A arte de bem assaltar todos os bancos
Ninguém imagina o que é preciso pagar e aturar de contabilistas, advogados e políticos para se poder assaltar hoje um banco em condições.
Eu sei que custa a acreditar a quem já nasceu no tempo da internet e dos telemóveis, mas houve um tempo em que os assaltantes dos bancos entravam inesperadamente no banco que iam assaltar, uma vez que o factor surpresa era muito importante para o êxito da operação. Iam, calcule-se, com máscaras nas caras para não serem reconhecidos e eram sempre um pequeno grupo para correrem menos riscos. Se houvesse câmaras de imagem nas instalações do banco, destruíam-nas. Depois de sacarem o dinheiro, desapareciam o mais depressa possível. Não mais eram vistos nas imediações dos bancos e, se eram apanhados pelas autoridades, iam presos.
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Eu sei que custa a acreditar a quem já nasceu no tempo da internet e dos telemóveis, mas houve um tempo em que os assaltantes dos bancos entravam inesperadamente no banco que iam assaltar, uma vez que o factor surpresa era muito importante para o êxito da operação. Iam, calcule-se, com máscaras nas caras para não serem reconhecidos e eram sempre um pequeno grupo para correrem menos riscos. Se houvesse câmaras de imagem nas instalações do banco, destruíam-nas. Depois de sacarem o dinheiro, desapareciam o mais depressa possível. Não mais eram vistos nas imediações dos bancos e, se eram apanhados pelas autoridades, iam presos.
Hoje em dia, os assaltantes dos bancos entram de cara descoberta e de peito feito nos bancos. São nomeados ou eleitos para os conselhos de administração ou outros órgãos de gestão. Aí permanecem anos a fio, rodando, por vezes, entre diversos bancos. Não têm receio das câmaras, dão a cara, conferências de imprensa e entrevistas. Não têm pressa em sair dos bancos, antes pelo contrário. Resistem tenazmente a quem os procura afastar e, verdade seja dita, há leis que os protegem dada a sua inequívoca idoneidade.
E, quando são afastados dos bancos, passamos a ouvi-los e a vê-los a lamentarem-se publicamente, naturalmente magoados e sentidos com tão grave injustiça. São verdadeiras vítimas: foram assaltados e afastados à má-fé e à má fila. Podem, até, ser condenados numas multas de mais milhão, menos milhão de euros, mas o que conta isso se estão de consciência tranquila? E, como não fogem, têm tempo até para organizar os bancos, colocando as pessoas certas nos lugares certos. Por vezes, transformando bancários em banqueiros. Outras vezes, estabelecendo que quaisquer multas ou outras despesas suas serão suportadas pelo banco que abnegadamente servem.
E, depois, assaltar bancos hoje em dia não é só tirar o dinheiro dos bancos. Nem pensar. Isso era de um grande primarismo e, até, tacanhez em termos de objectivos. Hoje em dia, o dinheiro que está nos bancos é pouco. É preciso ir buscar o dinheiro que está fora dos bancos, o dinheiro dos contribuintes. Esse sim, já vale a pena.
Mas dá muito trabalho. É preciso cultivar e contar com muitas amizades. Dentro e fora dos bancos. Implica saber emprestar dinheiro sem exigir garantias por se saber que o dinheiro emprestado vai ser bem empregue. Por exemplo, para agradecer um conselho a um amigo, 10 ou 15 milhões de euros entregues são uma liberalidade e não uma esmola que, naturalmente, iria pôr em causa a dignidade e a idoneidade de quem a recebesse. Às vezes, é necessário exigir uma garantia: nesse caso, o mais seguro é uma garantia pessoal para se poder executar o património pessoal do devedor. Por exemplo, numa dívida de 30 ou 40 milhões de euros, obter uma garantia pessoal que se consegue fazer desaparecer e ninguém ser responsabilizado por isso é um feito que, seguramente, não está ao alcance de um qualquer assaltante.
Manter, por exemplo, no sector bancário, uma empresa que paga, durante dezenas de anos, remunerações e prémios a familiares e amigos, não declarados em lado algum, também não é para principiantes. Ninguém imagina o que é preciso pagar e aturar de contabilistas, advogados e políticos para se poder assaltar um banco em condições. A própria criação de um sem número de empresas offshores com nomes pitorescos exige muito dos assaltantes. E as viagens? Alguém sabe o que é ter de ir mais do que uma vez a Porto Rico só para fazer um investimento ruinoso em nome de um banco? Ver milhões de euros desaparecerem e ainda pagar avultadas comissões? E fazer desaparecer durante anos e anos prejuízos na contabilidade de um banco? E ganhar três milhões de euros como presidente do conselho de administração de um banco no ano em que o mesmo vai à falência? E conseguir que ex-dirigentes de um banco falido por fraudes diversas tenham ordenados principescos em empresas estatais?
Pessoalmente, tenho uma enorme admiração pela jornalista Cristina Ferreira que, ao longo dos anos aqui no PÚBLICO, me tem ajudado a compreender como se assaltam os bancos nos tempos que correm mas, para dizer a verdade, não consigo deixar de ter umas imensas saudades dos irmãos Metralha e dos irmãos Dalton. Só assaltavam os bancos. Não nos andavam a gozar.