Pagar mais impostos? Pode significar “confiança” nos serviços públicos
Especialistas lembram que resposta à questão não significa que as pessoas queiram mesmo pagar mais. É um método "usado habitualmente de forma a perceber como é que a população valoriza o bem público”, que não tem “mercado ou preço”.
“É difícil tentar entender o que vai na cabeça das pessoas”, diz José António Pereirinha, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), mas quando metade dos portugueses ouvidos no âmbito do questionário Risks That Matter, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), divulgado esta terça-feira, se diz favorável ao aumento dos impostos e prestações sociais (em 2%) se o propósito for melhorar o acesso aos cuidados de saúde, há interpretações possíveis. Pode mostrar “que as pessoas confiam mesmo no Estado e nos serviços públicos e que acham que devem pagar mais impostos para que os serviços sejam melhores”, diz o também investigador.
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“É difícil tentar entender o que vai na cabeça das pessoas”, diz José António Pereirinha, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), mas quando metade dos portugueses ouvidos no âmbito do questionário Risks That Matter, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), divulgado esta terça-feira, se diz favorável ao aumento dos impostos e prestações sociais (em 2%) se o propósito for melhorar o acesso aos cuidados de saúde, há interpretações possíveis. Pode mostrar “que as pessoas confiam mesmo no Estado e nos serviços públicos e que acham que devem pagar mais impostos para que os serviços sejam melhores”, diz o também investigador.
A pergunta foi colocada no âmbito do Risks That Matter, um questionário aplicado em 21 países da OCDE. Mais de 22.000 pessoas, com idades entre os 18 e os 70 anos, foram ouvidas em 2018 acerca daquilo que percepcionam como os riscos sociais e económicos a que estão expostas e sobre qual tem sido o papel dos seus governos na mitigação desses riscos.
Os dados mostram que “há uma grande predominância da valorização das respostas públicas”, concorda o comentador político e professor no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Pedro Adão e Silva.
Mas “isto não quer dizer que [as pessoas] estejam mesmo dispostas a pagar”. Este tipo de questões, explica José António Pereirinha, “é usado habitualmente de forma a perceber como é que a população valoriza o bem público”, que não tem “mercado ou preço”.
Há também quem prefira pagar mais por melhores pensões ou educação e quem não queira aumentos. As preferências mudam consoante o sexo, os rendimentos, o tipo de contrato de trabalho, a idade… Por exemplo, no nível de rendimentos de quem escolhe os cuidados de saúde como principal razão para suportar um eventual aumento de impostos são os mais pobres que mais se dizem disponíveis para um aumento nos seus impostos em troca de melhores cuidados de saúde.
Isto é surpreendente? “Não. São as pessoas que mais dependem dos serviços públicos de saúde. Isso significa que atribuem aos serviços públicos uma importância grande para a satisfação dos seus direitos”, defende José António Pereirinha.
Mais ricos, menos impostos
Olhar para a questão das desigualdades do ponto de vista dos serviços “é muito importante”, refere Pedro Adão e Silva. “Os serviços são um mecanismo muito poderoso para contrabalançar a desigualdade criada. E na verdade sabemos muito pouco sobre essa dimensão.”
“É muito importante que [a oferta de serviços públicos] seja universal e não apenas direccionada aos que menos têm”, defende o sociólogo. Se não for universal, há dois efeitos: “diminui a qualidade da oferta e acentua a indisponibilidade dos que pagam mais impostos para continuar a financiar serviços que não utilizam.”
“Se a escola, o hospital e o ensino superior públicos forem apenas para os pobres e a oferta privada para os ricos, é natural que os ricos não estejam disponíveis para financiar [o público]. A universalidade na oferta é importante para manter a disponibilidade de quem paga mais impostos continuar a pagá-los.”
Na Bélgica — país entre aqueles em que foi o inquérito onde uma pessoa singular paga mais impostos — e na França, metade daqueles que têm maiores rendimentos dizem que não querem pagar mais impostos a troco de melhores cuidados de saúde, educação ou apoios no desemprego. Em Portugal são 36%.
Doença, despesas e desemprego
Ficar doente, não conseguir fazer face às despesas e perder o emprego são as principais preocupações dos portugueses a curto prazo.
A possibilidade de doença surge à cabeça da lista, mencionada por quase dois terços dos inquiridos, o que coloca Portugal entre os países onde mais gente diz ter este medo — acima só a Finlândia e a Polónia. Tal como cá, em 14 dos 21 países abrangidos pelo inquérito da OCDE, adoecer é o principal receio.
Quando as questões incidem sobre as preocupações a longo prazo, três em cada quatro portugueses falam sobre a falta de segurança financeira na velhice. Quase metade também se diz preocupada em alcançar estatuto e conforto (relacionados com o emprego, rendimento, segurança) para si próprio e para os seus filhos.
“Há uma insatisfação das pessoas”
A OCDE também quis saber se as pessoas consideram que o governo de um dado país devia fazer mais, menos ou o mesmo para garantir a segurança social e económica dos cidadãos. Só em dois países — França e Dinamarca — é que a maioria respondeu que o governo deve continuar a fazer o mesmo. Em todos os outros se considera que deve ir mais além. Em Portugal essa é a resposta de 88% dos inquiridos. Mais: quase 70% dos portugueses considera que o Governo não os tem em consideração quando cria benefícios públicos.
O relatório é uma “chamada de atenção” para os políticos, diz Steffano Scarpetta, o director do Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE, no editorial que acompanha a publicação dos resultados. “Há um claro descontentamento em relação às políticas sociais que existem actualmente.”
O mesmo refere o professor do ISEG. Se é certo que a disponibilidade para pagar mais impostos pode ser vista como algo positivo, o que também é certo é que “há uma insatisfação das pessoas”. “Isso tem efeitos negativos noutras áreas. Se eu estiver insatisfeito porque não sou ouvido, não sou bem tratado, porque tenho riscos que não são cobertos isso vai ter efeitos maus na vida económica.”
E defende que “o país que não tem uma política social forte arrisca-se a não ter um bom desempenho económico”.