Observatório Judicial da Violência Doméstica e de Género não avançou
Novo observatório foi anunciado há um ano, mas o órgão de gestão e disciplina dos juízes descarta responsabilidades pelo atraso.
Em Fevereiro do ano passado, estava o país a mastigar a estupefacção gerada pela sentença em que o juiz desembargador Joaquim Neto de Moura invocava a Bíblia para censurar o comportamento de uma vítima de violência doméstica, baseado no facto de aquela ter cometido adultério, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) anunciou a criação de um Observatório Judicial da Violência Doméstica e de Género.
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Em Fevereiro do ano passado, estava o país a mastigar a estupefacção gerada pela sentença em que o juiz desembargador Joaquim Neto de Moura invocava a Bíblia para censurar o comportamento de uma vítima de violência doméstica, baseado no facto de aquela ter cometido adultério, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) anunciou a criação de um Observatório Judicial da Violência Doméstica e de Género.
O objectivo era claro e simples: examinar as decisões judiciais sobre estas matérias. Mais de um ano volvido, porém, e com Neto de Moura entretanto afastado da ponderação deste tipo de crimes, o observatório não chegou a avançar para lá das intenções.
Com base na análise que viesse a ser feita, competiria ao observatório propor mudanças na lei, na formação dos juízes e na administração da Justiça, mas, como adiantou esta segunda-feira a Rádio Renascença, este novo organismo, que deveria ser presidido pelo vice-presidente do CSM, Mário Belo Morgado, não teve qualquer avanço prático.
Ao PÚBLICO, o CSM adiantou que o convénio que visava a criação deste novo observatório foi aprovado a 6 de Fevereiro de 2018 e que os trabalhos de preparação chegaram a ser iniciados, sugerindo, porém, que os atrasos verificados serão da responsabilidade da secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade de Género. Na resposta escrita, o CSM alega ter sido informado de que, ainda durante este mês, “será realizada uma reunião de avaliação dos desenvolvimentos ocorridos”.
A criação deste observatório, ainda segundo o CSM, enquadrar-se-ia no V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género, competindo-lhe recolher as decisões judiciais finais, transitadas em julgado, analisando-as e identificando “as questões jurídicas que devam ser objecto preferencial de acções de formação”. Competir-lhe-ia ainda, entre outras tarefas, difundir entre a magistratura judicial “toda a informação de natureza jurídica relevante para a actualização de conhecimentos” na área da prevenção e combate deste tipo de crimes.
O PÚBLICO contactou a Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade de Género mas, até esta hora, não obteve qualquer explicação para este atraso.
Este novo observatório repetiria, de algum modo, os propósitos que presidiram à criação da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica. Coordenada pelo procurador jubilado Rui do Carmo, a equipa tem vindo, desde Janeiro de 2017, a apontar o que falhou em vários casos de homicídios cometidos em contexto de violência doméstica ou familiar, emitindo as respectivas recomendações, com o objectivo de evitar a repetição dos mesmos erros.
Mais recentemente, e num ano em que se contam já 12 pessoas mortas em contexto de violência doméstica, o Governo chamou Rui do Carmo a encabeçar uma nova comissão técnica multidisciplinar para a melhoria da prevenção e do combate à violência doméstica e de género. Caberá a esta equipa analisar as propostas para esta área, entre as quais a possibilidade de adopção de câmaras de vídeo pelas vítimas, bem como a criação de um manual de procedimentos para as primeiras 72 horas após a sinalização de um caso.