Bolha imobiliária chega à Internet em Portugal?
Por que razão não se acaba de uma vez para sempre com o “faz de conta” da participação da sociedade civil na gestão do domínio .pt?
A partir do dia 18 de fevereiro deste ano, o preço anual de ter um nome de domínio Internet, registado no diretório de domínios de Portugal, subiu de 7,99 euros para 11,99 euros por ano, um aumento de cerca de 50%. Este registo é o que permite a qualquer entidade coletiva ou pessoa singular ter uma presença na Internet com um endereço terminado em .pt, como por exemplo publico.pt, ceu.pt, isabelalcada.pt, jose.pt... ou seja, o equivalente a ter uma morada na Internet, listada no domínio ou catálogo de topo .pt, o domínio de Portugal, propriedade da República Portuguesa.
À primeira vista este aumento é irrisório, pois ao invés de se pagar cerca de 66 cêntimos + IVA por mês, passa-se a pagar cerca de 1 euro + IVA por mês. O preço em si não é a questão de fundo, pois noutros países pode ser mais caro ou mais barato. A contínua subida do número de registos em .pt, cerca de um milhão atualmente, até deveria permitir uma descida sustentada. A escolha de valores anuais terminados em 99 cêntimos, uma prática comercial para evitar pôr em evidência o valor arredondado acima, também é reveladora sobre o espírito que preside à escolha do valor a cobrar.
A questão de fundo é o princípio e, no que diz respeito ao princípio, o Estado e o Governo Português, respetivamente proprietário e administrador primeiros do domínio, estão envolvidos.
Desde a sua fundação, a gestão do domínio .pt estava sob a responsabilidade de uma fundação pública (FCCN) constituída pelo LNEC, as universidades portuguesas e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTES). Em 2015 a FCCN foi dissolvida pelo governo de Passos Coelho e a gestão do domínio .pt foi entregue em exclusividade a uma associação privada sem fins lucrativos, em que o MCTES participa em minoria.
A forma como essa associação foi fundada, os meios usados pelo Estado Português para assegurar a supervisão da sua atividade, e a forma como os excedentes financeiros da gestão do domínio .pt eram utilizados, foram publicamente criticados pela associação Capítulo Português da Internet Society (ISOC PT), a que presido, no final de 2017. O ISOC PT é o capítulo português de uma associação internacional fundada pelos pioneiros da Internet. Estas críticas foram amplamente reconhecidas como válidas, inclusivamente pelo responsável máximo do MCTES, em documentação a que tive acesso. Não eram, portanto, criticas irrelevantes.
Até ao momento, nunca foram divulgadas publicamente as medidas tomadas pelo MCTES, ou qualquer outra entidade governamental, para corrigir a situação, e por isso as desconheço, caso existam. A Presidência do Conselho de Ministros, via a chefe de gabinete da ministra Maria Manuel Leitão Marques, respondeu-me então por escrito que o assunto era da exclusiva responsabilidade do MCTES. No entanto, houve uma alteração na forma como os “lucros” dessa gestão passaram a ser usados, visto que, por determinação do MCTES, o apoio ao programa InCode.2030, coordenado pelo mesmo MCTES, passou a ser um recetor privilegiado dos resultados dos excedentes da gestão do .pt.
Aqui chegados, não podemos deixar de nos perguntar: porque razão não se acaba de uma vez para sempre com o “faz de conta” da participação da sociedade civil na gestão do domínio .pt, não se entrega a gestão dos registos Internet a uma entidade governamental como por exemplo o INPI, da alçada do Ministério da Justiça, se desce o preço do registo de moradas Internet .pt ao mínimo possível, e não se faz o outsourcing da gestão técnica do catálogo para uma entidade pública ou privada mediante caderno de encargos público, com gestão sujeita a auditorias periódicas das entidades responsáveis pela justiça e a segurança digital do Estado Português? Os problemas atuais da gestão e governação da Internet deixaram de ser problemas meramente de âmbito técnico ou científico, para passarem a ser problemas completamente transversais, que não podem ser ignorados pela totalidade dos órgãos de soberania.
Visto de fora, até parece que os responsáveis pela gestão do .pt encontraram uma nova forma de usar taxas sobre bens públicos, mas geridos por privados, aparentemente em nome do Estado, para subsidiar programas governamentais. Claro que os princípios que invoco são independentemente da bondade de tais programas.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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A partir do dia 18 de fevereiro deste ano, o preço anual de ter um nome de domínio Internet, registado no diretório de domínios de Portugal, subiu de 7,99 euros para 11,99 euros por ano, um aumento de cerca de 50%. Este registo é o que permite a qualquer entidade coletiva ou pessoa singular ter uma presença na Internet com um endereço terminado em .pt, como por exemplo publico.pt, ceu.pt, isabelalcada.pt, jose.pt... ou seja, o equivalente a ter uma morada na Internet, listada no domínio ou catálogo de topo .pt, o domínio de Portugal, propriedade da República Portuguesa.
À primeira vista este aumento é irrisório, pois ao invés de se pagar cerca de 66 cêntimos + IVA por mês, passa-se a pagar cerca de 1 euro + IVA por mês. O preço em si não é a questão de fundo, pois noutros países pode ser mais caro ou mais barato. A contínua subida do número de registos em .pt, cerca de um milhão atualmente, até deveria permitir uma descida sustentada. A escolha de valores anuais terminados em 99 cêntimos, uma prática comercial para evitar pôr em evidência o valor arredondado acima, também é reveladora sobre o espírito que preside à escolha do valor a cobrar.
A questão de fundo é o princípio e, no que diz respeito ao princípio, o Estado e o Governo Português, respetivamente proprietário e administrador primeiros do domínio, estão envolvidos.
Desde a sua fundação, a gestão do domínio .pt estava sob a responsabilidade de uma fundação pública (FCCN) constituída pelo LNEC, as universidades portuguesas e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTES). Em 2015 a FCCN foi dissolvida pelo governo de Passos Coelho e a gestão do domínio .pt foi entregue em exclusividade a uma associação privada sem fins lucrativos, em que o MCTES participa em minoria.
A forma como essa associação foi fundada, os meios usados pelo Estado Português para assegurar a supervisão da sua atividade, e a forma como os excedentes financeiros da gestão do domínio .pt eram utilizados, foram publicamente criticados pela associação Capítulo Português da Internet Society (ISOC PT), a que presido, no final de 2017. O ISOC PT é o capítulo português de uma associação internacional fundada pelos pioneiros da Internet. Estas críticas foram amplamente reconhecidas como válidas, inclusivamente pelo responsável máximo do MCTES, em documentação a que tive acesso. Não eram, portanto, criticas irrelevantes.
Até ao momento, nunca foram divulgadas publicamente as medidas tomadas pelo MCTES, ou qualquer outra entidade governamental, para corrigir a situação, e por isso as desconheço, caso existam. A Presidência do Conselho de Ministros, via a chefe de gabinete da ministra Maria Manuel Leitão Marques, respondeu-me então por escrito que o assunto era da exclusiva responsabilidade do MCTES. No entanto, houve uma alteração na forma como os “lucros” dessa gestão passaram a ser usados, visto que, por determinação do MCTES, o apoio ao programa InCode.2030, coordenado pelo mesmo MCTES, passou a ser um recetor privilegiado dos resultados dos excedentes da gestão do .pt.
Aqui chegados, não podemos deixar de nos perguntar: porque razão não se acaba de uma vez para sempre com o “faz de conta” da participação da sociedade civil na gestão do domínio .pt, não se entrega a gestão dos registos Internet a uma entidade governamental como por exemplo o INPI, da alçada do Ministério da Justiça, se desce o preço do registo de moradas Internet .pt ao mínimo possível, e não se faz o outsourcing da gestão técnica do catálogo para uma entidade pública ou privada mediante caderno de encargos público, com gestão sujeita a auditorias periódicas das entidades responsáveis pela justiça e a segurança digital do Estado Português? Os problemas atuais da gestão e governação da Internet deixaram de ser problemas meramente de âmbito técnico ou científico, para passarem a ser problemas completamente transversais, que não podem ser ignorados pela totalidade dos órgãos de soberania.
Visto de fora, até parece que os responsáveis pela gestão do .pt encontraram uma nova forma de usar taxas sobre bens públicos, mas geridos por privados, aparentemente em nome do Estado, para subsidiar programas governamentais. Claro que os princípios que invoco são independentemente da bondade de tais programas.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico