Comissão de trabalhadores da RTP desafia administração: “Obviamente demitam-nos ou demitam-se!”
Representantes dos trabalhadores criticam duramente a equipa de Gonçalo Reis, juntam algumas perguntas aos esclarecimentos pedidos nesta quarta-feira pelo Governo e apelam ao órgão de supervisão que tome uma posição.
Respaldada pelas declarações do primeiro-ministro na tarde desta terça-feira que disse no Parlamento ter ficado perplexo com o conteúdo do memorando de entendimento entre a RTP e a Federação Portuguesa de Futebol, a comissão de trabalhadores (CT) da empresa pública veio deixar um desafio ao conselho geral independente e à administração liderada por Gonçalo Reis: “Obviamente, demitam-nos ou demitam-se!”
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Respaldada pelas declarações do primeiro-ministro na tarde desta terça-feira que disse no Parlamento ter ficado perplexo com o conteúdo do memorando de entendimento entre a RTP e a Federação Portuguesa de Futebol, a comissão de trabalhadores (CT) da empresa pública veio deixar um desafio ao conselho geral independente e à administração liderada por Gonçalo Reis: “Obviamente, demitam-nos ou demitam-se!”
O conteúdo do memorando, que prevê o acesso da federação a meios humanos e técnicos do serviço público de TV e aos arquivos em troca de acesso privilegiado da RTP a conteúdos desportivos, foi revelado há semana e meia pelo PÚBLICO. Nesta quarta-feira, ao mesmo tempo que o primeiro-ministro falava no Parlamento sobre o assunto, a FPF anunciava que “desobrigava” a RTP de manter os compromissos assumidos no documento devido à controvérsia que se gerou entretanto.
Esta cedência de conteúdos, instalações, meios técnicos e humanos do operador público permitiria viabilizar a criação e manutenção do futuro canal da federação, com lançamento previsto para meados de Maio e que é conhecido como canal 11. Em comunicado, a CT afirma que o memorando revela uma “completa falta de noção do que é e para que serve um serviço público de rádio e televisão”. Daí o desafio que colocam como título do texto que divulgaram esta noite.
Mas o desafio não é só para a administração. É igualmente para o CGI - Conselho Geral Independente, o órgão de supervisão e fiscalização do serviço público de rádio e televisão, que voltou a nomear Gonçalo Reis para o cargo de presidente - e também o único que o pode destituir.
A CT diz que alertou para os problemas que o acordo levantava. “Não se calou, não se vergou e não se rendeu, não teve medo. Nós fizemos o nosso trabalho. Falta agora que o CGI decida finalmente existir e fazer o seu.” E vinca que neste momento “o único órgão de supervisão de gestão que a RTP tem são os seus trabalhadores.”
CT pediu parecer à ERC
A CT divulga o conteúdo do memorando de entendimento assinado no início de Janeiro entre a empresa e a FPF, recorda as cinco perguntas que os ministros das Finanças e da Cultura enviaram por carta, nesta quarta-feira, à administração da RTP, e deixa também uma lista de questões gerais sobre o assunto. Há pouco mais de uma semana, a CT revelou que pedira à ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social para se pronunciar sobre o teor do memorando.
Pelo acordo, a RTP permutava com a federação imagens do seu arquivo que, a preços de tabela poderiam “atingir um valor de mais de 17 milhões de euros, em troca de programas que não era possível valorar”, contabiliza a CT. Permitia também a cedência de trabalhadores da RTP a pedido da FPF “sem definir qualquer enquadramento legal”, cedia as instalações do centro de produção do Norte “para o funcionamento de um canal privado”, creditava trabalhadores de um canal privado como se fossem seus, “violando todos os códigos de ética e deontologia”.
Além disso, continua a CT, a RTP iria violar os princípios da concorrência leal ao ajudar a baixar os custos de contexto de um canal privado através do uso de meios públicos e ao ultrapassar os limites de publicidade a que está sujeita por lei ao “explorar os tempos de emissão noutro canal”.
Como contrapartida, a RTP ficaria com uma posição preferencial na compra dos direitos dos jogos da selecção nacional de futebol, teria conteúdos exclusivos de acesso aos bastidores da selecção e aos balneários (durante as competições), e poderia exibir jogos antigos das selecções de futebol que tem no seu arquivo mas cujos direitos pertencem à federação.
A comissão de trabalhadores questiona-se se a administração terá neste momento as “condições mínimas para se manter no cargo” e faz a mesma pergunta sobre o conselho geral independente depois de este conhecer o documento e não ter agido sobre o assunto.
A CT da RTP lança ainda dúvidas sobre o comportamento de outros órgãos de comunicação social e sobre o “alcance e poder dos interesses comerciais em torno do futebol e a sua influência nos media” afirmando que o memorando era do conhecimento geral mas houve um “manto de silêncio” sobre o documento.
“Onde está o papel de regulador de mercado da RTP, se ela mantiver um conselho de administração que quer concorrer deslealmente com outros operadores privados?” e "de que serve ter um modelo de gestão que diz servir para afastar interesses governamentais mas deixa entrar todos os outros?”, perguntam também os representantes dos trabalhadores.