Oposição acusa segurança de Presidente da Guiné Equatorial de torturar activista
Joaquín Eló Ayeto, um informático de 39 anos, militante de um partido da oposição e activista dos direitos humanos, foi preso e torturado numa prisão de Malabo. Quem o torturou? Um braço direito do Presidente Obiang.
Doze dias depois de ter sido preso em sua casa, em Malabo, não há notícias de Joaquín Eló Ayeto, um informático militante de um partido da oposição da Guiné Equatorial. Nem a família, o partido ou os advogados sabem se está vivo ou morto.
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Doze dias depois de ter sido preso em sua casa, em Malabo, não há notícias de Joaquín Eló Ayeto, um informático militante de um partido da oposição da Guiné Equatorial. Nem a família, o partido ou os advogados sabem se está vivo ou morto.
Eram seis da manhã de 25 de Fevereiro quando um “esquadrão” tirou Ayeto, de 39 anos, da sua casa, no bairro El Paraíso, sem mandado de captura, e o levou para o Comissariado Central da Polícia da capital, conhecido como “Guantánamo”. Dois dias depois, às onze da noite, foi torturado.
“Levaram-no para o sótão da prisão e torturaram-no durante 30 minutos. Algemaram-no nas mãos e nos pés e puseram-no numa máquina onde penduram pessoas. A máquina tem a forma de um andaime. Bateram-lhe com uma catana como se bate num animal num matadouro. Queimaram-lhe as mãos com um ferro quente. Perguntaram-lhe repetidas vezes: ‘Onde está Guilhermo Nguema Ela?’”, contou ao PÚBLICO Mocache Massoko, director do Diário Rombre, um site de investigação da corrupção e violação dos direitos humanos na Guiné Equatorial, que funciona a partir de Espanha.
Nguema Ela foi duas vezes ministro do Presidente Teodoro Obiang Nguema — no poder há 40 anos —, mas em 1995 fundou a Força Democrática Republicana (FDR), partido que continua à espera de legalização. “O governo acusa Guilhermo Nguema Ela e o seu partido de terem um plano para assassinar o Presidente durante uma volta que ele está a fazer ao país”, continua o jornalista. “Não acusa outro partido. Apenas a FDR, que tem sobretudo pessoas de Mongomo, a aldeia natal do ditador. Perguntaram-lhe também há quanto tempo não via Guilhermo Nguema Ela. Ayeto respondeu que não tem nenhuma relação nem de amizade, nem profissional com Nguema Ela, apenas relações partidárias.”
Joaquín Eló Ayeto “foi torturado por Braulio Bacale Ondo, que é o director-geral adjunto da segurança presidencial de Obiang Nguema”, diz Massoko. Contactado pelo PÚBLICO, Andrés Esono Ondó, secretário-geral da Convergência para a Democracia Social (CPDS), o partido onde Ayeto é militante, confirma a informação: “Joaquín está incomunicável desde 1 de Março, quando foi transferido para a prisão ‘Black Beach’. Antes disso, ele conseguiu passar informação. Sabemos que foi Braulio Bacale Ondo quem o torturou.”
Um “papel fundamental”
Conhecido como “Paysa” (camponês), Joaquín Eló Ayeto é um dos opositores mais incómodos da Guiné Equatorial, “em particular por causa suas críticas às políticas sociais”, diz Massoko. “Dirige há anos a plataforma juvenil SOMOS+, fundada em Espanha por um grupo de activistas para envolver os jovens na vida política da Guiné Equatorial. A sua voz crítica, e sobretudo, a sua participação nas redes sociais, tornaram-no um dos principais inimigos do regime.”
Ana Lúcia Sá, socióloga do ISCTE que investiga regimes autoritários africanos, sublinha que Joaquín Eló Ayeto “é muito activo e tem um papel fundamental na transmissão de informações sobre o país para canais de difusão mais amplos”, denunciando a “repressão política e as condições sociais”.
A Amnistia Internacional publicou na última sexta-feira um alerta urgente, no qual diz que o “defensor dos direitos humanos” foi preso de forma arbitrária, sem culpa formada, e que foi “duas vezes torturado, pendurado pelas mãos e espancado”. A organização relata também que, quando foi levado a tribunal, o juiz “se recusou a olhar para os seus ferimentos e, em vez disso, disse-lhe que receberia tratamento na prisão” e transferiu-o para a Black Beach Prison. Desde então, os contactos com a família e os advogados deixaram de ser autorizados. No seu apelo, a Amnistia pede o envio de cartas ao ministro da Justiça da Guiné Equatorial, Salvador Ondo Ncumu.
Em Lisboa, contactada pelo PÚBLICO, a embaixada da Guiné Equatorial em Portugal não quis comentar o caso. E o Ministério dos Negócios Estrangeiros português não disse o que vai fazer perante as denúncias. Uma fonte diplomática disse ao PÚBLICO que, até ao momento, não foi feita qualquer diligência pelo Governo português.
Desde 2014 que a Guiné Equatorial é membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), cujos estatutos a definem como instituição “regida pelo princípio do Estado de Direito e dos Direitos Humanos”. Na Primavera, o governo de Malabo usou como argumento o facto de ser “o benjamim da CPLP” para ter a presidência rotativa no biénio 2020/22. Mas no Verão, na cimeira de Cabo Verde, os chefes de Estado decidiram que a responsabilidade seria dada a Angola. Pouco depois, Obiang deixou de ser visto e não assistiu sequer à posse do novo secretário-geral da CPLP, o embaixador Francisco Ribeiro Telles. Mais tarde, percebeu-se que abandonara o país. Ao fim de cinco anos de adesão, a pena de morte continua a fazer parte da legislação da Guiné Equatorial, contrariando um compromisso assumido em 2014, e há dezenas de presos políticos no país.
“Neste momento, há mais de 100 presos políticos à espera de julgamento por alegado envolvimento num golpe de Estado de 24 de Dezembro de 2017”, diz Andrés Esono Ondó, líder da CPDS. “A esses, somam-se outros tantos, presos e julgados sem garantias processuais desde as eleições fraudulentas de Novembro de 2017. Muitos foram indultados no 50º aniversário da independência da Guiné Equatorial, em Outubro de 2018. A existência de mais presos políticos a seguir ao indulto de Obiang é a prova de que o regime sempre teve presos políticos.” A investigadora Ana Lúcia Sá sublinha que, para além das detenções, as intimidações são frequentes na Guiné Equatorial e que o quadro de repressão está a ser fortalecido desde as eleições de 2017.
Durante anos, o regime negou a existência de presos políticos até que, para surpresa de diplomatas e observadores, o próprio Presidente Obiang anunciou em 2018 uma “amnistia total de todos os cidadãos […] encarcerados por delitos políticos e pelo exercício da sua actividade”.
“Obiang nunca deu passos para acabar com as violações dos direitos humanos. A detenção do nosso companheiro é a prova do que estou a dizer. Ainda há dias o próprio Obiang disse num acto público que ele ‘já não pode mudar’ e que os que ‘estão à espera que mude estão a perder tempo’”, diz Andrés Esono Ondó, da CPDS, que é sociólogo e foi professor universitário.
“É o tipo das armas e do carro?”
Braulio Bacale Ondo, o segurança do Presidente, é um homem conhecido pela oposição e surge atrás de Obiang Nguema em dezenas de situações públicas. É considerado “um dos mais cruéis elementos da equipa de segurança do ditador”, diz Massoko.
No dia 27, no início da sessão de tortura na “Guantanamo de Malabo”, o segurança especial de Obiang disse a Joaquín Eló Ayeto que sabia que ele tinha “informação valiosa” e que “estava obrigado a entregá-la”. Segundo o Diario Rombre, Braulio Bacale Ondo fez parte da equipa de futebol do clube Desportivo de Mongomo que, há uns anos, foi chamada pelo regime a criar um corpo de polícia paralelo, os “Ninjas”, que será responsável por inúmeras violações dos direitos humanos.
“A polícia acusou Joaquín Ayeto de ser proprietário de um carro em cujo interior havia armas para assassinar Obiang Nguema”, diz Massoko. “Disse que sabia que Eló Ayeto tinha informação sobre um atentado contra o Presidente, infiltrando-se nas suas páginas nas redes sociais.” Quando o levaram para o Comissariado Central da Polícia, “um dos polícias perguntou a outro: quando virem o ‘Paysa’, perguntem-lhe ‘se ele é o tipo das armas e do carro’. Mais tarde, um sargento perguntou em língua fang aos membros da segurança presidencial que o trouxeram: ‘Este é o tipo das armas e do carro?’ A polícia inventou uma história. Agora, o governo pode acusar Joaquín Eló Ayeto de posse ilegal de armas de fogo e de ser proprietário de um suposto carro que teria armas que iriam ser usadas contra Obiang Nguema”.
Diz Andrés Esono Ondó: “Acusaram Joaquín de ter comentado, alegadamente, que Obiang não ia regressar da volta que está a fazer no país. O que é uma acusação absurda, porque um simples comentário, para mais sem testemunhos, não pode ser razão para detenção, encarceramento e maus tratos. Mesmo que o tivesse dito, tê-lo-ia feito no uso do seu direito à liberdade de expressão.”