Riscos do 5G made in China são um receio made in EUA?
Os Estados Unidos querem impedir empresas chinesas de liderar a construção das próximas redes móveis. O PÚBLICO falou com especialistas que concordam que a segurança é crítica, mas consideram os medos exagerados.
A mudança para as novas e mais rápidas redes 5G promete um mundo ainda mais conectado – desde computadores e smartphones aos semáforos nas estradas, passando por frigoríficos, pelos futuros carros autónomos e por infra-estruturas críticas, como serviços de emergência, hospitais, redes eléctricas e até centrais nucleares. Os EUA têm vindo a avisar para os riscos de deixar estas redes nas mãos de fornecedores chineses. Mas o nível de preocupação mostrado pelos americanos não encontrou eco em todos os países e é visto como exagerado pelos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.
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A mudança para as novas e mais rápidas redes 5G promete um mundo ainda mais conectado – desde computadores e smartphones aos semáforos nas estradas, passando por frigoríficos, pelos futuros carros autónomos e por infra-estruturas críticas, como serviços de emergência, hospitais, redes eléctricas e até centrais nucleares. Os EUA têm vindo a avisar para os riscos de deixar estas redes nas mãos de fornecedores chineses. Mas o nível de preocupação mostrado pelos americanos não encontrou eco em todos os países e é visto como exagerado pelos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.
“Estamos a assistir uma guerra comercial e de interesses por parte dos EUA. E há muita confusão entre a realidade do problema com as redes 5G e a percepção pública destes problemas”, diz ao PÚBLICO Rui Aguiar, investigador do Instituto de Telecomunicações, e responsável pela Networld2020, uma plataforma europeia que reúne mais de mil entidades nas telecomunicações. Aguiar descreve-se mesmo como “tranquilo” quanto à segurança das redes 5G.
Os EUA estão a tentar convencer os seus aliados, incluindo Portugal, a impedir a chinesa Huawei de fornecer equipamentos de infra-estrutura para as redes 5G, com base em receios de espionagem. Taiwan, Austrália e Nova Zelândia também já impediram fornecedores de comunicações de utilizar componentes da Huawei nas suas redes. Na semana passada, foi a vez de Lisboa ser pressionada por Washington.
“Tecnicamente, as redes 5G são mais seguras que as 4G. Uma comparação simples é entre um telemóvel a que se acede com pin e outro a que se acede com a impressão digital. O segundo método não é infalível, mas é mais seguro”, explica Aguiar. “A questão problemática com o 5G é estratégica e não tecnológica.”
Miguel Pardal, investigador na área de segurança de redes e sistemas no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores de Lisboa (INESC), explica a preocupação com as redes 5G: “Como se prevê que vão ser usadas para aplicações críticas, como veículos autónomos, as falhas de segurança podem ter consequências mais drásticas.”
Recentemente, investigadores das Universidades de Purdue e da Universidade de Iowa, nos EUA, descobriram vulnerabilidades comuns às redes 4G e às novas 5G, que facilitam a intercepção de chamadas, a falsificação de mensagens de textos, e a monitorização da localização de alguém.
“Tudo isto já pode ser feito nas redes actuais”, sublinha ao PÚBLICO Pedro Veiga, professor na Universidade de Lisboa e ex-coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança. “Se num smartphone for introduzido um programa criminoso, é possível, por exemplo, todas as nossas comunicações serem enviadas para um sistema alheio sem nos apercebermos disso”. E acrescenta: “Sabemos, via Edward Snowden, que a NSA [a Agência Nacional de Segurança dos EUA] usava técnicas destas para espiar quem queria.”
Em 2013, descobriu-se que aquela agência norte-americana guardava informações sobre telefonemas e emails de milhões de cidadãos, muitas vezes sem consentimento de um tribunal. Isto incluía a hora, duração, e assunto das comunicações. Vários políticos estrangeiros, como a chanceler alemã Angela Merkel, também eram alvo de escutas. “O que devemos é ter confiança nos nossos fornecedores. Esta guerra sobre o 5G entendo-a como uma peça de uma luta sobre o domínio tecnológico das redes”, defende Veiga.
Acusações de espionagem
Um dos argumentos usados contra a Huawei é que o fundador da empresa, Ren Zhengfei, trabalhou na área de tecnologia do exército chinês ao longo da década de 1970, antes de se juntar ao Partido Comunista Chinês. Como tal, a empresa estará na esfera do regime de Pequim.
A empresa chinesa – que se está a posicionar como líder no fornecimento da estrutura para as novas redes 5G – tem desmentido as acusações de espionagem: “A Huawei não registou qualquer ameaça de segurança cibernética nos últimos 30 anos”, lê-se em declarações enviadas ao PÚBLICO esta semana e que repetem o que tem sido dito à imprensa. “A Huawei apela para que não se distorça a evolução da tecnologia com uma discussão sobre interesses geopolíticos internacionais.”
Na Europa, os esforços dos EUA para impedir a chinesa Huawei de construir a infra-estrutura para as próximas redes móveis estão a ser recebidos com cautela. A empresa chinesa tem mais de 12 mil trabalhadores neste continente e parcerias de investigação com 140 universidades europeias. Esta semana, tanto a Alemanha como o Reino Unido anunciaram medidas para proteger as novas redes, sem banir a Huawei: os alemães falam em regas de segurança adicionais, os ingleses em limites no equipamento que se pode ter de um só fornecedor. E a Huawei, além de abrir um novo centro de cibersegurança em Bruxelas para ajudar a estabelecer objectivos ligados à cibersegurança na Europa, avançou com um processo contra o Governo dos Estados Unidos por ter proibido a compra dos equipamentos de telecomunicações pelos serviços públicos sem motivo factual.
Concentração de poder
Na escolha dos fornecedores de uma tecnologia, “há problemas estratégicos”, avalia o investigador Rui Aguiar. “Quão dependentes é que queremos estar de algumas empresas? Vejamos o caso do Google e do Facebook. O poder da Internet está em meia dúzia de empresas. Isso permite que possam abusar. As redes 5G são um activo estratégico com que temos de ter cuidado.” Para Aguiar, no entanto, “o medo da segurança das redes 5G está fora de proporção”, e “o problema real é que os norte-americanos perderam a corrida”.
Para Pedro Veiga, uma das soluções é garantir que há mais do que um fornecedor. “A heterogeneidade de fornecedores é importante, se bem que traz dificuldades adicionais e custos”, observa. Um dos problemas, por exemplo, é a formação de pessoal para trabalhar com equipamentos e estruturas distintas. “Por isso é que muitas pessoas que têm equipamentos de um fabricante quando os querem substituir, compram da mesma marca, para não terem de aprender a usar um sistema diferente.”
“Os benefícios previstos [com o 5G] são significativos”, frisa o investigador Miguel Pardal, do INESC. “O tempo de resposta vai ser mais curto. Isto vai fazer toda a diferença no tempo de resposta de carros autónomos”, exemplifica. Mas ainda falta algum tempo para as redes 5G chegarem a Portugal. O arranque da rede vai ser gradual, porque implica mudar a camada física em que as comunicações acontecem: é preciso novas estações, novas antenas e novos centros de dados.
“A maior parte da disputa actual deve-se ao facto de alguns países reconhecerem que não têm a capacidade de inspeccionar todos os dispositivos para garantir que não há pontos de entrada secretos”, nota Pardal. “Politicamente, o 5G tornou-se uma arma de arremesso.”