Há 30 portugueses desaparecidos na Beira, onde “as coisas estão mais feias do que imaginamos”

Foram encontrados 356 corpos, mas há centenas de pessoas desaparecidas ou a lutar pela vida em cima de árvores e telhados de casas. Possível abertura de barragens no Zimbabwe pode causar um novo pesadelo em Moçambique.

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Quase uma semana depois da passagem do ciclone Idai por Moçambique, Zimbabwe e Malawi, numa altura em que as equipas de socorro resgataram 356 corpos e centenas ou milhares de sobreviventes ainda esperam por ajuda agarrados a árvores ou em telhados de casas inundadas, o governo português revelou que há pelo menos 30 portugueses desaparecidos na cidade da Beira.

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Quase uma semana depois da passagem do ciclone Idai por Moçambique, Zimbabwe e Malawi, numa altura em que as equipas de socorro resgataram 356 corpos e centenas ou milhares de sobreviventes ainda esperam por ajuda agarrados a árvores ou em telhados de casas inundadas, o governo português revelou que há pelo menos 30 portugueses desaparecidos na cidade da Beira.

No domingo, o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, disse que não tinha conhecimento da existência de mortos entre a comunidade portuguesa, uma informação que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, reafirmou esta quarta-feira ao comunicar a partida de um avião C-130 para Moçambique.

Mas, ao chegar a Maputo, José Luís Carneiro revelou que “há ainda portugueses que não estão localizados”.

“Temos, na embaixada, 30 pedidos de localização”, disse o secretário de Estado das Comunidades, citado pela agência Lusa.

Ajuda tarda a chegar

Na cidade de Búzi, onde o ciclone Idai arrasou o que a chuva forte das últimas semanas já tinha enfraquecido, centenas de pessoas aguardavam a chegada de água e alimentos apinhadas na frágil bancada de um campo de futebol, com os pés a poucos metros do oceano barrento em que se transformou o rio da cidade.

A alguns quilómetros de distância, no Hospital Central da Beira, “todos os bebés no berçário morreram, muitas mulheres grávidas a dar parto morreram”. Quase uma semana depois da passagem do ciclone por Moçambique, grande parte da zona centro do país é ainda um gigantesco ponto de interrogação, à espera de resposta sobre a verdadeira dimensão do desastre – e à espera de ajuda, que tarda a chegar.

Até esta quarta-feira, as equipas de socorro encontraram 356 corpos, mais de 200 em Moçambique e os restantes nos outros dois países  – uma centena no Zimbabwe e mais de 50 no Malawi.

Mas o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, avisou no início da semana que o balanço final pode ser ainda mais dramático do que os números das inundações de 2000, que fizeram entre 700 e 800 mortos. Desta vez, segundo Nyusi, podem ter morrido “mais de mil pessoas", cujos corpos estarão ainda longe da vista ou em locais inacessíveis por terra.

À medida que as garrafas de água, os sacos de arroz e os biscoitos enriquecidos das organizações humanitárias vão sendo descarregados no aeroporto da Beira, e que a União Europeia anuncia uma ajuda de 3,7 milhões de euros para Moçambique, milhares de pessoas continuam isoladas, muitas há dias em cima de árvores e de telhados, algumas a receberem água, alimentos e cobertores lançados do ar.

“As coisas na Beira estão feias, muito mais feias do que imaginamos de longe. A televisão não está a passar a verdadeira realidade da situação”, diz o moçambicano Pedro Mufuukula no Facebook, referindo-se, em particular, ao Hospital Central da Beira. “Todos os bebés no berçário morreram, muitas mulheres grávidas a dar parto morreram. A casa mortuária possui mais de 100 corpos espalhados pelo chão, cristãos, muçulmanos e ateus, não há forma de fazer enterros!”

Numa conferência de imprensa realizada esta quarta-feira, um representante da Renamo, na oposição, disse que “há muita informação a ser ocultada” pelo Governo, da Frelimo.

Segundo Juliano Picardo, assessor do líder da Renamo, Ossufo Momade, na província de Manica “há crianças e mulheres famintas e sem ajuda” e em muitas zonas afectadas há pessoas a aproveitarem-se do caos: “Chegam a vender uma vela que custava dez meticais [14 cêntimos] por 25 meticais [35 cêntimos] ou mais”, cita o jornal digital Carta de Moçambique.

Na mesma conferência de imprensa, Picardo também falou sobre o Hospital Central da Beira, repetindo a informação avançada por outros moçambicanos através das redes sociais e referida num texto do director da Associação Esbama em Sofala, Fabrizio Graglia, publicado pelo Diário de Notícias na noite de terça-feira.

“O telhado do Hospital Central da Beira caiu e cinco recém-nascidos da enfermaria de neonatologia morreram, mais 160 pessoas morreram naquelas instalações devido principalmente à falta de energia que mantinha as máquinas hospitalares e à queda parcial da estrutura”, disse Fabrizio Graglia.

Abertura de barragens

Ao mesmo tempo que as equipas de socorro tentam chegar a todos os cantos da gigantesca área inundada pela chuva que se juntou à água dos rios Búzi e Pungue – e que cresceu ainda mais com a passagem do ciclone Idai –, há outra potencial catástrofe à espreita, para além da chegada de doenças como a malária e a cólera.

Esta quarta-feira, o Presidente moçambicano disse que o Governo do Zimbabwe vai abrir as comportas das barragens, para evitar que elas rebentem – se isso acontecer, os rios Búzi e Pungue, que cortam a província de Sofala até chegarem à baía com o mesmo nome, vão subir ainda mais para voltarem a pôr em perigo a vida de milhares que escaparam ao ciclone.

As inundações são um cenário habitual na zona da Beira, mas os efeitos da chuva torrencial das últimas semanas foram amplificados pelo Idai, com ventos que chegaram aos 175 Km/h. Ainda assim, Álvaro Carmo Vaz, professor catedrático em Hidrologia e Gestão de Recursos Hídricos na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, considera que o desastre teve alguns avisos.

“No dia 8 de Março, na madrugada e de manhã, o que se passou no [rio] Rovúbuè é que começámos a ter, em dias seguidos, precipitação muito elevada na parte alta dessa bacia”, disse o especialista à Rádio Mais, segundo o jornal Carta de Moçambique.

“Portanto, de alguma forma essas cheias eram previsíveis”, disse Álvaro Carmo Vaz, que critica a ausência de um “alerta vermelho” por parte do Instituto Nacional de Gestão de Calamidade do país.