Socialistas ponderam apoiar Marcelo em 2021
No PS há três cenários para as presidênciais: candidato próprio, liberdade de voto e apoiar a recandidatura do actual Presidente. O PÚBLICO foi ouvir vários responsáveis socialistas e tudo indica que "haja um Bloco Central" a apoiá-lo".
A dois anos das eleições para Presidente da República, os dirigentes do PS já pensam em como deverá o partido agir perante a eventual recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. A decisão só será tomada em 2020 e, por agora, a primeira resposta que o PÚBLICO ouviu de responsáveis socialistas é a de que “é prematuro” abordar o assunto. Há três cenários em cima da mesa: avançar com candidato próprio, dar liberdade de voto ou apoiar Marcelo. Das reflexões em curso resulta, porém, a leitura de que, se fosse agora, os socialistas apoiariam Marcelo.
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A dois anos das eleições para Presidente da República, os dirigentes do PS já pensam em como deverá o partido agir perante a eventual recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. A decisão só será tomada em 2020 e, por agora, a primeira resposta que o PÚBLICO ouviu de responsáveis socialistas é a de que “é prematuro” abordar o assunto. Há três cenários em cima da mesa: avançar com candidato próprio, dar liberdade de voto ou apoiar Marcelo. Das reflexões em curso resulta, porém, a leitura de que, se fosse agora, os socialistas apoiariam Marcelo.
Todos os dirigentes do PS com quem o PÚBLICO falou citam as palavras de António Costa, secretário-geral do PS e primeiro-ministro. Na entrevista à SIC, este justificou a impossibilidade de tomar já uma posição com o argumento de que o próprio Marcelo ainda não decidiu “se se recandidata ou não”, pelo que o PS “decidirá a seu tempo”.
Indo mais longe, embora seja absoluto o cuidado com as palavras, na direcção do PS e no Governo abre-se a porta ao apoio a Marcelo, significativamente representando sensibilidades internas diferentes. Ao PÚBLICO, o membro do secretariado e presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, que pertence a uma ala moderada do partido, apenas diz: “Naturalmente que não é este o tempo de os partidos manifestarem apoios, até porque não há candidatos. Mas, para mim, é claro que o Presidente da República, em todas as questões fundamentais, tem tido uma actuação muito positiva para o país.”
Por sua vez, o presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS e secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, que integra a sensibilidade mais à esquerda do PS, afirma ao PÚBLICO: “Tenho feito uma apreciação muito positiva do mandato do Presidente da República, mas sobre o eventual apoio é prematuro falar.”
Isto quando figuras de prestígio e com história dentro do PS assumiram já o apoio. O primeiro foi Francisco Assis, ainda antes do Congresso de Maio, em entrevista ao PÚBLICO, quando considerou que tal não era uma “impossibilidade”. Mas também João Soares, ex-ministro da Cultura, admitiu já este ano que a hipótese não lhe “repugnaria nada”, no programa Almoços Grátis, da TSF. E o dirigente histórico e antigo ministro de António Guterres, Jorge Coelho, na Quadratura do Círculo, garantiu que se a eleição “fosse agora, nas circunstâncias de agora,” seria seu apoiante.
Cedo para Costa
A possibilidade de o PS apoiar Marcelo causa, contudo, animosidade em alguns dirigentes. Por um lado, lembra-se que “nunca o PS deu apoio a um candidato vindo da direita”, como o PSD do então primeiro-ministro, Cavaco Silva, deu a Mário Soares na sua recandidatura, em 1991. Por outro, sublinha-se que “nunca o PS deixou de dar apoio a um candidato próprio, só nas últimas presidenciais oficialmente não houve apoio a nenhum”. E também quem frise que “mesmo José Sócrates lançou Soares como candidato oficial, em 2006, quando Manuel Alegre já era candidato, ainda que, em 2011, viesse a apoiar o mesmo Alegre”.
Uma das linhas argumentativas dos que defendem a candidatura própria é a de que “no PS ninguém aceitará bem o apoio a Marcelo, pois abre o partido ao meio”. E garantem que “um apoio ao candidato oriundo da direita abriria espaço para a afirmação das candidaturas à esquerda e para o crescimento do PCP e do BE, que encostariam o PS à direita”. Ou seja, “na prática deixará espaço para a esquerda cavalgar”. Tese a que um dirigente socialista responde: “Não precisamos de fazer prova de que somos de esquerda, nem do nosso esquerdismo. A nossa governação fala por nós.”
O risco de o PS vir a apoiar pela primeira vez um candidato oriundo do PSD - Marcelo é seu fundador, foi líder do partido entre 1996 e 1999 e tem a militância suspensa desde que foi eleito para o Palácio de Belém - é desvalorizada por vários dirigentes. “O PS nunca apoiou um candidato de direita, mas Marcelo não é um candidato dos partidos de direita, ele sempre se apresentou por si, é suprapartidário e tudo indica que pode repetir esse perfil de candidatura”, adverte um dirigente. Outro sublinha que o Presidente “não tem feito o que a direita quer, aliás, a direita está descontente com ele”.
Há mesmo quem seja categórico a defender: “Não me parece que PS possa ter candidato próprio, das três hipóteses, a mais difícil, é essa.” A questão é que, como reconhece um responsável socialista, “o único candidato que o PS tem à presidência é Costa e não é para já. Mesmo que não seja primeiro-ministro em 2021, Costa nunca se candidatará contra Marcelo.” Já outro dirigente garante: “Candidato próprio é o próprio Costa, mas na eleição seguinte, em 2026.”
Em relação a outras de personalidades do PS que pudessem defender o partido em eleições presidenciais, há consenso de que são “hipóteses de recurso e menos fortes”. Um dos exemplos avançados ao PÚBLICO é Eduardo Ferro Rodrigues, antigo líder do PS e actual presidente da Assembleia da República, sobre o qual há quem garanta: “Não acredito que ele aceitasse sequer candidatar-se.”
Dois nomes apontados como possíveis são o presidente do PS e líder parlamentar, Carlos César, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Mas há consenso em vê-los como “soluções menores”. Um responsável defende mesmo: “Só deverão ser usadas em cenário de ruptura entre o Presidente e o primeiro-ministro. Conhecendo Marcelo e o Costa não me parece que haja hipótese.”
Repetir 2015
Outro cenário é o de repetir 2015. Então, perante a candidatura de Marcelo, mas sobretudo as do ex-reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa, e da antiga ministra de António Guterres e deputada do PS Maria de Belém Roseira, a direcção deu liberdade de voto, numa reunião da comissão política a 6 de Outubro, no rescaldo das legislativas. “António Costa abriu um precedente que foi útil em 2015, mas a liberdade de voto pode ser muito mais útil agora”, advoga um dirigente.
A repetição desta estratégia não é aceite pela maioria dos responsáveis socialistas ouvidos pelo PÚBLICO. “O mais simples é não apoiar ninguém, mas não é desejável, pois permite que haja muitos candidatos e mostra desnorte do PS”, argumenta um dirigente. Há quem sublinhe que “liberdade de voto os militantes têm sempre, mesmo que haja indicação de voto em candidato próprio, podem seguir ou não essa indicação, o voto é uma decisão individual”.
Na defesa da necessidade de o PS ter uma atitude afirmativa, um responsável afirma que “o que está em causa é o PS declarar ou não apoio”. E argumenta que “as candidaturas a Presidente são pessoais, mas um partido deve ter posição”, concluindo: “Prefiro que haja um candidato, mesmo mais fraco. Há uma eleição presidencial e um partido como o PS, não tem candidato? O PSD, o CDS, o BE e o PCP vão apoiar candidatos e o PS não apoia?”
Super star
A posição dominante é a de que “se fosse hoje” o apoio do partido a Marcelo era “obrigatório”. A popularidade do Presidente e o seu estatuto de “super star” é um dos factores que leva a essa conclusão. “O Presidente teve uma relativa quebra de popularidade, mas não é estrutural, é conjuntural” defendeu um dirigente, prevendo que “o início do mandato deu origem a relação de paixão da população, agora vive-se uma fase de acalmia, de normalidade, o Presidente recuperará”. Advertindo, porém, que “é impossível que o PS o possa apoiar se ele perder popularidade.”
Verdadeiramente crucial para a decisão do PS será o resultado das legislativas e o desenlace governativo caso os socialistas ganhem com maioria relativa, como os estudos de opinião indicam. Ou seja, a relação entre o Presidente e o Governo, não só o presente mas um eventual próximo executivo liderado por Costa.
No caso de o PS atingir a maioria absoluta, a previsão é de que haja estabilidade na relação entre Presidente e primeiro-ministro, o qual irá adoptar uma atitude de “diálogo com todos, como fez na mesma situação na Câmara de Lisboa”, salienta um dirigente. Se a maioria for relativa, Costa terá dois caminhos. Seguir a estratégia dos governos de António Guterres de geometria variável no Parlamento - o que é considerado de “equilíbrios difíceis” por um dirigente -, ou repetir as alianças à esquerda com que governa hoje.
Na direcção socialista são vários os que salientam os “sinais positivos” dados pelo secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e pela coordenadora nacional do BE, Catarina Martins. Os contornos dessa aliança dependerão da relação de forças à esquerda. Se o PS, que perdeu as legislativas de 2015, subir dos actuais 89 para “cerca de cem ou 110 deputados, o BE e o PCP perdem força” e a vida do PS está facilitada.
A importância do papel do Presidente da República no momento da formação de um novo governo é assim crucial. Um dirigente do PS considera que “nada indicia que Marcelo venha a ser um problema” face à solução governativa que Costa venha então a propor, “como, afinal, Cavaco Silva acabou por não ser”.
Equacionados, desde já, estão a ser os méritos e deméritos do Presidente. O modo como “Marcelo contribuiu de forma significativa para esvaziar a tensão e crispação política e para a normalização as relações institucionais”, é valorizada por um dirigente, que lembra que ele “legitimou os acordos de esquerda”. Outro salienta que “o Presidente tem sido cooperativo com o Governo”. E um terceiro adverte: “Mesmo que o Presidente fosse do PS, era impossível que não houvesse dessintonias.”
Quanto aos deméritos, argumenta-se que Marcelo “por vezes, armadilhou o caminho do Governo, procurando situações que lhe criem erosão”. O momento que os socialistas vêem como uma afronta ao primeiro-ministro foi a comunicação televisiva, em 17 de Outubro de 2017 , do Presidente a exigir a demissão da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, quando o próprio Marcelo “já sabia que ela sairia em breve”, após o Conselho de Ministros extraordinário para aprovar novas regras de prevenção e combate a incêndios.
Há outros dois momentos de tensão apontados. “Quando ele deu gás a Assunção Cristas na apresentação da primeira moção de censura em 2017”, refere um dirigente. O outro momento visto como crítico foi já em Dezembro de 2018, quando Marcelo “vetou o decreto que descongela carreira dos professores em dois anos, nove meses e dezoito dias, fazendo arrastar a situação que estava já fechada e que cria desgaste no Governo”.
Mesmo tendo em conta que houve alguns momentos de tensão, vários dirigentes socialistas convergem na consideração de que “só se for um elemento de instabilidade do Governo é que é impossível que PS o possa apoiar”. E, como limite, apontam: “Se ele demitir o Governo PS é que não o podemos fazer”.
É claro que entre os defensores do apoio do PS a Marcelo há quem lembre que “haverá sempre dirigentes e militantes que vão achar que não se deve apoiá-lo”. Mas o mesmo dirigente relativiza essas posições, frisando: “Ao contrário de Cavaco, Marcelo não tem anticorpos no PS. Além de que não se colou ao PSD e desde a primeira candidatura é suprapartidário. Não acho impossível que haja um Bloco Central a apoiá-lo.”