Apoio e empatia – o estilo de Jacinda Ardern, a primeira-ministra da Nova Zelândia

Recusou dar protagonismo ao terrorista que matou 50 pessoas no seu país. Rejeitou tratar a comunidade muçulmana como o "outro". Mas a "Jacindamania" não começou agora.

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EPA/BORIS JANCIC

Quando um homem de nacionalidade australiana, de 28 anos, entrou a matar em duas mesquitas, filmando e transmitindo em directo todos os seus passos, tornou-se óbvio o que queria: notoriedade e visibilidade para os seus ideais racistas. Mas a Nova Zelândia – na figura da sua primeira-ministra, Jacinda Ardern –, recusa-lhe o protagonismo e opta por nem sequer se referir ao atacante pelo nome próprio.

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Quando um homem de nacionalidade australiana, de 28 anos, entrou a matar em duas mesquitas, filmando e transmitindo em directo todos os seus passos, tornou-se óbvio o que queria: notoriedade e visibilidade para os seus ideais racistas. Mas a Nova Zelândia – na figura da sua primeira-ministra, Jacinda Ardern –, recusa-lhe o protagonismo e opta por nem sequer se referir ao atacante pelo nome próprio.

“Ele é um terrorista, um criminoso, um extremista, mas quando eu falar, ele não terá nome. E imploro-vos: falem dos nomes dos que perderam a vida em vez do homem que as levou. Ele pode ter procurado notoriedade mas na Nova Zelândia não lhe vamos dar nada – nem mesmo o nome”, disse Jacinda Ardern durante o seu primeiro discurso no Parlamento desde o atentado de sexta-feira, onde morreram 50 pessoas durante a oração de sexta-feira.

“Sim, a pessoa que cometeu esses actos não era daqui, não foi criado aqui. Não encontrou a sua ideologia aqui. Mas isso não quer dizer que esses mesmos ideais não vivam aqui. Eu sei que enquanto nação queremos dar todo o conforto que pudermos à comunidade muçulmana nestes tempos tão negros”, completou a primeira-ministra neozelandesa nesta terça-feira.

A forma como Jacinda Ardern geriu a tragédia valeu-lhe alguns elogios a nível internacional. A primeira-ministra foi rápida a designar o acto de violência como um “atentado terrorista” e, logo na primeira vez que se dirigiu à nação, recusou terminantemente a alteridade da comunidade muçulmana: “Eles são nós”, repetiu incessantemente. Pouco depois, prometeu uma alteração na legislação de acesso às armas e colocou-se ao lado das comunidades afectadas, dando o que mais precisam agora: apoio e empatia.

Logo no dia a seguir ao massacre, a primeira-ministra visitou Christchurch, palco do atentado, levando com ela os líderes de todas as cores políticas. Falou com os líderes muçulmanos presentes e abraçou quem estava a fazer o luto pelos seus familiares. Tudo isto enquanto usava um véu – mesmo sendo agnóstica.

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“As pessoas ficaram surpreendidas. Eu vi os seus rostos quando ela estava a usar o hijab – tinham sorrisos na cara”, disse Ahmed Khan, um dos sobreviventes do ataque à CNN. “[Usar o véu] É como dizer eu respeito-vos, respeito o que acreditam e estou aqui para ajudar”, completou Ali Akil, membro da organização de sírios na Nova Zelândia, a Syrian Solidarity New Zealand.

A líder mais jovem do mundo

Jacinda Ardern é um nome que aparece em várias listas por várias razões. Começando pelas mais óbvias: é a actual primeira-ministra num dos países que mais mulheres teve a chefiar o executivo – contando com ela, foram três – e é uma das líderes mais jovens da Nova Zelândia e do mundo.

Com 38 anos, é três anos mais jovem do que Macron e cimenta o seu lugar como a líder mais jovem do mundo. E só não é a mais jovem da história da Nova Zelândia porque, em 1856, Edward Stafford tornou-se primeiro-ministro com 37 anos e 40 dias. Ardern assumiu o cargo com 37 anos e 92 dias.

Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade de Waikato, com especialidade em relações públicas, Ardern assume-se como progressista de esquerda e revelou o seu carisma desde cedo. A sua ascensão relativamente rápida e a sua facilidade em chegar a compromissos e acordos com outras figuras políticas fez nascer um fenómeno conhecido como “Jacindamania”.

Chegou ao cargo de primeira-ministra em Setembro de 2017, poucas semanas depois de ser eleita líder dos trabalhistas – a mais nova de sempre e a segunda mulher a ocupar o cargo –, numa altura em que ainda era incerto que o partido conseguisse uma coligação para governar e ainda menos uma maioria.

Em 26 dias, sob a orientação de Ardern, os trabalhistas conseguiram chegar a um acordo com Nova Zelândia Primeiro, partido conservador que segue, na forma e na essência, o discurso de Donald Trump nos EUA. Reduzir a imigração e aumentar as penas criminais eram apenas dois dos pontos do seu programa.

Para um partido de centro-esquerda como os trabalhistas, o Nova Zelândia Primeiro podia ser uma escolha incomum para celebrar uma coligação, mas este não é um cenário totalmente insólito na Nova Zelândia, onde as coligações são regra desse 1990.

Assim que chegou ao poder, Jacinda Ardern apostou em políticas que facilitassem o acesso à educação, como a gratuitidade do primeiro ano de ensino superior. Como medida de compromisso, e acedendo à vontade do parceiro de coligação, anunciou também a intenção de suspender a venda de casas a estrangeiros.

Apesar disso, Ardern sempre adoptou uma postura de aceitação de imigrantes – contrastando com a outros líderes, como Donald Trump, que fez da promessa de construção de um muro com o México uma das bases da sua campanha. E salientou isso desde ataque de sexta-feira: “Já disse muitas vezes que somos uma nação composta por 200 etnias, 160 línguas”.

A reputação progressista não se fica pelas questões de imigração. A primeira-ministra também apoia os direitos LGBT e é a favor da descriminalização da cannabis.

Maternidade: o elefante na sala

Foi a primeira líder mundial, em quase 30 anos, a engravidar e dar à luz enquanto estava no poder. Mas antes de anunciar que iria ser mãe, a incompatibilidade da maternidade com o cargo de primeira-ministra, líder partidária e deputada surgia como uma questão fracturante.

Ardern foi questionada duas vezes de seguida sobre os seus planos de maternidade, sendo que a primeira questão surgiu apenas sete horas depois de ter sido eleita líder do Partido Trabalhista.

Numa dessas vezes, numa entrevista para uma estação de rádio, o locutor, Mark Richardson, disse que os neozelandeses tinham “o direito de saber” se existia a possibilidade de a potencial futura primeira-ministra tirar uma licença de maternidade. “Se for o patrão de uma empresa, precisa de saber esse tipo de coisas acerca da mulher que estou a empregar. É aceitável que um primeiro-ministro tire licença de maternidade quando está em funções?”, questionou o locutor.

E a reposta acabaria por ficar célebre: “É uma decisão das mulheres e não deve predeterminar se recebem ou não oportunidades de trabalho”. disse. 

Quando anunciou que iria ser mãe, em 2018, esclareceu de imediato que iria ser “primeira-ministra e mãe” e que seria o seu namorado, Clarke Gayford, apresentador televisivo de um programa de pesca, quem ficaria em casa com o bebé. "Não sou a primeira mulher a trabalhar e a ter um bebé. Sei que estas são circunstâncias especiais, mas irão existir muitas mais mulheres a fazê-lo e muitas já o fizeram antes de mim”, disse na época.

Mas nem quando ficou grávida as perguntas incómodas cessaram. Numa grande entrevista, dada depois do anúncio, o jornalista preferiu descurar as perguntas centradas na política e focou-se apenas na sua vida pessoal e na gravidez – perguntando, até qual foi o momento da concepção do bebé.

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Pouco depois do nascimento da filha Neve, Jacinda levou-a a reunião da assembleia geral nas Nações Unidas. Foi a primeira líder a levar uma criança para a sede das Nações Unidas, em Setembro de 2018, e as imagens de mãe e filha percorreram o mundo. Em declarações à CNN depois da sua intervenção na reunião, Ardern admitiu que queria “normalizar” a ideia de que há mães trabalhadoras e descreveu a Nova Zelândia como sendo “incrivelmente progressiva”.