As amêndoas que cantam em Torre de Moncorvo
Dina Morais faz as as amêndoas cobertas cantarem. É a arte das "cobrideiras".
A igreja (matriz) de Torre de Moncorvo é inesperada numa vila tão pequena: um maciço de granito que o tempo suavizou com tonalidades douradas. É à praça que a acolhe que todos os caminhos dos visitantes vão dar e é aqui que Dina Morais faz as amêndoas cantarem. “Tem de se ouvir lá fora”, diz, enquanto mexe as amêndoas numa bacia de cobre.
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A igreja (matriz) de Torre de Moncorvo é inesperada numa vila tão pequena: um maciço de granito que o tempo suavizou com tonalidades douradas. É à praça que a acolhe que todos os caminhos dos visitantes vão dar e é aqui que Dina Morais faz as amêndoas cantarem. “Tem de se ouvir lá fora”, diz, enquanto mexe as amêndoas numa bacia de cobre.
Já colocou os dedais (em todos os dedos menos nos polegares) e, com uma colher, regou as amêndoas com calda de açúcar em ponto de pérola – “20 quilos de açúcar, 20 litros de água, uma hora a ferver”, descreve, “e uma mulher para ela não fugir”, brinca.
Estas que está a trabalhar até já têm uma carapaça branca, cheia de bicos indisciplinados, resultado de alguns dias de ritual rigoroso: quatro horas de manhã, quatro à tarde. É assim durante oito dias, quando “nascem” as amêndoas cobertas de Torre de Moncorvo, que no ano passado foram incluídas na lista de produtos com Indicação Geográfica Protegida pela Comissão Europeia.
Chamam “cobrideiras” às mulheres que as fazem. Já foram mais (“há cem anos era porta sim porta sim a produzir amêndoas”), já foram menos, contudo a Arte, Sabor e Douro da Dina é a única casa que ficou certificada, nota o marido, Joaquim Morais. Assim, continua, há mais casas a produzir, mas não podem ter a denominação “Amêndoa Coberta de Moncorvo”.
“As pessoas não quiseram gastar dinheiro para cumprir o caderno de especificações”, explica o também o grão-mestre da Confraria da Amêndoa Coberta de Torre de Moncorvo, que avançou com o processo de certificação de um produto que, compara, “está para Moncorvo como o pastel de Belém está para Lisboa”.
“Hoje em Moncorvo a minha amêndoa é rainha”, assume, sem pudores, Dina. Chama-lhe, aliás, “diamante”: começa como amêndoa torrada (aqui na casa) e sai como diamante, coberta de açúcar como que cristalizado.
Dina aprendeu a fazê-las depois de 25 anos a trabalhar na EDP: foi há 19 anos, com uma “cobrideira” de mais de 80 anos que lhe ensinou tudo. Na mesma altura, abriu a loja de produtos regionais (queijos, chouriços, alheiras, azeitonas e azeite, compotas, incluindo abóbora com amêndoa, frutos secos, vinhos), que quando não tem amêndoa é “como um jardim sem flores”, diz.
As mãos mergulham nas amêndoas, erguem-nas, dão-lhe voltas quase como se fossem extremidades de uma meada de malha invisível em dança para se tornar novelo. Pelo meio, mostra-nos Dina, há “pedras” mais pequenas, com as mesmas formas, mas apenas de açúcar (“que fica no fundo e vai crescendo”) – são os “confeitos”, populares para casamentos. Todos caem com um estrondo no recipiente que “tem de ser de cobre” e está assente sobre uma talha de barro, onde está uma resistência como fonte calor.
Agora que a Páscoa se aproxima, fazem-se amêndoas cobertas todos os dias, mas esta é uma especialidade para todo o ano – no Verão, para os emigrantes, sempre, para os moncorvenses espalhados pelo país, “os melhores clientes”.