Inquéritos parlamentares
O Parlamento sai reforçado com o novo regime jurídico dos inquéritos parlamentares.
Num tempo em que os fatores de dissenso tendem a marcar, até à saturação, o cenário político, creio que vale a pena assinalar o contributo muito positivo dado pelo conjunto dos grupos parlamentares para a atualização do regime jurídico dos inquéritos parlamentares, reforçando claramente as capacidades de apreciação pelo parlamento das matérias objeto de avaliação.
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Num tempo em que os fatores de dissenso tendem a marcar, até à saturação, o cenário político, creio que vale a pena assinalar o contributo muito positivo dado pelo conjunto dos grupos parlamentares para a atualização do regime jurídico dos inquéritos parlamentares, reforçando claramente as capacidades de apreciação pelo parlamento das matérias objeto de avaliação.
O resultado dos trabalhos de revisão da Lei n.º 5/93 (entretanto já atualizada e melhorada por outros diplomas) comporta um conjunto de inovações que é importante registar.
Em primeiro lugar, uma significativa valorização do papel próprio de cada deputado membro de uma Comissão de Inquérito. A par da exigência de inexistência de conflito de interesses em relação ao objeto do inquérito, doravante o deputado deve também afirmar compromisso de isenção no apuramento dos factos. Não é pequena coisa a ordem jurídica determinar a isenção como valor primordial, o que equivale a dizer que em sede de comissão de inquérito os deputados deixam de estar subordinados a disciplina partidária.
Em segundo lugar, e em coerência, é expressamente garantido que as deliberações são tomadas pela maioria de votos individualmente expressos, o que reforça a posição de que é a vontade de cada deputado que prevalece e não a da formação política em que está inserido. Valorização, portanto, do princípio da responsabilidade individual. Que mais se aprofunda pela garantia de que todos os deputados – e não apenas porta-vozes parlamentares – têm direito de intervenção em cada audiência efetuada.
Em terceiro lugar, a definição do método de aprovação dos relatórios assente na votação singular de cada uma das conclusões, pois cada uma delas valerá por si – e isso sem prejuízo da apreciação ponto a ponto, se for o caso, de formulações alternativas. Tal significa que o relator indicado – que, no caso das iniciativas potestativas, será oriundo dos seus autores – terá de confrontar abertamente cada uma das conclusões que propuser com quaisquer outras formulações eventualmente apresentadas. No resultado final de um contraditório mais apurado é legítimo esperar uma mais assertiva objetividade, tanto mais que cada uma das conclusões deve ainda conter o respetivo fundamento. Além do mais, na memória do relatório constarão igualmente as posições vencidas.
Em quarto lugar, as comissões de inquérito passarão a poder, com o relatório, aprovar eventuais recomendações face às conclusões aprovadas – o que poderá ocorrer sem prejuízo da tomada de resoluções pelo plenário.
Em quinto lugar, a par da figura do relator individual, inova-se no sentido de as comissões poderem constituir a figura do relator coletivo, composto por três deputados (sendo necessariamente um deles de grupo parlamentar não representado no Governo), solução que, quando estabelecida, poderá permitir um concurso de maior objetividade inicial no apuramento de factos e conclusões.
Em sexto lugar, reforço da capacidade das comissões de inquérito na obtenção de depoimentos, informações e documentos, sendo a invocação de segredo suscetível de apreciação em processo de urgência pelas secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo da continuidade dos trabalhos da comissão.
Em sétimo lugar, uma maior exigência na proteção, por parte das próprias comissões, das matérias sujeitas a sigilo ou não suscetíveis de divulgação, nos termos da lei.
Mediante mais alguns aperfeiçoamentos técnico-jurídicos de natureza procedimental, o novo regime jurídico dos inquéritos parlamentares poderá constituir-se, em próxima legislatura, como um instrumento regulador de assegurada idoneidade para garantir a eficácia, a validade e o prestígio de um instituto recorrentemente considerado indispensável ao melhor combate pela transparência dos atos da administração e dos executivos e à sua correspondente responsabilização.
Todavia, como todos sabemos, a qualidade do funcionamento da democracia e das instituições não assenta só na normatividade regulatória. Depende, e de que maneira, da qualidade de desempenho dos seus servidores. E esse é já um domínio para além do contributo jurídico. Certo é que se uma lei atribui aos deputados da república responsabilidade pessoal direta, fundada no princípio da isenção, pelo exercício de uma missão – de inquirir e concluir – particularmente exigente, então todos nos poderemos empenhar na exigência comum de que o sentido da responsabilidade se torne cada vez mais presente no exercício de funções políticas e, em particular, as de representação democrática.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico