A importância da sexualidade no bem-estar e qualidade de vida

Embora seja difícil de distinguir qual a causa e qual o efeito, a verdade é que ter uma boa saúde sexual é um indicador importante da própria saúde geral e não meramente o seu efeito.

Iniciamos este ciclo de crónicas regulares dedicados a temas de sexualidade com uma primeira abordagem sobre a importância da sexualidade e da saúde sexual no bem-estar e na qualidade de vida das pessoas.

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Iniciamos este ciclo de crónicas regulares dedicados a temas de sexualidade com uma primeira abordagem sobre a importância da sexualidade e da saúde sexual no bem-estar e na qualidade de vida das pessoas.

Sexualidade e saúde sexual — os conceitos

A Organização Mundial de Saúde define sexualidade como “um aspecto central do ser humano ao longo da vida incluindo sexo, identidades de género e papéis, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução” (OMS Technical Consultation on Sexual Health, 2006). Este conceito pluridimensional está muito longe de uma visão restritiva da sexualidade enquanto actividade sexual propriamente dita e, mais longe ainda, do reducionismo infelizmente ainda muito presente que faz equivaler sexualidade ao coito vaginal. A este propósito é sempre bom recordar a defesa jurídica de do antigo Presidente do EUA Bill Clinton relativamente às acusações de ter mentido em tribunal quando afirmou: “Não tive sexo com aquela mulher” (sexo coital entenda-se, segundo a definição jurídica de então). Esta ideia de sexo = coito constitui ainda hoje um mito central fortemente presente e infelizmente transversal a muitas sociedades, diferentes géneros e orientações sexuais.

Um outro conceito fundamental é o de saúde sexual definida pela OMS como “um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social relacionado com a sexualidade; e não meramente a ausência de doença, disfunção ou enfermidade” (2006). Esta visão de saúde sexual pela positiva e não apenas pela ausência de problemas valoriza a expressão da sexualidade como um elemento central do bem-estar e qualidade de vida que todos têm o direito de perseguir.

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Greg Elms/Lonely Planet Images/Getty Images

O que dizem os estudos — saúde sexual, saúde geral e qualidade de vida

Existe hoje cada vez mais investigação sobre vários aspectos da sexualidade e saúde sexual e a sua relação com a saúde em geral e com o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. Os estudos são unânimes ao indicar que as pessoas que manifestam maior satisfação com a sua vida sexual (e relatam menos problemas e dificuldades sexuais) habitualmente apresentam melhores níveis de saúde física (menos doenças crónicas, diabetes, cardiovasculares, etc.) e de saúde mental (menos depressão e ansiedade). Esta associação positiva reforça a ideia da saúde sexual como uma componente importante do próprio conceito de saúde global. Embora seja difícil de distinguir qual a causa e qual o efeito, a verdade é que ter uma boa saúde sexual é um indicador importante da própria saúde geral e não meramente o seu efeito. Nesse sentido, promover a saúde física e mental passa também em grande medida por promover a saúde e bem-estar sexuais.

Para além das dimensões de saúde, os estudos também indicam que o bem-estar sexual está fortemente associado ao bem-estar global e à satisfação com a vida, reforçando a ideia de que investir na promoção da saúde sexual e no bem-estar sexual em termos globais e também individuais é importante para a qualidade de vida das pessoas.

A saúde sexual como um direito

O conceito de saúde sexual está também intimamente associado à ideia de direitos sexuais. Para a OMS, “a saúde sexual requer uma abordagem positiva face à sexualidade e à possibilidade de ter experiências sexuais seguras e prazerosas, livres de coerção, discriminação e violência”, acrescentando que “para a saúde sexual ser alcançada, os direitos sexuais de todas as pessoas devem ser respeitados e protegidos”. (2006)

Nessa linha a Associação Mundial de Saúde Sexual desenvolveu uma declaração de Direitos Sexuais (WAS, 2014) enfatizando a ideia de que estes são essenciais para a manifestação plena da saúde sexual e são baseados nos direitos humanos universais. Entre eles destacam-se:

  • A igualdade e não discriminação são fundamentais para a protecção e promoção de todos os direitos humanos incluindo os direitos sexuais (a orientação sexual, identidade de género, expressões de género e características físicas de cada indivíduo requerem protecção).
  • Todos os tipos de violência, perseguição, discriminação, exclusão e estigma, com base na sexualidade são violações dos direitos humanos.
  • O direito à autonomia e integridade corporal (incluindo comportamentos sexuais, práticas, parceiros e relacionamentos, desde que respeitados os direitos dos outros)
  • O direito à privacidade relacionada com a vida sexual e escolhas pessoais.
  • O direito de acesso à educação sexual baseada na evidência científica.
  • O direito de constituir, formalizar e dissolver casamento ou outros relacionamentos baseados na igualdade, com consentimento livre e absoluto.
  • O direito a decidir sobre ter filhos, o seu número e o espaço de tempo entre eles.
  • O direito à liberdade de pensamento e de expressão plena da sua própria sexualidade, incluindo o direito ao prazer sexual.

Apesar do avanço positivo em diversos aspectos relacionados com a saúde e os direitos sexuais nos últimos anos, continuam a existir desafios significativos e ameaças de retrocesso à escala global e mesmo nacional (de que é exemplo recente o mediático caso das sentenças do juiz Neto de Moura). Espero que este pequeno texto possa contribuir para chamar a atenção para necessidade de pensarmos na sexualidade como uma dimensão central da saúde e do bem-estar e como um direito fundamental à semelhança dos restantes direitos humanos.