Para salvar o planeta, as faltas às aulas são mais do que justificadas
Eles avisaram que iam faltar às aulas para gritar pelo clima — e assim foi. Esta sexta-feira, 15 de Março, em Lisboa e no Porto, milhares de estudantes sublinharam que “Não há planeta B”.
“Bom dia, Lisboa! É para fazer barulho”. No Largo Camões, paredes meias com o Chiado e o Bairro Alto, combatem-se as alterações climáticas ao som de palavras de ordem. Nesta sexta-feira, 15 de Março, as greves estudantis marcadas por todo o mundo ecoam nas redes sociais — e, em Portugal, o cenário não é diferente. “Que livros vamos ler aos nossos filhos?”, lê-se num dos cartazes que povoam a praça da capital. A resposta está logo ali abaixo, à vista de todos, como um murro no estômago: “Anita e a pegada de carbono”.
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“Bom dia, Lisboa! É para fazer barulho”. No Largo Camões, paredes meias com o Chiado e o Bairro Alto, combatem-se as alterações climáticas ao som de palavras de ordem. Nesta sexta-feira, 15 de Março, as greves estudantis marcadas por todo o mundo ecoam nas redes sociais — e, em Portugal, o cenário não é diferente. “Que livros vamos ler aos nossos filhos?”, lê-se num dos cartazes que povoam a praça da capital. A resposta está logo ali abaixo, à vista de todos, como um murro no estômago: “Anita e a pegada de carbono”.
Aleksandra Berg, 42 anos, é polaca, mas está radicada em Portugal há vários anos. Entre o barulho ensurdecedor dos megafones e os cânticos organizados pelos estudantes, vai tentando contar a sua história: “Nasci na floresta e aprendi a amar a natureza.” Esse amor pelo mundo que a rodeia foi incutido aos filhos de seis e 14 anos, que a acompanham na manifestação que daí a instantes partiria em direcção à Assembleia da República. Dunia, a filha mais velha, sempre foi “sensível a esta questão”. E quando ouviu falar da greve pensou “Uau! Nós, os jovens, conseguimos fazer as coisas acontecer”. A presença na marcha partiu dos filhos e não de Aleksandra e isso, na opinião da mãe, revela a força que estes jovens têm.
Duarte Fortuna, Vasco Cruz e Gonçalo Januário comprovam a simbiose que une estudantes universitários e alunos do secundário ou ensino básico. Duarte estuda Direito, mas nem por isso deixa de estar presente na marcha com Gonçalo, estudante do curso de Turismo e Ambiente, ainda no 12.º ano.
Entre eles, a conversa vai animada, mas séria, como se ali se discutisse o futuro de todos nós. Duarte fala com eloquência. “Não temos que ter facções políticas. O nosso partido é o ambiente”, atira o estudante de 20 anos. A verdade é que estes jovens sabem o que querem. Melhor do que muitos pensam. Gonçalo, de 19, é parco nas palavras, mas peremptório naquilo que considera mais importante: agir. “Olha aqui isto”, diz, ao segurar uma caixa que adaptou para usar como cinzeiro portátil. “Pegas numa caixinha e já está. São as pequenas coisas”, acrescenta. Para breve, Gonçalo quer dedicar-se a um projecto na área ambiental. A ideia é “desenvolver um cinzeiro portátil que não deixe passar o cheiro das beatas”.
Mariana Riscado, Maria Margato, Maria Clara e Constança Henriques faltaram às aulas da Escola Filipa de Lencastre, em Lisboa, para estarem presentes na marcha. As adolescentes de 14 anos estão conscientes do que se passa no mundo. As alunas do 9.º ano, usam palavras fortes para descrever o que se está a passar no sítio onde habitam. “Em vez de sermos egoístas, temos de abrir os olhos”, resumem. “Os professores acharam que estávamos simplesmente a faltar às aulas”, diz. Mas, para estas jovens, foi muito mais do que isso: foi uma forma de dizerem que podem contribuir para uma mudança tão urgente.
Na Assembleia, a multidão perde-se de vista. Emanuel Gouveia, 25 anos, juntou-se à manifestação por considerar que seria “inevitável não estar cá”. O jovem que faz parte da Route, uma associação de cariz ambiental criada no Brasil, em 2011, debruça-se para apanhar o lixo que vai encontrando na rua, à medida que caminha em direcção a São Bento. Ana Masiello e Petra Viebrantz fazem-no com ele. “É uma das manifestações mais bonitas que já vi”, diz Emanuel, de rosto aberto.
Catarina Martins, dirigente do Bloco de Esquerda, quis mostrar o seu apoio aos jovens, apesar de estes se demarcarem de qualquer ligação política. Desceu as escadarias da Assembleia e falou aos jornalistas presentes, na companhia de André Silva, líder do PAN.
A organização fala em cerca de três mil manifestantes nas ruas, apesar de a PSP apontar para cerca de cinco mil pessoas envolvidas na concentração desta sexta-feira. Mas não só de alunos se faz a marcha contra as alterações climáticas, que aconteceu em paralelo em mais 112 países. Isabel Preto, de 51 anos, é professora de Educação Visual na Escola Lindley Cintra, no Lumiar, e decidiu aderir à marcha com alguns dos seus alunos. “Acho extremamente importante que, através da participação activa dos alunos, se promova uma efectiva mudança a nível das futuras gerações”, explica a professora, enquanto um dos seus alunos a interpela para dizer que têm de regressar à escola. Para estarem presentes, “faltaram a um teste de História e a uma aula de matemática”, mas isso não importa. “Se tiverem falta, será justificada”, remata a professora.
“Ó senhor ministro, explique, por favor, por que é que no Inverno ainda faz calor?”, questionam os manifestantes. Para Matilde Alvim, de 17 anos, uma das organizadores da marcha em Lisboa, esta sexta-feira os alunos “fizeram greve à escola para mostrarem que estão atentos”. “Sabemos perfeitamente o que fazer para evitar o aquecimento global”, afirmou através de um dos microfones. “Os adultos estão com os jovens”, disse uma activista, congratulando os mais novos: “Vocês têm muito poder.”
“Faltámos a História para fazer História”
“O lucro é mais poluente do que toda esta gente.” O grito de guerra fazia-se acompanhar de cartazes que, apesar das cores, traziam mensagens pouco coloridas. Eram 10h30 e em frente à Câmara Municipal do Porto já se iam juntando dezenas de jovens que faltaram às aulas para gritar pelo clima. Números que viriam a crescer: “Acreditamos que em concentração tenham estado cerca de 500 pessoas”, refere David Amorim, um dos responsáveis pelo movimento no Porto, que ainda assim acredita que pelo local terão passado perto de duas mil pessoas.
“Faltámos a História para fazer História”, afirma Joana Ferreira, de 17 anos. Com ela estão dois colegas do Colégio Internato dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia. É preciso uma “mudança radical”, acreditam: “Reduzir o uso de plástico, usar energias alternativas e investir menos nos bancos e mais no ambiente.”
Com megafones, tambores, bandeiras e cartazes, centenas de jovens de todas as idades protestaram, durante mais de duas horas e meia, contra a inacção governamental: “Respeitem a existência ou esperem resistência”, lia-se num dos placares erguidos. Nas extremidades da Praça do General Humberto Delgado, os adultos assistiam, curiosos.
Entre eles estava um grupo de professores da Escola de Segunda Oportunidade, em Matosinhos, que, longe dos megafones, observava os alunos que acompanhavam: eles vestem t-shirts pretas, os alunos trazem máscaras. “É muito simples. Nós queremos um futuro onde os nossos filhos e os filhos dos nossos alunos não precisem de andar com uma máscara”, explica André Eiras, mediador juvenil. Por isso, todos vão ter falta, professores e alunos. Um “mal menor”, porque “valores mais altos se levantam”.
Não são os únicos. Apesar da “falta injustificável”, Joana Pinho e Ana Silva, alunas da escola Dr. Manuel Laranjeiro, em Espinho, escolheram “pôr a teoria em prática”, num protesto que, acreditam, vai “causar mossa”. Também Helena Surwillo, americana de 13 anos, que veio para Portugal durante um ano estudar francês no Lycée Français International de Porto, saiu sozinha à rua para mostrar indignação: “Os adultos fizeram coisas más e agora toca à nossa geração mudar isso”, refere. E a mãe apoia: “A minha mãe diz que uma greve é mais importante do que as aulas.”
Ana Salcedo, activista da organização Zero Waste Lab, acredita que “já evoluímos muito” no que toca a preocupações ambientais, mas “é preciso mais”. Com ela carrega um “beatão”, um cinzeiro gigante onde vai colocando as beatas que apanha no chão. Na semana passada, esteve no Porto e numa hora recolheu 30 mil beatas. “A beata é simbólica de tudo o que se tem de mudar”, refere. O Acordo de Paris, por exemplo “devia ser mais concreto, exigente e não voluntário”, atira.
A manifestação foi reproduzida por todo o país, com milhares de jovens a faltar às aulas. O que, de acordo com Filinto Lima, líder da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, e Jorge Ascenção, presidente da Confederação das Associações de Pais (Confap), não alterou o funcionamento das escolas. “As escolas funcionaram normalmente. Havia turmas que seguramente tinham menos alunos, mas não houve qualquer tipo de embaraço”, referiu Filinto Lima, que louvou a atitude dos jovens “colocarem na agenda mediática e política a questão ambiental”. O presidente da Confap afirma que a greve “não se notou”: “Houve, de facto, alguns jovens que optaram por fazer essa acção, mas não teve impacto naquilo que é o normal funcionamento da escola.”
Já passava das 13h quando os manifestantes começaram a pousar os cartazes e os instrumentos e a silenciar as palavras de ordem. Bárbara Pereira, uma das organizadoras do movimento no Porto, admite estar “extremamente orgulhosa” da adesão dos jovens portugueses ao movimento. Joana Cavalheiro, que pertence à organização do movimento Fridays For Future em Portugal, adianta que a próxima greve mundial está marcada para 21 de Maio. “Até à próxima”, grita Bárbara ao megafone.