Ao volante de um Uber, Felipa Garnel coleccionou histórias de passageiros
A ex-directora de revistas cor-de-rosa conduziu um Uber durante um mês e reuniu as histórias dos seus passageiros no livro Confidências, da editora Lua de Papel.
Desde pequena que sonhava ser “taxista por uns tempos”. O sonho tornou-se realidade não ao volante de um táxi, mas de um carro privado em que usava a aplicação Uber. A sonhadora era Felipa Garnel, a ex-directora das revistas Caras e Lux, que concretizou o seu desejo e transportou-o para o livro Confidências, da editora Lua de Papel, com lançamento marcado para o próximo dia 11, em Lisboa. “De repente tive o mundo no carro”, resume.
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Desde pequena que sonhava ser “taxista por uns tempos”. O sonho tornou-se realidade não ao volante de um táxi, mas de um carro privado em que usava a aplicação Uber. A sonhadora era Felipa Garnel, a ex-directora das revistas Caras e Lux, que concretizou o seu desejo e transportou-o para o livro Confidências, da editora Lua de Papel, com lançamento marcado para o próximo dia 11, em Lisboa. “De repente tive o mundo no carro”, resume.
Num mês, transportou cerca de 500 pessoas de várias nacionalidades e durante a semana, às vezes também ao fim-de-semana, fazia, em média “15 a 20 viagens”, preferindo sempre as mais longas. Eram essas que lhe interessavam “porque tinha mais tempo de conversa” e a oportunidade para criar um ambiente de proximidade com quem transportava. “Nem nos melhores dias, quando decidi fazer isto, pensei em ter histórias como as que tive”, confessa ao PÚBLICO.
O objectivo desta “experiência pessoal” – com a qual as filhas discordaram e tentaram veemente dissuadi-la de a concretizar, uma delas chegou a perguntar: “O que seria ser motorista dos nossos amigos?” –, era escrever um livro “sem qualquer pretensão literária ou sociológica”, mas que “não deixasse de ser um retrato do mundo em que vivemos”, salienta.
Para escrever, o carro revelou-se um grande aliado já que é um “meio propício ao desabafo e à partilha”, reconhece. “Não sei se por ser itinerante, se pelo facto de que com um desconhecido a coisa fica ali”, calcula. No entanto, transportou pessoas que nem sequer lhe desejaram um “bom dia”, que preferiram o silêncio ou que “até estavam a precisar de falar” mas não o fizeram.
Felipa Garnel diz que os que a reconheciam de programas de televisão como Mundo Vip (SIC), Canta por Mim ou Face to Face (TVI), reagiam com estranheza e surpresa ao vê-lo ao volante. “Com a confiança da conversa queriam era saber a minha história e eu não conseguia saber a história deles”, conta. E era a deles que lhe interessava, as histórias que ouviu e reproduziu no livro são muitas e variadas, como a da rapariga que foi violada e sequestrada no Brasil; a do veterano da guerra do Vietname com uma perna amputada que voltou a encontrar o amor da sua vida passados 40 anos; a da jovem enfermeira que perdeu a mãe toxicodependente com cancro do pulmão; ou mesmo a do caso de violência doméstica entre um casal de franceses em plena viagem – que levou Felipa Garnel a expulsar o homem do carro.
Em Confidências tentou ser fiel aos factos. “A seguir a todas as viagens, desligava a aplicação [da Uber] e gravava no telemóvel todos os pormenores de que me lembrava [da conversa com o cliente]. Não gravava os diálogos, porque é proibido”, salvaguarda a ex-jornalista que deixou expirar a carteira profissional, o documento de identificação da profissão. Alguns nomes e trajectos foram alterados para respeitar a identidade dos passageiros, mas outros mantiveram-se pois pediu autorização às pessoas envolvidas para usar as suas histórias e identidades.
O livro ainda não foi lançado, mas já está a gerar polémica. No programa As Três da Manhã da Rádio Renascença, na rubrica Extremamente Desagradável, Joana Marques questiona a veracidade das histórias e dos pormenores descritos. Ao PÚBLICO, Felipa Garnel desvaloriza – “esta é apenas uma reacção”, responde, acrescentando que ao escrever o livro tinha a noção que “iria ser alvo da atenção dos media”.
Depois de um mês de trabalho na estrada, Garnel não se apropriou apenas das histórias de vida dos seus passageiros, mas também dos males da profissão. A ex-apresentadora reconhece que “os taxistas têm alguma razão nas suas queixas” contra os outros motoristas. Afinal, para se ser taxista é preciso fazer cursos, além de ter uma licença que é “escassa e cara”. Foi por essas razões que optou por levar a cabo a experiência como motorista para a Uber, uma solução mais fácil e eficaz, reconhece.
Felipa Garnel confessa que aquela actividade foi “um privilégio” e admite que nunca se sentiu discriminada por ser mulher, pelo contrário, chegou a sentir na expressão de uma mãe que a chamou para transportar a filha “a tranquilidade pelo facto de ser uma mulher”. Ao PÚBLICO deixou claro que não se dedicou a este projecto por dinheiro, já que o que obteve enquanto motorista ficou para a Bluwalk, com a qual fez uma parceria para poder utilizar um veículo daquela empresa.
A ex-apresentadora, que começou a sua carreira como assistente de Nicolau Breyner no concurso Jogo das Cartas, na RTP, reconhece que a Uber é uma empresa “democrática”, que tem um sistema de avaliação de passageiros (que actualmente já não existe em Portugal) e motoristas “muito justo”; e que se preocupa em dar resposta às necessidades dos clientes. No entanto, aponta críticas aos salários dos motoristas, que para fazer render o aluguer do carro, muitas vezes, são “obrigados a executar trabalhos privados” – ou seja, cobram o valor da viagem, mas não a registam na aplicação, denuncia –, ou a trabalhar em simultâneo para outras plataformas. “Os motoristas [que trabalham para] a Uber são mal pagos. Têm de trabalhar muito e muitas horas seguidas para conseguirem ter um ordenado aceitável de 800 euros”, lamenta.
Os próximos tempos serão de promoção do livro, e apesar de não revelar projectos para o futuro, admite que não vai “ficar por aqui”. No livro, Felipa Garnel conta que uma das filhas, para justificar a sua “loucura”, disse aos amigos que a mãe tinha criado uma lista de profissões para experimentar antes de morrer e que “a seguinte era barwoman”. A dúvida fica no ar.
Texto editado por Bárbara Wong