Número de inquéritos a casos de corrupção duplica mas número de acusações mantém-se
Número de condenados por corrupção subiu em 2017 para mais do dobro do ano anterior, mas evolução nos últimos anos não foi sempre positiva.
Na área do combate à corrupção, em quatro anos (de 2014 a Outubro de 2018) o número de investigações mais do que duplicou, de 1619 para 3309, segundo dados divulgados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no final do ano passado. Mas o número de acusações não acompanhou o aumento e manteve-se sem grandes oscilações.
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Na área do combate à corrupção, em quatro anos (de 2014 a Outubro de 2018) o número de investigações mais do que duplicou, de 1619 para 3309, segundo dados divulgados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no final do ano passado. Mas o número de acusações não acompanhou o aumento e manteve-se sem grandes oscilações.
Entre Setembro de 2014 e final de Agosto de 2015 o Ministério Público contabilizou 143 acusações na área da criminalidade económico-financeira, numero que subiu para 154 no período homólogo de 2015/2016 e para os 160 em 2016/2017. Os últimos dados, relativos a 12 meses, mas entre Novembro de 2017 e final de Outubro passado, já registaram apenas 152 acusações.
Nos últimos anos, multiplicaram-se os casos que envolvem importantes figuras do poder político, com o ex-primeiro ministro José Sócrates a ser acusado de corrupção e o antigo ministro socialista Armando Vara a cumprir pena de prisão.
Apesar de não haver estudos sobre o impacto destes casos na forma como a opinião pública olha para o combate à corrupção, os especialistas acreditam que foram entendidos como um sinal de que, para a Justiça, não há intocáveis. “Havia muito a percepção de que a Justiça não incomodava os poderosos. Estes processos criaram a convicção que todos podem ser incomodados, independentemente do seu poder económico e político”, acredita Conceição Gomes, coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça da Universidade de Coimbra. Pedro Barbas Homem, professor universitário e antigo director do centro que forma magistrados, também considera que esta dinâmica cria a convicção de que não há pessoas impunes.
Em termos de taxas de condenação, a PGR apenas analisou os anos de 2014/2015 e 2015/2016. No primeiro período, em 125 decisões finais envolvendo 179 arguidos, houve decisão de condenação ou a aceitação por parte do arguido de determinadas obrigações após reconhecer que praticou o crime, conseguindo assim evitar o julgamento – a chamada suspensão provisória do processo – em 86 processos, abarcando 98 arguidos. Em 2015/2016, 51 casos de um universo de 78 decisões finais terminaram com condenação ou suspensão provisória, situação que envolveu 60 dos 109 arguidos envolvidos nestes processos. Em ambos os períodos, a taxa de condenação por arguido ficou nos 55%.
Megaprocesso fez aumentar condenados
O PÚBLICO solicitou ainda ao Ministério da Justiça a evolução das condenações apenas pelo crime de corrupção. Em 2017, os dados mais recentes mostram que foram condenados 112 arguidos de um total de 171. O número é mais do dobro do que no ano anterior em que tinham sido condenadas 54 pessoas. O aumento é explicado em grande parte pela conclusão de um megaprocesso de corrupção com cartas de condução, julgado em Bragança, que terminou com a condenação da maioria dos 111 arguidos. Mas a análise entre 2007 e 2017 não é positiva. Entre 2007 e 2013 o número de condenados por corrupção cresceu de forma contínua passando de 48 para 54. Em 2014 começou a descer e no ano seguinte registou o número mais baixo do período, 35 condenações.
O ex-procurador-geral distrital de Coimbra, Euclides Dâmaso, já aposentado, realça que o Ministério Público apenas começou a falar no combate à corrupção no final dos anos 80. “É tudo muito recente”, assinala. Acredita que hoje há mais meios, mais saber e uma melhor organização neste combate. Mesmo assim há mudanças importantes que são muito recentes. “Os procuradores que trabalham nos departamentos especializados na criminalidade económico-financeira só começaram a ser seleccionados à luz de critérios objectivos de preparação, vocação e experiência no último ano do mandato da Dra. Joana Maques Vidal”, exemplifica Euclides Dâmaso.
Apesar da necessidade de apostar na repressão, o antigo procurador-distrital sublinha que o caminho tem que passar sobretudo pela prevenção. “O combate à corrupção faz-se muito mais pela prevenção, mas continua sem se falar neste tema nas escolas”, critica. Barbas Homem subscreve e sugere que sejam retomadas algumas práticas. “A criação de uma comissão das Obras Públicas, a presença do Ministério Público nas grandes adjudicações, a substituição de decisões individuais por colegiais, a criação de códigos de boas práticas nas entidades públicas”, enumera.
O professor universitário Nuno Garoupa nota que apesar do aumento dos inquéritos, há poucos resultados, ainda que melhores do que há uns anos quando “não havia absolutamente nada”. Atribui parte da responsabilidade ao que diz ser uma justiça penal “super garantista” por comparação com os países da OCDE ou da União Europeia. “Isso é uma opção política perfeitamente justificável. Mas é uma opção, não uma necessidade”, defende. E remata: “Uma justiça penal super garantista minimiza a possibilidade de condenar os inocentes, mas também inibe a condenação de muitos culpados. Ora, o que acontece é que a demagogia política quer vender que é possível ser garantista com os inocentes e punitivo com os culpados. Isso não existe em lado nenhum.”