Queixas por fraude bancária disparam junto do Ministério Público e do BdP

Só em 2018, a PGR registou 284 inquéritos por burla com fraude bancária e as queixas que chegaram ao Banco de Portugal quase duplicaram. Números que explicam o alerta público do supervisor bancário acerca do crédito fácil.

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Endividamento de muitas famílias leva-as a pedir novos créditos junto de entidades ilegais Andreia Patriarca

O Banco de Portugal (BdP) emitiu recentemente um “alerta público” sobre crédito fácil, associado a prática de crimes como usura, burla, fraude fiscal, falsificação, ameaça e extorsão. O alerta do regulador foi motivado pelo aumento das queixas apresentadas em 2018 que, segundo dados enviados ao PÚBLICO, ascenderam a cerca de 60, contra as 35 registadas no ano anterior. Para além deste aumento, o BdP também reagiu ao agravamento do cenário de uma actividade que se tem revelado “extremamente lesiva” dos interesses dos particulares, que chegam a pagar juros de 300% e a perder bens dados em garantia.

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O Banco de Portugal (BdP) emitiu recentemente um “alerta público” sobre crédito fácil, associado a prática de crimes como usura, burla, fraude fiscal, falsificação, ameaça e extorsão. O alerta do regulador foi motivado pelo aumento das queixas apresentadas em 2018 que, segundo dados enviados ao PÚBLICO, ascenderam a cerca de 60, contra as 35 registadas no ano anterior. Para além deste aumento, o BdP também reagiu ao agravamento do cenário de uma actividade que se tem revelado “extremamente lesiva” dos interesses dos particulares, que chegam a pagar juros de 300% e a perder bens dados em garantia.

No que diz respeito, em específico, à concessão de crédito ilegal, habitualmente com a promessa de rápida resposta e sem burocracias, a instituição liderada por Carlos Costa foi levada a aumentar as comunicações enviadas à Procuradoria-Geral da República (PGR), sendo que “cada comunicação pode ter como objecto indícios da prática de diversos ilícitos criminais por várias pessoas”, refere o regulador. Assim, em 2018, foram feitas 20 participações, 13 das quais estavam especificamente relacionadas com a concessão ilícita de crédito, o que compara com seis comunicações enviadas em 2017.

Na PGR, o número de casos em investigação relacionados com fraude bancária são bem superiores. Para além de confirmar “a recepção das cerca de duas dezenas de participações feitas pelo BdP”, o Ministério Público adiantou que no ano passado foram registados 284 inquéritos por burla com fraude bancária, bem mais que os 156 registados em 2017. A PGR salvaguarda que “nem todas as investigações abertas dizem respeito a concessão de crédito ilegal, sendo provável que estejam em causa factos de contornos diversos”.

A concessão ilícita de crédito tem vido a aumentar, o que é visível pelo aumento das queixas, mas também pelo “aumento das ofertas que têm sido detectadas no âmbito da monitorização desenvolvida pelo BdP”, avança a entidade em resposta ao PÚBLICO.

O enquadramento legal da actividade de intermediário de crédito mudou no ano passado, sendo obrigatório o seu registo junto do BdP, cuja lista pode e deve ser consultada pelos particulares antes de formalizar qualquer tipo de operação. As novas exigências legais não vão, por si só, travar a actividade por entidades não autorizadas, mas o regulador promete uma monitorização permanente, nomeadamente junto das “redes sociais e em anúncios na imprensa”.

A oferta ilícita de empréstimos é feita em ambiente de grande informalidade e particularmente direccionada para os particulares em dificuldades financeiras ou já muito endividados junto dos bancos comerciais. A promessa de resposta rápida e empréstimos sem burocracias são aspectos que ajudam a atrair clientes, mas a realidade é bem diferente. Muitas vezes não há concessão de crédito, apesar de os clientes já terem pago dinheiro para a abertura do processo, que não é devolvido. Noutros casos só são concedidos os empréstimos contra a entrega, em garantia, de cheques pré-datados ou a penhora de carros e habitações, bens que muitos clientes acabam por perder. Juros de alguns empréstimos podem chegar aos 300%, segundo o próprio regulador, e há relatos de práticas agressivas para forçar clientes a pagar empréstimos e juros. Neste tipo de operações, o valor do empréstimo, os prazos de pagamento, as taxas de juro, comissões e as garantias que o devedor tem de dar, são termos fixados de forma unilateral, sem qualquer negociação.

O supervisor do sector financeiro, que passou a disponibilizar no seu site um vídeo sobre este tema, refere no alerta que “muitas vezes de forma ardilosa e aproveitando-se da situação de especial necessidade das pessoas, estas entidades têm como único objectivo receber o pagamento do crédito concedido, acrescido de taxas de juro anuais que chegam a ultrapassar 300%, ou a aquisição definitiva da propriedade dos bens móveis e imóveis, por um valor bastante inferior ao seu valor de mercado”.

Em Julho de 2017, o PÚBLICO alertou para a existência de dezenas de empresas, muitas delas ligadas entre si, a prometer crédito fácil, num esquema fraudulento que terminava, muitas vezes, com a perda da habitação própria para pagar dívidas de crédito ao consumo.

O aumento do endividamento das famílias é uma situação reconhecida por BdP. Há poucos dias, Carlos Costa alertou para o risco das armadilhas de crédito. “Temos de ter consciência que nós como supervisores conseguimos controlar os agregados de crédito, mas não conseguimos evitar que a armadilha do endividamento atinja determinados estratos da população, afirmou o governador do banco central, citado pelo Eco.

À Deco, associação de defesa do consumidor, têm chegado mais casos de famílias que não conseguem pagar os seus empréstimos. O número de famílias que pediu ajuda ao Gabinete de Protecção Financeira (GPF) da Deco subiu para 29.350, em 2018, mais 350 pedidos que em 2017, e muito mais que os 8758 de 2008, ou mesmo os 23.183 de 2012. Para além da evolução dos pedidos de ajuda, há dados mais graves, como o crescimento da taxa de esforço ou percentagem do rendimento que é utilizado para pagar os empréstimos, cuja média atingiu os 80%, mais cerca de 10 pontos percentuais que em 2017. Para a directora do GPF, Natália Nunes, o crescimento da taxa de esforço “é muito preocupante”, tendo em conta que essa relação já é mais do dobro da recomendável, que não deve ultrapassar os 35%.

Notícia actualizada com o número de inquéritos registados pela PGR em 2017.