É o primeiro atlas dos anfíbios e répteis de Angola em mais de 120 anos
Obra tem mais de 500 páginas e já se encontra disponível no site das publicações da Academia das Ciências da Califórnia.
Desde o trabalho de José Vicente Barbosa du Bocage, publicado em 1895, que não havia um atlas que sistematizasse todos os anfíbios e répteis existentes em Angola. Apresentado esta quinta-feira (7 de Março) na Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, o novo atlas que irá assim pôr fim a esse hiato de 123 anos: resulta de um projecto conjunto de biólogos portugueses com o Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação angolano, incluindo ainda instituições norte-americanas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Desde o trabalho de José Vicente Barbosa du Bocage, publicado em 1895, que não havia um atlas que sistematizasse todos os anfíbios e répteis existentes em Angola. Apresentado esta quinta-feira (7 de Março) na Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, o novo atlas que irá assim pôr fim a esse hiato de 123 anos: resulta de um projecto conjunto de biólogos portugueses com o Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação angolano, incluindo ainda instituições norte-americanas.
“Relativamente às particularidades do atlas, apresenta uma compilação de dados espalhados por mais de 900 publicações científicas, cobrindo um horizonte temporal de mais de 170 anos (de 1840 até 2017) e 117 espécies de anfíbios e 278 espécies de répteis”, conta o biólogo Luís Ceríaco, um dos autores do atlas, ao lado de Mariana Marques (do Centro de Estudos em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto e do Museu de História Natural e da Ciência de Lisboa), David Blackburn (do Museu de História Natural da Universidade da Florida) e Aaron Bauer (da Universidade de Villanova, nos EUA).
“É o primeiro atlas sobre a herpetofauna de Angola desde a publicação do Herpetologie d' Angola e du Congo em 1895 pelo zoólogo português José Vicente Barbosa du Bocage, à altura director do Museu de História Natural de Lisboa”, sublinha Luís Ceríaco, que é curador-chefe do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto e curador externo de herpetologia do MUHNAC.
A obra que agora será apresentada em livro tem mais de 500 páginas e já se encontra disponível no site das publicações da Academia das Ciências da Califórnia. “Para cada uma das espécies, apresentámos todos os dados conhecidos para Angola. É a mais actualizada e completa obra de referência sobre o tópico e que certamente marcará as próximas décadas da disciplina em Angola e na região”, explica Luís Ceríaco. Estão lá os vários nomes de como uma espécie é designada para Angola, o seu estatuto de conservação global, a sua distribuição global e a sua distribuição em Angola, entre muitos outros aspectos.
“O nosso objectivo foi criar uma ferramenta útil a investigadores, estudantes, agências de conservação nacionais e internacionais, bem como às entidades do governo com responsabilidade no estudo e conservação da biodiversidade. Compilando todos os dados numa única obra, facilita de sobremaneira a vida a todos, visto que não necessitam de perder tempo a procurar dados ‘perdidos’ em publicações muito antigas, de difícil acesso e em várias línguas”, sublinha o biólogo português. “A obra é também única no contexto da África subsariana, visto que nenhum país (nem mesmo a África do Sul) tem actualmente uma obra que compile todos estes dados de forma sistemática e detalhada.”
Expedições modernas
Mas para além da consulta dos registos científicos históricos, houve também novos levantamento dos répteis e anfíbios no território angolano, em várias expedições desde 2013. E descobriram-se espécies novas, como o lagarto-espinhoso-do-kaokoveld (Cordylus namakuiyus) e um sapo pigmeu (Poyntonophrynus pachnodes).
Conta Luís Ceríaco que a base do atlas nasceu da tese de mestrado de Mariana Marques (primeira autora do atlas), então na Universidade de Évora. Tendo como co-orientador Luís Ceríaco e orientador principal Aaron Bauer, a tese de mestrado viria a ser o mote inicial para o levantamento dos répteis e anfíbios de Angola. Na compilação da informação bibliográfica sobre a presença destes animais em território angolano, os investigadores constataram que esse conhecimento era muito limitado.
Por isso, Luís Ceríaco e Mariana Marques juntaram-se a David Blackburn e Aaron Bauer em parceria com o Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação de Angola e avançaram para o levantamento da herpetofauna angolana, incluindo várias expedições.
O resultado é o atlas (em inglês) agora apresentado, com prefácio da ministra do Ambiente de Angola, Paula Francisco Coelho: “O atlas proporciona-nos uma arrebatadora visita guiada pela diversidade da herpetofauna angolana, levando-nos aos mais recônditos e inimagináveis cantos do país. Por entre montanhas e escarpas, planícies e vales, savanas e densas florestas, rios e riachos, lagos e lagoas, a obra perpassa o país de lés-a-lés, transpondo-nos num enleante tour de conhecimento.”
E se esta obra mostra tudo o que se foi sabendo ao longo dos tempos sobre os répteis e anfíbios do território angolano, para Luís Ceríaco ela traz ainda um outro importante resultado: “Principalmente, pomos em destaque o quanto ainda não conhecemos deste que é um dos maiores países do continente, riquíssimo em termos de biodiversidade.”
É a José Vicente Barbosa du Bocage (1823-1907) que o atlas é dedicado, pelo seu papel como fundador da herpetologia angolana. A partir do Museu de História Natural de Lisboa, Bocage coordenou uma rede de colaboradores e exploradores em Angola que lhe enviavam de lá muitos exemplares, resultando na obra que publicou em 1895, então com 191 espécies (41 anfíbios e 150 répteis). A lista compilada no novo atlas cresceu para 395 espécies (117 anfíbios e 278 répteis).