Na passerelle da ModaLisboa houve espaço para um half-pipe e um protesto contra o Brexit

Durante o sábado, Luís Carvalho, Carlos Gil e Awaytomars, entre outros nomes, apresentaram as suas colecções na ModaLisboa.

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Voaram pranchas de skate antes de entrarem as modelos. De um lado para o outro, balançavam dois skaters, num half-pipe instalado em plena passerelle. Uma espécie de número de abertura (que teve os seus percalços) para o desfile de João Magalhães, logo ao início da tarde. Fizeram-se seguir, ao longo do segundo dia de desfiles, no sábado, outros criadores como Luís Carvalho e Awaytomars.

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Voaram pranchas de skate antes de entrarem as modelos. De um lado para o outro, balançavam dois skaters, num half-pipe instalado em plena passerelle. Uma espécie de número de abertura (que teve os seus percalços) para o desfile de João Magalhães, logo ao início da tarde. Fizeram-se seguir, ao longo do segundo dia de desfiles, no sábado, outros criadores como Luís Carvalho e Awaytomars.

O nome João Magalhães pode não ser imediatamente reconhecível, mas esta não é a sua estreia nestas andanças. Só que antes apresentava-se com o nome da marca, Morecco. “Quando comecei tinha uma noção estética do que era moda, mas não percebia rigorosamente nada”, conta ao CULTO. “Agora senti que já teria arcaboiço para dizer ‘isto sou eu, é o que eu faço’”, continua

Nessa transição, João Magalhães, que é formado em arquitectura, acabou por fazer uma espécie de regresso às origens. Para a primeira colecção com nome próprio, inspirou-se nas estruturas aéreas do artista argentino Tomás Sacraceno, que estiveram no no MAAT, no ano passado. Mais concretamente, olhou para como estas desafiavam a gravidade, suspendendo-se no ar. É um desafio aplicar esse conceito à moda, admite, apontando para os cortes que fogem à forma do corpo, às silhuetas oversized e aos tecidos mais rijos e mais técnicos.

Há uma continuidade da marca Morecco. As silhuetas fluidas e a androginia, por exemplo, mantêm-se. Ao mesmo tempo, o criador diz que as peças estão mais perto do pronto-a-vestir. “É comum quando estamos a iniciar queremos tanto afirmar o nosso imaginário e acharmos que o que se veste facilmente é uma seca e o que não se veste é que é divertido”, aponta. “Mas comecei a perceber, com maior capacidade e conhecimento técnico, que é perfeitamente possível considerar as duas coisas”.

 A união criativa

Se há marca que represente a união — neste caso, criativa —, entre indivíduos de diferentes pontos do mundo será provavelmente a Awaytomars. Com uma comunidade de milhares de pessoas, as suas colecções resultam da junção e curadoria das ideias submetidas online. Na sombra do Brexit, apresentaram nesta edição uma colecção politizada, com “o seu quê de protesto” — e Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, na primeira fila.

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O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, marco presença no desfile da Awaytomars

Por um lado, “a ideia desta colecção era unir peças, unir histórias”, conta Alfredo Orobio, fundador da marca. Por outro lado, a instabilidade em relação ao futuro do Reino Unido — onde a marca está actualmente sediada, em Londres — acabou por ter influência. Nesta temporada tomaram um caminho diferente, na abordagem criativa. Em vez de aceitarem ideias, pediram que às pessoas lhes enviassem roupas que não usassem. “A gente não sabe o que vai acontecer, não podemos assumir responsabilidades dentro do reino Unido com a produção sem saber o amanhã”, comenta Orobio. “Falei com fornecedores que [disseram que] caíram as vendas porque as marcas de Londres estão indecisas”, acrescenta Marília Biasi, outra responsável da marca.

Nos últimos anos, a Awaytomars desenvolveu parcerias com marcas de renome como a Froot Loops e Melissa. Com esta segunda, venderam 70 mil pares em dois meses, contou Orobio ao CULTO, em Outubro do ano passado. Preparam-se agora para lançar uma nova colecção com uma marca de luxo italiana, cujo nome ainda não podem divulgar.

Arte e Moda

As correntes artísticas estão para a moda como pão para o queijo. Veja-se o caso da colecção de Imauve, cujo ponto de partida foi a abstracção de Malevich, no início do século XX. “Fazia uma recusa da representação da realidade. Para isso buscava significado nas cores e nas formas”, explica a criadora, Inês de Oliveira. “Queria que [a colecção] fosse simples, queria explorar a intemporalidade”, com “formas muito depuradas” e “a paleta de cores da obra”.

Luís Carvalho virou-se para o trabalho do artista digital​ Matthieu Bourel. “Inspirei-me nos recortes e nas sobreposições para criar as peças. Tínhamos bastantes camadas. Percebia-se no corte de alguns casacos e vestidos”. Tal como o artista, criou uma colecção assente nos pretos e brancos, com apontamentos de cor. Luís Carvalho ​foi responsável pelas peças usadas por Conan Osiris no Festival da Canção. “Já o conheço há dez anos e já tinha trabalhado com ele em editoriais para outras revistas. Mandei-lhe uma mensagem a dizer que gostava de o vestir. Ele próprio disse que já tinha o print screen de um look que gostaria de usar”. E voltarão a colaborar para a final? “Ainda não sei se sou eu. Em princípio sim, eu gostaria de manter esta parceria”, conta.

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No último desfile de Luís Carvalho, em Outubro do ano passado Ugo Camera

Já Carlos Gil juntou uma amálgama de movimentos do início do século XX. A saber, neoplasticismo, cubismo e abstraccionismo. O criador regressou à ModaLisboa, onde lançou a sua colecção de pronto-a-vestir, depois de anos a apresentar no Portugal Fashion. Recorde-se que no ano passado as duas organizações assinaram um protocolo de cooperação. “Dado que há esta ligação, pedi ao Portugal Fashion se podia fazer o desfile em Lisboa. Havia um pedido cada vez mais pronunciado das clientes de Lisboa, de que gostavam de rever Carlos Gil na passerelle em Lisboa”, explica.

À primeira instância, talvez não seja evidente nas peças de Constança Entrudo uma reinterpretação dos bordados da madeira, mas o trabalho da criadora está longe de ser literal. O ponto de partida para a colecção foi um caderno etnográfico de 1985 que encontrou na Gulbenkian. “Foi um senhor que escreveu um manifesto bastante revoltado pela maneira como hoje em dia o traje tradicional português não é respeitado. Diz que o traje tradicional de uma zona nunca deve sair dessa zona”, afirma a criadora. “Está tudo bastante estereotipado, com muitas regras e preconceitos. O que fiz foi pegar nessas regras todas e desconstruí-las”, continua. Pelo caminho, rendeu-se aos padrões florais dos bordados da Madeira: “achei muito interessante e comecei a perceber todo o trabalho que havia por detrás. Aquela perfeição fascinou-me.”

Lidija Kolovrat inspirou-se na natureza e, olhando para os elementos da floresta como “quase-mágicos”, apresentou uma colecção em que os padrões de xadrez se misturam com o camuflado. Não fosse isso evidência suficiente do tema por detrás das peças, pintou as cara das modelos de verde. Já David Ferreira aventurou-se pelo campo da linguística para dar forma à colecção, definindo a personalidade que se reflecte nas peças. A “bétnica jovem" é, segundo o criador, “todas as estéticas do mundo David Ferreira, sem se limitar apenas a uma”.

O dia de desfiles terminou com uma apresentação de Ernest W. Baker — uma marca fundada por Reid Baker, dos Estados Unidos e a portuguesa Inês Amorim —, na loja recentemente inaugurada Tem-plate. A 52.ª edição da ModaLisboa termina este domingo, com desfiles de criadores como Nuno Gama e Dino Alves.