Tribunais decretam visitas de progenitores agressores a filhos em casas de abrigo

De acordo com o psicólogo da APAV, há vários casos em que o Tribunal Criminal decreta uma medida de afastamento ao mesmo tempo que o Tribunal de Família e Menores decreta um período de visitas do progenitor agressor aos filhos, sem ouvir a criança.

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Adriano Miranda

Os Tribunais de Família estão a decretar visitas de pais a filhos em situações em que os menores estão escondidos daquele progenitor agressor em casas de abrigo, pondo em risco a segurança das vítimas, denunciou nesta quinta-feira a APAV.

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Os Tribunais de Família estão a decretar visitas de pais a filhos em situações em que os menores estão escondidos daquele progenitor agressor em casas de abrigo, pondo em risco a segurança das vítimas, denunciou nesta quinta-feira a APAV.

Em entrevista à agência Lusa, o psicólogo e responsável pela área da violência de género e doméstica da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) adiantou que há um "desfasamento" entre os Tribunais de Família e Menores, onde correm os processos de regulação das responsabilidades parentais, e os Tribunais Criminais, que decidem sobre processos-crime, como os de violência doméstica.

Este "desfasamento" faz com que o Tribunal Criminal decrete uma medida de afastamento e de protecção da vítima de violência doméstica e dos filhos, ao mesmo tempo que o Tribunal de Família e Menores decreta um período de visitas do progenitor agressor aos filhos.

"Isto é muito difícil de gerir e é sobretudo muito difícil de explicar às vítimas. Como é que o mesmo Estado ou a mesma justiça que me quer proteger, ao mesmo tempo me desprotege e me coloca numa situação de risco", questionou.

O responsável apontou que isto acontece graças à falta de comunicação entre os dois tribunais e à falta de articulação nas intervenções, em que "as pessoas são tratadas como se fossem um papel", no meio de um "processo altamente burocratizado".

Perante uma decisão do tribunal para que o progenitor agressor possa visitar os filhos, as vítimas "têm que cumprir, mesmo que estejam numa casa de abrigo", já que se não cumprirem o que foi decretado pelo tribunal podem ser inibidas do poder das responsabilidades parentais ou ser novamente chamadas para uma conferência de regulação.

"O próprio agressor pode avançar com um processo por subtracção de menor, por rapto ou por sequestro", exemplificou Daniel Cotrim, acrescentando que perante uma decisão jurídica desta natureza, "as pessoas têm de a cumprir sempre porque incumprindo-a vão correr sempre algum risco".

Nesse sentido, adiantou que a APAV aconselha sempre a que "não incumpram com aquilo que é a medida decretada pelo tribunal, ainda que não concordem com ela e não faça sentido".

"Aquilo que muitas vezes fazemos enquanto instituição é articular com as forças de segurança para serem elas os espaços de visitas, de contacto, entre o agressor ou agressora e os filhos, filhas", revelou Daniel Cotrim.

Contou também que tem havido "uma clara imposição" por parte dos Tribunais de Família e Menores para que aconteçam os encontros entre as crianças e jovens e os progenitores agressores.

"Chegamos ao ponto de ter algumas situações em que se quer fazer saber quais são as moradas das casas de abrigo, que são, por definição, espaços confidenciais, secretos e anónimos, para que o agressor ou a agressora possam saber em que local é que os filhos estão a residir para que aconteçam lá as visitas", denunciou.

Na opinião do responsável, esta é uma situação que "não tem sentido absolutamente nenhum porque coloca em causa e em risco todas as pessoas que estão envolvidas no processo", além das outras mulheres e crianças que vivam na casa de abrigo, bem como todos os funcionários.

Revelou que, nesses casos, a APAV apresenta a morada da sede da associação para efeitos de notificação, e garantiu que nunca houve nenhum caso de um progenitor agressor a visitar os filhos numa casa de abrigo da APAV.

"Não permitimos e não queremos que essas situações aconteçam dessa maneira porque o objectivo da APAV é proteger as vítimas", sublinhou, admitindo que por vontade dos tribunais esses encontros já teriam "possivelmente" acontecido.

É preciso que os tribunais ouçam as crianças

Daniel Cotrim apontou que "é importante ouvir os jovens e as crianças" nos processos de regulação das responsabilidades parentais quando existe uma situação de violência doméstica "porque eles têm muitas coisas importantes para dizer".

"Isto não acontece, não são ouvidas as crianças e os jovens neste tipo de processos", criticou Daniel Cotrim.

De acordo com o responsável, só recentemente começou a haver alguma sensibilidade e sensibilização por parte dos magistrados para perceberem o que é que as crianças querem.

"Elas são especialistas em questões de risco e segurança porque eles conhecem muito bem quais são as dinâmicas daquele relacionamento abusivo entre o pai e a mãe", defendeu, acrescentando que conhecem "os gatilhos" e os momentos em que o risco aumenta.

O psicólogo revelou que nesses casos são muitas vezes os próprios filhos quem não quer esse contacto, seja pelo medo que o agressor descubra onde é que eles estão agora a viver, seja por recearem que a situação de violência volte a repetir-se.

"Ouvimos muitas vezes dos jovens que têm medo destas visitas porque não se sentem como os importantes da visita, mas sim que servem para ser mensageiros de um pedido de reconciliação por parte do agressor, pedindo para suspender o processo ou voltar para casa", disse Daniel Cotrim.

Governo irá propor nesta quinta-feira a criação de tribunais mistos especializados em casos de violência doméstica, com competências mistas na área do Direito da Família e do Criminal, para dar resposta aos processos que se referem às responsabilidades parentais, à violência doméstica e aos maus tratos.