A nova doutrina da CNE sobre as campanhas é perigosa
Entre evitar e punir abusos e impor uma ética exagerando as disposições da lei vai uma grande distância.
Uma das eternas regras da sabedoria dos burocratas é pegar num princípio destinado a salvaguardar o interesse público para o exponenciar e salvaguardar desta forma a majestade das suas funções. A “nota informativa” da Comissão Nacional de Eleições (CNE) sobre a publicidade institucional nas pré-campanhas e campanhas eleitorais é uma prova desse agudo instinto de sobrevivência das burocracias.
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Uma das eternas regras da sabedoria dos burocratas é pegar num princípio destinado a salvaguardar o interesse público para o exponenciar e salvaguardar desta forma a majestade das suas funções. A “nota informativa” da Comissão Nacional de Eleições (CNE) sobre a publicidade institucional nas pré-campanhas e campanhas eleitorais é uma prova desse agudo instinto de sobrevivência das burocracias.
Pegando no evidente interesse público que procura garantir igualdade de oportunidades a todos os candidatos a eleições, a CNE recorre a uma aguda interpretação da lei que obriga os serviços de comunicação de autarquias, do Governo e demais instituições públicas a um inexplicável regime de clausura. Durante os longos meses de pré-campanha e campanha de três eleições, os departamentos de comunicação não ficam apenas obrigados a abster-se de fazer propaganda; deixam pura e simplesmente de funcionar, a não ser para dar conta de festas na paróquia ou de eventos de “grave e urgente necessidade pública”.
Que há absoluta necessidade de travar os instintos eleitoralistas de partidos, de dirigentes políticos ou gestores públicos nomeados pelo Governo sempre ávidos de publicidade para se promoverem junto dos eleitores à custa de recursos públicos, ninguém tem dúvida. Mas impor-lhes a lei da rolha durante tantos meses é algo completamente diferente.
Uma coisa é travar um mês antes das eleições a inauguração de uma praça ou o anúncio de um magnífico programa de obras públicas, outra coisa é promover junto dos cidadãos uma região ou um concelho como destino turístico ou uma iniciativa de evidente interesse social; uma coisa é um político usar um evento para se exibir e exibir junto dos eleitores as façanhas de um partido numa câmara ou num ministério; outra coisa é ser impedido de usar palavras e expressões determinadas pela CNE, como “fazemos melhor”.
Para lá de ser discutível que um organismo do Estado possa arrogar-se a impor limites à liberdade de expressão, o esclarecimento da CNE paralisa durante meses a relação da administração pública com os cidadãos e penaliza o mercado da publicidade – sim, caro leitor, este editorial contém, como é óbvio, uma posição interessada sobre as restrições que a CNE quer impor.
Ao querer criar um novo catecismo doutrinário sobre a propaganda eleitoral feito de silêncio ascético, de recolhimento conventual e de palavras proibidas, a CNE exorbita as suas funções. Entre evitar e punir abusos e impor uma ética exagerando as disposições da lei vai uma grande distância.