Posso ser indemnizado pelo cancelamento de um voo no 737 Max?
Sete perguntas e sete respostas sobre as consequências da suspensão do modelo mais vendido pela Boeing, proibido de voar em 56 países.
É pouco provável que a interdição do 737 Max, depois de dois acidentes mortais em cinco meses, liquide a Boeing – ainda que possa vir a custar metade do lucro registado em 2018. A interdição total de um modelo de aviões é um acontecimento raro. Aconteceu com o DC-10 (1979) e com o 787 Dreamliner (2013). E levanta inúmeras questões. Tentamos responder a algumas delas.
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É pouco provável que a interdição do 737 Max, depois de dois acidentes mortais em cinco meses, liquide a Boeing – ainda que possa vir a custar metade do lucro registado em 2018. A interdição total de um modelo de aviões é um acontecimento raro. Aconteceu com o DC-10 (1979) e com o 787 Dreamliner (2013). E levanta inúmeras questões. Tentamos responder a algumas delas.
1. Em quantos países vigora a proibição de voo dos 737 Max?
Entre a proibição total do espaço aéreo, como na Europa, EUA ou Canadá, e a suspensão de voos decretadas unilateralmente por transportadoras, este modelo deixou de voar em 56 países, até ao momento.
2. Quanto tempo vai durar a interdição?
É impossível de saber. Para já aguarda-se pelos resultados da investigação ao acidente de domingo na Etiópia. O primeiro relatório poderá sair nos próximos dias, mas numa versão muito preliminar. O último modelo a ser suspenso, o Boeing 787 Dreamliner, esteve três meses proibido, entre Janeiro e Abril de 2013.
3. O meu voo foi cancelado? Tenho direito a uma indemnização?
Paulo Moura Marques, advogado da AAMM, especialista em Direito Público e Direito Aéreo, e também piloto, diz que pode haver lugar a indemnização. Mas Lukas Rasciauskas, formado em Direito e CEO de uma empresa que promete ajudar passageiros com pedidos de indemnização, considera que não.
Em primeiro lugar, tudo depende de onde está o passageiro que sofreu (ou vai sofrer) com a interdição dos Max 8 e Max 9. Isto porque as regras não são iguais em todo o mundo. Por isso, limitamo-nos às regras do Regulamento CE 261/2004. Este diploma aplica-se “aos que partem de um aeroporto num Estado-membro [da UE]” e “aos que partem de um aeroporto situado num país terceiro com destino a um aeroporto num Estado-membro, sempre que o voo for operado por uma transportadora comunitária”.
“Geralmente, uma questão técnica que resulta em voos cancelados, ou atrasos no voo, é considerada responsabilidade da companhia aérea, uma vez que é uma falha na manutenção. No entanto, o encerramento do Espaço Aéreo Europeu ao Boeing 737 MAX, é inerente às falhas no design do avião. Isso significa que um passageiro não pode reivindicar compensação de voo cancelada”, diz Lukas Rasciauskas num email enviado ao PÚBLICO, advertindo que, ainda assim, “as companhias continuam a ser responsáveis pelo bem-estar do passageiro”.
Esta conclusão baseia-se na alínea 3 do artigo 5.º do regulamento da UE: “A transportadora aérea não é obrigada a pagar uma indemnização (...) se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ser evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.” Ou seja, a interdição seria, nesta perspectiva, uma “circunstância extraordinária”.
Porém, o advogado Paulo Moura Marques, da sociedade AAMM, de Lisboa, discorda dessa leitura, salientando que a ideia de exclusão de responsabilidade não terá sido “desenhada para casos como este”. E conclui que pode haver direito a indemnização. “Imaginemos que eu contrato um táxi e que, a meio da corrida, este é imobilizado na berma, com o proprietário ou condutor a argumentar que há um problema de fábrica ou de design no veículo. Ora, o passageiro não pode ser deixado ali”, exemplifica.
Uma solução será encontrar outro táxi. E é isso que as companhias se apressaram a fazer: encontrar aeronaves substitutas até que se apure se o 727 Max é ou não seguro. Se a companhia assegurar um avião, não há direito a indemnização, dado que a legislação “só dá direito ao cliente a escolher o tipo de aeronave em situações muito específicas”, como o private taxi, explica Paulo Marques. Caso o voo tenha sido cancelado, aplica-se o regulamento da UE.
4. Ainda há risco de cancelamento de voos?
Sim e é grande. Construir um avião custa muito dinheiro e leva tempo. Tirar mais de 300 aviões do ar não dá grande margem de manobra. Isto porque, como explica Paulo Marques, não há aviões suficientes para, de um momento para o outro, encontrar avião alternativo. “Há falta de pilotos e há falta de aeronaves. É de esperar um efeito de onda, uma espécie de contágio, que não deve esgotar-se agora”, adverte este especialista em Direito Aéreo.
5. O meu voo foi cancelado. A quem devo dirigir-me?
Em primeiro lugar, à companhia contratada. Há serviços públicos de apoio que podem ajudar. Mais informação europeia aqui. O regulador português, a ANAC, tem uma página de apoio, tal como a Deco. Também há serviços privados, mas esses são pagos.
6. Quem é responsável pela indemnização?
De novo, a companhia aérea contratada. Esta, por sua vez, poderá pedir ao fabricante para ser ressarcida, se se vier a provar que existiam problemas de fabrico nos aviões.
7. Qual o valor do prejuízo decorrente desta situação?
É um número impossível de definir, dada a quantidade de variáveis em jogo. Neste momento, perde a Boeing, perdem todas as companhias aéreas que iriam fazer voos com um 737 Max, perderam as famílias dos mortos bem como as transportadoras cujos aviões caíram, e perderam os investidores que tenham vendido as acções da Boeing nesta semana em que a cotação desvalorizou 9% a 10% (menos 20 dólares por acção). Se se provar que há defeitos imputáveis à Boeing, o maior exportador dos EUA terá de reparar os aviões entregues e alterar a produção, incorre no risco de perda de encomendas e pode enfrentar pedidos de indemnizações de clientes, por prejuízos operacionais. Nestes prejuízos entrariam contratação de aparelhos junto de brokers, que teriam o poder de elevar o preço, devido ao aumento da procura. Mas as companhias não poderão reflectir esse acréscimo no preço a pagar pelo passageiro.
Duas consultoras citadas pela CNN apontam números entre mil milhões e 5000 milhões de dólares, para uma proibição de voo de três meses. A ser assim até parece uma ninharia (um a cinco por cento das receitas da Boeing em 2018), mas sempre seriam 10% a 50% dos lucros do fabricante em 2018.
O preço unitário de um 737 Max 8 ronda os 120 milhões de dólares, segundo dados de mercado divulgados em Janeiro. O preço real varia e será bastante mais baixo. Isto porque, como explica Paulo Marques, muitos aviões pertencem a sociedades financeiras, e não às transportadoras, e são comprados em lotes. A encomenda de grandes quantidades permite baixar muito o preço.
Segundo as contas de 2018 da empresa (PDF aqui), as 262 encomendas líquidas do último trimestre (para todos os modelos de aviação civil), valem 16 mil milhões de dólares. Isso dá um preço médio de 62 milhões por encomenda. Ora, o modelo mais barato, a preços de mercado, é o 737-700 (custa 89,1 milhões). Como a maioria das encomendas novas são do 737 Max, é fácil de concluir que o preço médio efectivo deste modelo fica bem longe dos 120 milhões.
A Boeing tinha mais de 5000 encomendas do 737 Max, das quais cerca de 370 já satisfeitas. Era uma carteira de 600 mil milhões de dólares, segundo a Bloomberg (seis vezes a facturação total da Boeing em 2018). Clientes da Indonésia, do Vietname, do Médio Oriente e de África anunciaram que vão reavaliar as encomendas.