socos na nuca. Mas também na esquadra, depois de ter tentado fazer uma chamada do seu telemóvel para a mãe, explicou que o empurraram, bateram e rasgaram-lhe a camisola deixando-o “em tronco nu”.
Segundo o despacho de acusação, os agentes agrediram o jovem com cotoveladas no pescoço, murros nas costas e no abdómen, pancadas na cabeça com as algemas, arrastaram-no e empurraram-no, “tendo ficado temporariamente inanimado”. Na esquadra, colocaram-no algemado numa sala e empurram-no contra as paredes. O rapaz ficou com várias lesões – edemas, cervicalgia, lombalgia, escoriações em várias zonas do corpo – e impedido de trabalhar durante pelo menos quatro dias, acrescenta o MP.
Agentes negam
Os agentes da PSP negam todas as acusações. Segundo a descrição que fizeram ao tribunal, depois de pedirem a identificação a Tiago Gouveia ele recusou-se. “Ele disse: ‘Eu não tenho que dar nada.’ Estava com um ar super-despreocupado, parecia que estava a desvalorizar a nossa actuação policial”, disse ao tribunal o agente Pedro Xavier. “Dizia: ‘A vossa carreira policial vai acabar, não sabem com quem se estão a meter.’” Face à resistência, foi-lhe dada voz de detenção pelo “crime de desobediência”: “Recusou-se a ir connosco à esquadra”, explicaram.
Tiago Gouveia entregou alguns vídeos que terão registos das agressões e o seu depoimento irá continuar no dia 3 de Abril.