Turbinas eólicas “roubam” habitat a aves planadoras

Parques eólicos estão localizados em espaços que oferecem as condições necessárias ao voo planado das aves. No entanto, as aves planadoras não conseguem utilizar estes locais o que se traduz numa perda de habitat de cerca de 700 metros à volta de cada turbina.

Foto
Grupo de migração de milhafres-pretos (Milvus migrans) Alejandro Onrubia

Os parques eólicos espalhados por todo o mundo parecem não ser uma fonte de energia completamente “verde”. Um novo estudo, coordenado pela investigadora Ana Teresa Marques, demonstra que há uma perda de espaço de voo para as aves planadoras nos cerca de 700 metros em redor das turbinas eólicas. A equipa internacional analisou o voo de 130 milhafres-pretos (Milvus migrans) e concluiu que, apesar das condições favoráveis ao voo planado, estes locais são agora evitados pelas aves. Esta perda de habitat pode vir a ter consequências negativas para a migração de várias espécies de aves planadoras.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Os parques eólicos espalhados por todo o mundo parecem não ser uma fonte de energia completamente “verde”. Um novo estudo, coordenado pela investigadora Ana Teresa Marques, demonstra que há uma perda de espaço de voo para as aves planadoras nos cerca de 700 metros em redor das turbinas eólicas. A equipa internacional analisou o voo de 130 milhafres-pretos (Milvus migrans) e concluiu que, apesar das condições favoráveis ao voo planado, estes locais são agora evitados pelas aves. Esta perda de habitat pode vir a ter consequências negativas para a migração de várias espécies de aves planadoras.

“No nosso estudo verificámos que os milhafres-pretos evitam a proximidade com os aerogeradores, algo que se verifica até aos 650 a 700 metros de raio dos mesmos. Isso significa que as aves deixam de poder usar essas áreas, o que se traduz numa perda de habitat”, explica ao PÚBLICO Ana Teresa Marques, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e autora principal do estudo publicado na revista científica Journal of Animal Ecology. Para acompanhar o voo destas aves migratórias os investigadores recorreram a equipamentos GPS de alta precisão que obtinham a localização a cada minuto de cada uma das aves.

“Para fazerem o voo planado as aves precisam de correntes de ar ascendentes que se formam em regiões com condições de terreno específicas e estão dependentes de factores climatéricos como a temperatura e o vento”, contextualiza a investigadora portuguesa. Muitas destas condições necessárias ao voo planado estão presentes nos locais onde existem parques eólicos. “As turbinas eólicas estão instaladas, frequentemente, ao longo de cadeias montanhosas para maximizar a exposição aos ventos horizontais. Ao mesmo tempo, estas áreas possuem correntes de ar ascendentes essenciais para as aves [planadoras]”, nota o artigo cientifico.

Foto
Milhafre-preto (Milvus migrans) Alejandro Onrubia

As aves planadoras (grous, cegonhas e aves de rapina diurnas) recorrem essencialmente ao voo planado para se deslocarem o que reduz eficazmente o gasto energético desta actividade. As correntes de ar térmicas lançam as condições favoráveis a este tipo de voo, mas diminuem no território marítimo o que obriga estas aves a realizarem as suas travessias evitando grandes extensões de água. Por isso, o estudo foi desenvolvido em Tarifa (Espanha), o lado espanhol do Estreito de Gibraltar, numa região que possui 160 turbinas distribuídas por sete parques eólicos.

O Estreito de Gibraltar​ – local com menor massa oceânica que separa Europa e África – todos os anos concentra a presença de várias espécies de aves planadoras, incluindo o milhafre-preto, durante as suas migrações com destino ao continente africano. O istmo de Suez (Egipto) ou o istmo de Tehuantepec (México) são outros locais importantes para a migração destas aves onde estão a ser construídos parques eólicos. Isto significa um risco de uma contínua perda de habitat para as aves planadoras. 

Foto
Tarifa, sul de Espanha, província de Cádiz Alejandro Onrubia

Já existiam estudos que alertavam para as mortes de aves e morcegos causadas pela colisão com as pás dos aerogeradores. Ainda assim, este estudo que acompanhou 130 milhafres-pretos – 72 adultos e 58 juvenis – entre 2012 e 2013 foi o primeiro a debruçar-se sobre a proporção de habitat de aves planadoras que foi perdido ou negativamente afectado pelos parques eólicos.

“Em situações extremas as aves podem ter de alterar as suas rotas de passagem preferenciais e eventualmente recorrer a voo batido, o que representa um maior dispêndio de energia para as aves”, alerta Ana Teresa Marques. Para além desta espécie, várias outras aves planadoras podem ser afectadas pelo mesmo problema. De acordo com a investigadora, a águia-calçada ou a águia-cobreira são alguns dos exemplos que também podem estar a sofrer uma perda de habitat. 

Então o que haverá a fazer para conseguir conciliar a produção de energia eólica – uma energia renovável fundamental para reduzir o impacto ambiental – e a conservação da vida selvagem? Ana Teresa Marques responde: “propomos que, em áreas muito relevantes para as aves planadoras, os parques eólicos evitem construir aerogeradores em locais onde tipicamente se formam correntes de ar ascendentes”.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas