"Não tenho qualquer agenda escondida", garante Rui Pinto
O hacker garante que o furto de informação aos grandes clubes foi feita "ao serviço do interesse público". Ligado a um desvio de dinheiro a um banco e a uma tentativa de extorsão a um fundo de investimento, esteve na origem da publicação de 70 milhões de documentos que originaram investigações à escala internacional.
“Aí está, o homem que todos estão a tentar encontrar”. Foi desta forma que, em Janeiro passado, a revista alemã Der Spiegel revelou a verdadeira identidade de “John”, o homem responsável pela página Football Leaks. O pirata informático que, desde 2015, publicou informação sensível sobre os maiores clubes e entidades do futebol europeu era português e chamava-se Rui Pinto.
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“Aí está, o homem que todos estão a tentar encontrar”. Foi desta forma que, em Janeiro passado, a revista alemã Der Spiegel revelou a verdadeira identidade de “John”, o homem responsável pela página Football Leaks. O pirata informático que, desde 2015, publicou informação sensível sobre os maiores clubes e entidades do futebol europeu era português e chamava-se Rui Pinto.
“Não me considero um hacker, mas sim um cidadão que agiu ao serviço do interesse público. A minha única intenção era revelar práticas ilícitas que afectam o mundo do futebol”, afirmou Rui Pinto em entrevista à Der Spiegel, após ter deixado o anonimato.
Rui Pinto tem 30 anos e cresceu na freguesia de Canidelo, em Vila Nova de Gaia. Na faculdade ingressou no curso de História e fez Erasmus em Budapeste, capital da Hungria. Curiosamente, Rui Pinto é um autodidacta na informática. Apesar de não ter formação académica na área, o pirata informático conseguiu aceder — e, posteriormente, trazer a público — a milhões de documentos cuja existência era desconhecida ao grande público. A revista Sábado foi a primeira a revelar a identidade de "John", por suspeitas do roubo de correspondência electrónica ao Benfica.
Entrou de rompante no mundo do futebol em Setembro de 2015. Em apenas quatro anos, divulgou 70 milhões de documentos, número seis vezes superior ao da investigação dos Panama Papers. Em colaboração com o consórcio europeu de jornalistas EIC (European Investigative Collaborations), conseguiu que as fugas de informação fizessem capas por toda a Europa.
“Iniciei um movimento espontâneo de revelações sobre a indústria do futebol. Portanto, não sou o único envolvido. Com o passar do tempo, mais e mais fontes foram-se juntado [ao Football Leaks], fontes essas que partilharam material comigo que permitiu expandir a base de dados. Isso demonstra que há várias pessoas preocupadas com esta matéria [da transparência no futebol]”, garantiu à Der Spiegel.
"Sou adepto do FC Porto"
Rui Pinto nunca escondeu um carinho especial pelos “dragões”. Mas garantiu, porém, que a preferência clubística nunca interferiu nos documentos que, segundo o próprio, cumpriam o propósito único de expor crimes cometidos pelos clubes: “Sou adepto do FC Porto, mas isso nunca me impediu de partilhar e publicar informação relevante. Não tenho qualquer agenda escondida. Isso mostra que sou transparente e não poderia continuar com isto para sempre”.
Vários documentos partilhados pelo Football Leaks chegariam mesmo a originar investigações internacionais. Cristiano Ronaldo e Jorge Mendes foram investigados por suspeitas de fuga ao fisco espanhol. O jogador português teria alegadamente desviado 150 milhões para um paraíso fiscal, com o objectivo de fugir ao pagamento de direitos de imagem. Ronaldo foi investigado em Espanha e condenado a pagar 16,7 milhões de euros.
Os fundos de investimento foram outro dos alvos do hacker. A Doyen Investment Sports, que financia passes de jogadores e treinadores, foi a principal visada nos documentos que chegaram “às mãos” de Rui Pinto. Esses ficheiros continham informação muito comprometedora e o português chegou a sondar representantes da Doyen para saber que quantia estaria o fundo de investimento disposto a pagar para recuperar os documentos furtados.
“É absolutamente verdade que ele [Rui Pinto] queria testar até onde a Doyen estaria disposta a ir. Foi mais uma brincadeira infantil do que outra coisa”, alegaria William Bourdon, advogado do pirata informático. Foi, inclusivamente, a denúncia do fundo de investimento que desencadeou o mandado europeu que culminou na detenção de Rui Pinto, na Hungria, a 16 de Janeiro.
Ficou com 17 mil euros desviados de banco
Aos 23 anos, Rui Pinto foi chamado pela primeira vez à justiça. Era acusado por um banco sediado nas ilhas Caimão de ter desviado 264 mil euros. Em entrevista à Der Spiegel, o português garantiu que não tinha recebido qualquer dinheiro desse banco. Porém, apesar de ter devolvido parte do dinheiro — depois de ter chegado a acordo com a instituição de crédito — acabaria por ficar com 17 mil euros resultantes da invasão ao sistema informático do Caledonian Bank.
Rui Pinto é, também, o principal suspeito do furto de correspondência electrónica do Benfica. É exactamente por essa suspeita que se mostra reticente em voltar a Portugal. Esta terça-feira, no tribunal, voltou a não responder a perguntas sobre o caso da correspondência electrónica, preferindo desviar as atenções para o caso que está agora em julgamento: “Sobre o roubo não tenho nada a dizer. Isso têm de perguntar ao Francisco J. Marques, que recebeu os emails. Esta tentativa de colagem do Football Leaks com o roubo dos emails é ridícula”.
Rui Pinto aguarda a decisão do tribunal húngaro em relação ao recurso interposto pela equipa de defesa, depois de a Justiça húngara o ter decidido extraditar para Portugal. Veredicto final demorará entre uma e três semanas a ser conhecido.