Na Capital Europeia da Cultura do futuro, as pessoas importam mais que a programação
Portugal voltará a ter uma capital da cultura em 2027 e há já várias cidades na corrida para recebê-la.
“A participação dos cidadãos passou a ser mais valorizada e é absolutamente fundamental” nos critérios de avaliação, introduz Jean-François Chougnet, que esteve à frente do projecto Marselha-Provença, Capital Europeia da Cultura em 2013, depois de ter passado pela direcção do Museu Berardo, entre 2007 e 2011.
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“A participação dos cidadãos passou a ser mais valorizada e é absolutamente fundamental” nos critérios de avaliação, introduz Jean-François Chougnet, que esteve à frente do projecto Marselha-Provença, Capital Europeia da Cultura em 2013, depois de ter passado pela direcção do Museu Berardo, entre 2007 e 2011.
O conceito de Capital Europeia da Cultura evoluiu desde a primeira edição de 1985, em Atenas, explica, passando por uma fase de “clandestinidade, de mega-festival e, depois, para uma opção mais híbrida”, que conjuga a cultura com urbanismo e com o aspecto social. É nesta última fase em que estamos, explica Chougnet, que actualmente dirige o Museu das Civilizações da Europa e do Mediterrâneo (MuCEM), estrutura implantada numa antiga zona portuária de Marselha cuja requalificação é uma herança da Capital Europeia da Cultura de 2013, num processo semelhante ao que a Expo 98 fez ao Parque das Nações. Nas últimas indicações do júri que escolhe os projectos de Capital Europeia da Cultura, “há um papel fulcral dessa lógica, da participação dos habitantes, mais do que a programação cultural em si”, acrescenta.
O responsável falou com o PÚBLICO à margem da conferência FOR1C, organizada pelo Grupo de Trabalho Coimbra 2027, uma das cidades que quer acolher a Capital Europeia da Cultura na próxima década. Depois de Lisboa em 1994, Porto em 2001 e Guimarães em 2012, uma cidade portuguesa voltará a ser Capital Europeia da Cultura em 2027, ano em que uma cidade letã também receberá esse título.
O encontro que decorreu no sábado, no Convento São Francisco, em Coimbra, tinha como mote “Uma Capital Europeia da Cultura no século XXI” e, na informação disponibilizada aos jornalistas, a organização referia que foram igualmente convidadas as equipas responsáveis pelas candidaturas das cidades que já anunciaram a entrada na corrida, como Aveiro, Braga, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Oeiras e Ponta Delgada, para se juntarem ao debate. No entanto, a organização da iniciativa não foi puramente altruísta, com o folheto informativo a abrir com a declaração de interesses: “Coimbra quer ser Capital Europeia da Cultura em 2027.” Nos cinco painéis ao longo do dia, os oradores procuraram fazer uma análise das potencialidades e fragilidades de uma eventual candidatura, referindo-se por diversas vezes a Coimbra, aos projectos artísticos já activos na cidade e ao seu património material e imaterial.
Proximidade aos cidadãos
O director artístico de Bruxelas 2000, Hugo de Greef, também esteve em Coimbra para a conferência e assinalou igualmente a “proximidade aos cidadãos” como uma das características principais que uma iniciativa do género deve ter. O programador artístico que esteve envolvido no projecto de Bruges, quando a cidade belga foi Capital Europeia da Cultura, em 2002, afirma ao PÚBLICO que as capitais europeias são oportunidades para que “os cidadãos sejam parte de um projecto de cultura no contexto europeu”.
De Greef deixa um aviso sobre a corrida ao título de Capital Europeia da Cultura: é importante que a cidade “perceba o valor da energia e das dinâmicas” culturais criadas no processo de candidatura e que estas características não se percam se o projecto não for seleccionado.
Chougnet identifica outras questões problemáticas nas candidaturas. “Toda a gente tem consultores e sabe viajar”, refere, acrescentando que uma fórmula potencialmente vencedora sabe que tem de referir que “é bom trabalhar com os subúrbios, que vai haver uma festa de abertura e um blockbuster no Verão para atrair os turistas”. Daí que possa haver uma “perda de originalidade nesse processo” e que a questão mais complexa seja “conseguir ter uma narrativa”. Uma Capital Europeia da Cultura não deve ser “um festival cultural”, sublinha, mas um evento que conjugue as dimensões culturais, sociais e geopolíticas.