Com Leonor Antunes a caminho de Veneza, ministra da Cultura quer combater “a invisibilidade das mulheres artistas”
Graça Fonseca prometeu esta quarta-feira, na apresentação oficial da representação portuguesa na Bienal de Veneza, que anunciará já no próximo mês acções concretas para corrigir a assimetria de género na arte portuguesa.
Falou-se muito de mulheres na conferência de imprensa de apresentação da representação oficial portuguesa na Bienal de Arte de Veneza, um dos eventos mais importantes no calendário da arte contemporânea, com inauguração marcada para 8 de Maio.
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Falou-se muito de mulheres na conferência de imprensa de apresentação da representação oficial portuguesa na Bienal de Arte de Veneza, um dos eventos mais importantes no calendário da arte contemporânea, com inauguração marcada para 8 de Maio.
Não só porque Leonor Antunes – a escultora que, por decisão do júri independente do concurso aberto pela Direcção-Geral das Artes (DGArtes), representará Portugal – é mulher, e vem desenvolvendo um trabalho que evoca muitas outras mulheres esquecidas pela história da arte, entre artistas, arquitectas e designers, mas porque a ministra da Cultura, Graça Fonseca, anunciou que o Governo prepara medidas para combater “a invisibilidade das mulheres artistas”, uma vez que “há uma subrepresentação de mulheres evidente”.
A ministra da Cultura começou por se congratular com o facto de o concurso ter resultado na escolha de uma mulher artista, sublinhando que nos últimos 20 anos, entre 16 artistas convidados, só quatro são mulheres (antes de Leonor Antunes, representaram Portugal em Veneza Helena Almeida, Ângela Ferreira e Joana Vasconcelos). “É um dos dados que importa sublinhar. Dá para perceber o evidente e o que tem sido a visibilidade ou invisibilidade das mulheres artistas”, disse a ministra esta manhã numa conferência de imprensa no Teatro Nacional de São Carlos, onde também estiveram presentes Leonor Antunes, o curador do pavilhão português em Veneza, João Ribas, e o novo director-geral das Artes, Américo Rodrigues. Se recuarmos até ao 25 de Abril, contabilizou Graça Fonseca, encontraremos apenas mais duas artistas portuguesas em Veneza, Ilda David e Ana Hatherly.
A ministra da Cultura defendeu que é preciso colocar essa questão no centro do debate sobre a arte e as políticas públicas. Para “corrigir as assimetrias por causa do género, não para afirmar o género”, precisou. “Esta é uma linha de acção política que vamos seguir com grande centralidade. Será uma prioridade ao longo dos próximos anos.”
Mais tarde, aos jornalistas, Graça Fonseca prometeu que as medidas concretas a desenvolver serão anunciadas brevemente: “Vou anunciar daqui a um mês. Há uma ideia que estamos a trabalhar em parceria com outras instituições. É um projecto próprio, específico, que se pode cruzar com outros programas, como o Plano Nacional das Artes [ligado à educação].”
Uma história de género
João Ribas começou por apresentar Leonor Antunes, que vive e trabalha em Berlim desde 2004, como “uma das mais importantes artistas da sua geração”, elencando as exposições que esta escultora tem feito nos últimos anos em importantes instituições internacionais de arte contemporânea, do HangarBicocca, em Milão (2018), até ao New Museum de Nova Iorque, em 2015, passando pela Whitechapel Gallery, em Londres (2017), e pelo Museu de Arte Moderna de São Francisco (SFOMMA), em 2016.
Na última Bienal de Veneza, Leonor Antunes, de 47 anos, foi a única artista portuguesa presente na exposição internacional, que, juntamente com as várias dezenas de pavilhões nacionais, compõe o evento – este ano não há nenhum artista português entre os 83 escolhidos pelo curador norte-americano Ralph Rugoff, director do centro de arte Hayward Gallery, em Londres, mas as mulheres estão em maioria.
Em Maio, o pavilhão português vai instalar-se no Palácio Giustinian Lolin, fora do recinto habitual da bienal, que se espalha pelos emblemáticos espaços do Arsenale e dos Giardini. A representação nacional representa uma intervenção orçada em 500 mil euros, dos quais apenas 200 mil vêm da Direcção-Geral das Artes e do Orçamento do Estado. O resto, explicou a artista, resulta dos apoios conseguidos pelas quatro galerias estrangeiras que a representam – Marian Goodman (Nova Iorque), Kurimanzutto (Cidade do México), Luisa Strina (São Paulo) e Air de Paris –, uma vez que Leonor Antunes não tem nenhuma galeria nacional.
Nesta exposição, que ocupará quatro espaços daquele palácio barroco situado perto da Accademia de Veneza, Leonor Antunes vai continuar a pesquisa já desenvolvida na exposição de Milão e na última Bienal de Veneza, em que trabalhou os legados dos arquitectos Carlo Scarpa, Franco Albini ou Franca Helg, “figuras muito importantes na construção do modernismo” e “na forma como colocaram os visitantes a olhar para os museus de uma forma completamente diferente”.
Desta vez, porém, Leonor Antunes convocará mais quatro mulheres: Egle Trincanato e Savini Masieri, uma arquitecta/historiadora da arquitectura e uma mecenas da arquitectura, respectivamente, ambas activas na Veneza do pós-guerra, a que se juntam a artista brasileira Lygia Clark, com as suas esculturas moles, e a historiadora de arte Brony Fer. É uma citação desta última sobre o trabalho de Leonor Antunes que é evocada no título da exposição – a seam, a surface, a hinge, or a knot ("uma costura, uma superfície, uma dobradiça e um nó"). “Interesso-me muito pela manualidade e pelo saber fazer”, disse Leonor Antunes, que nesta exposição tem a colaboração de vários artesãos: vidreiros e marceneiros de Veneza, e um correeiro lisboeta.
Com a contribuição da história da arte, da arquitectura e do design, “Leonor Antunes reflecte sobre as funções dos objectos do quotidiano, contemplando o seu potencial para se materializarem como esculturas abstractas”, explicou João Ribas na conferência de imprensa.
A exposição de Leonor Antunes em Veneza, prosseguiu o curador, reflecte sobre as encomendas que Savini Masieri fez a Carlo Scarpa e a Frank Lloyd Wright, focando nomeadamente o projecto fracassado do norte-americano para Veneza, bem como as reflexões que Egle Trincanato, a primeira arquitecta formada em Veneza, fez sobre a construção vernacular da cidade (Álvaro Siza também se referiu a ela como uma influência no projecto para a Giudecca). “Antunes está interessada [no modo] como as tradições artesanais de várias culturas se cruzam dentro desta história de género”, diz o texto incluído no dossier de imprensa e assinado pelo antigo director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto.
Voar no espaço
“Num espaço que não é muito propício para exposições de arte contemporânea”, explicou a artista, “porque é um palácio histórico e não se pode tocar em nada”, retiraram-se candelabros e cortinas e apearam-se grandes pinturas que fazem parte da decoração permanente. Embora seja cedo para falar das obras em si, porque ainda estão em produção, alguns dispositivos expositivos usados por Franco Albini e Franca Egle inspiraram Leonor Antunes a construir com peças em alumínio uma segunda pele nas salas do palácio, permitindo que as suas esculturas possam viver sem muito ruído. “Vamos gastar muito dinheiro a preparar o espaço para a exposição.”
À frente, estarão uma espécie de prumos em madeira que vão do chão ao tecto, agora retrabalhando o legado de Carlo Scarpa. Ali se agarrarão as esculturas feitas de materiais como borracha ou cabedal. “Jogamos muito com a verticalidade e a suspensão. As esculturas vão voar no espaço”, acrescentou a artista, que vê a exposição como um todo e não como um conjunto de instalações ou séries de esculturas divididas por salas. “É um projecto completamente site-specific. Dificilmente poderia mostrar esta instalação sem a rever.”
Falando depois de a ministra ter prometido novas políticas capazes de combaterem a desigualdade de género nas artes, Leonor Antunes lembrou que há 15 anos, quando se foi embora para Berlim, “era extremamente difícil ser artista mulher” em Portugal. A artista também fez questão de dizer que nunca teria aceitado representar Portugal em Veneza com um governo de direita: “É triste ver como alguns países estão a tornar-se regimes fascistas. Portugal vive uma situação fora do normal e temos um Governo fantástico.”
Este ano, ao contrário do que aconteceu na última Bienal de Arquitectura, Portugal vai ter de partilhar o Palácio Giustinian Lolin com a Bulgária. “Serão dois pavilhões instalados no mesmo palácio, mas em andares diferentes. Sendo isto um facto [consumado] quando cheguei à DGArtes, vamos procurar articular o funcionamento”, disse ao PÚBLICO Américo Rodrigues, que tomou posse recentemente, explicando que os dois países terão de partilhar a sinalética que anuncia as exposições.
Artigo alterado a 19/3/2019: corrige a nacionalidade de Ralph Rugoff