Imigrantes são 4% da população. Portugal precisa de mais

Imigrantes ainda são vistos como ameaça. Mas vários estudos mostram que o país precisa que venham mais. Eles ocupam os trabalhos que os portugueses evitam e contribuem mais para a Segurança Social do que dela beneficiam.

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Os imigrantes têm vindo à rua exigir alterações à lei de estrangeiros Rui Gaudencio

Já não há espaço para quase ninguém na sala onde Om Bahadur Gharti está a fazer atendimentos, na sede da Solidariedade Imigrante (Solim), na Baixa de Lisboa. Todos os dias, dezenas de cidadãos vão ao seu encontro pedir ajuda no processo de regularização em Portugal ou outro tipo de papelada. Há cinco anos que este nepalês de 28 anos chegou a Portugal sozinho. Só mais tarde a mulher se lhe juntou.  

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Já não há espaço para quase ninguém na sala onde Om Bahadur Gharti está a fazer atendimentos, na sede da Solidariedade Imigrante (Solim), na Baixa de Lisboa. Todos os dias, dezenas de cidadãos vão ao seu encontro pedir ajuda no processo de regularização em Portugal ou outro tipo de papelada. Há cinco anos que este nepalês de 28 anos chegou a Portugal sozinho. Só mais tarde a mulher se lhe juntou.  

Esteve primeiro na Dinamarca, antes de chegar a Portugal em busca de “um futuro melhor” para a família. Não conhecia ninguém. Não é que em Portugal os salários sejam atractivos, mas obter a autorização de residência é mais fácil do que em outros países onde há um fluxo maior de imigrantes, confessa em inglês. O seu grande objectivo era chegar à Europa.

Hoje, a maioria dos imigrantes que o procura na Solim está a trabalhar na agricultura. “As condições não são boas, mas são melhores do que no Nepal.” Muitos desses trabalhadores recebem 500 ou 600 euros, por oito horas diárias, e não são raros os casos de exploração que lhe chegam aos ouvidos. “Ajudamos os imigrantes a regularizarem-se. E, quando os patrões não pagam, fazemos queixa à Autoridade para as Condições do Trabalho.” Ele próprio teve que esperar dois anos pela regularização, numa altura em que os processos no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) se acumulavam. Durante esse período, “não podia viajar, nem trazer a família”.

A demora nas marcações para a entrevista a quem faz a denominada “manifestação de interesse” ao abrigo do artigo 88 da Lei de Estrangeiros — ou seja, imigrantes que estão ou planeiam trabalhar em Portugal — continua a ser uma dificuldade para quem se quer regularizar.

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Recentemente, o Parlamento aprovou uma alteração à lei para regularizar os estrangeiros indocumentados que estejam a trabalhar e tenham feito descontos para a Segurança Social durante, pelo menos, um ano. Mas não foi consensual. A direita (PSD e CDS) votou contra, alegando que se estão a abrir indiscriminadamente as portas a todos os estrangeiros que queiram vir para Portugal.

Eis uma percepção errada, aponta Timóteo Macedo, dirigente da Solim. O peso dos imigrantes na população atesta-o: representam apenas 4% da população. “Nenhuma alteração à lei até agora provocou o ‘efeito de chamada’”, afirma. “Estamos num espaço de livre circulação, as auto-estradas da comunicação funcionam e todo o mundo sabe que Portugal está a alterar as leis. Mas poucos estão interessados em largar o trabalho que têm na Alemanha, Inglaterra, Espanha, onde ganham duas ou três vezes mais… Se houvesse um processo para legalizar pessoas na Alemanha, aí, sim, muitos dos que aqui estavam iriam. Agora Portugal não é atractivo. Tem trabalhos precários e salários baixos. Os imigrantes ocupam lugares na agricultura, restauração, no serviço doméstico, porque os portugueses já não querem trabalhar nesses sectores. As pessoas vêm lutar pela sua sobrevivência, agarram-se ao trabalho. Portugal tem é que agradecer aos que ainda têm coragem de vir e enfrentar patrões sem escrúpulos.”

Vamos aos números. Segundo o mais recente relatório do Observatório das Migrações (OM), os imigrantes estão mais representados nos grupos profissionais de base (51% estavam empregados em sectores como a construção, indústria e trabalhos não-qualificados de diferentes tipos) e têm remunerações médias inferiores às dos trabalhadores portugueses (menos 5% em 2015 e 2016). Correm mais risco de pobreza e estão mais vulneráveis ao desemprego (em 2017 a taxa de desemprego para imigrantes não-europeus era de 14,4%, enquanto para o total da população era de 8,9%). Porém, ficam menos tempo sem trabalho, desde logo porque aceitam os piores trabalhos — o que faz com que a taxa de desemprego de muito longa duração (procura de emprego há 25 meses ou mais) corresponda, entre os imigrantes, a metade (21,2%) da dos portugueses (40,7%).

São ainda mais dependentes de contratos precários: em 78,5% dos casos os portugueses que trabalham por conta de outrem têm contratos permanentes, mas entre os imigrantes essa percentagem é de 57,7%.

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Quem se opõe?

É verdade que, com a recuperação económica, tem vindo a diminuir a oposição à entrada dos imigrantes, como mostram dados do Inquérito Social Europeu, num estudo de Alice Ramos, socióloga no Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa, e coordenadora do European Social Survey. Em 2014/2015 Portugal estava entre os três países europeus que mais se opunham a receber imigrantes, mas em 2016/2017 ficou abaixo da média europeia e tornou-se aquele onde essa oposição mais baixou.

A descida de Portugal não apareceu isolada: em metade dos 20 países analisados a oposição à imigração diminuiu. Mesmo assim, ainda persiste a percepção de que a entrada de imigrantes representa uma ameaça económica (ou seja, de que é má para a economia). Não é tão acentuada como na Hungria, Polónia ou República Checa, nem é tão baixa como na Suíça ou na Suécia.

A ideia de que os imigrantes representam uma ameaça económica é um mito que não tem evidência empírica, conclui-se da análise das profissões que os estrangeiros ocupam e do saldo das contribuições e benefícios que auferem da Segurança Social. Isso mesmo afirma quem, como Timóteo Macedo, trabalha no terreno: os imigrantes “aceitam qualquer coisa, o que há na indústria, na agricultura, no trabalho doméstico” — geralmente, aquilo que os portugueses não querem fazer. E confirma-o também alguma investigação, analisa o sociólogo do Instituto Superior de Economia e Gestão João Peixoto, coordenador de Migrações e Sustentabilidade Demográfica, Perspectivas de Evolução da Sociedade e Economia Portuguesas (Fundação Francisco Manuel dos Santos).

Exemplo: mesmo nos anos em que o desemprego era mais alto, os portugueses emigraram e os estrangeiros entraram para trabalhar em áreas como a agricultura ou a assistência a idosos ao domicílio em regime interno, empregos “indesejáveis” ou mal pagos. Ou seja, os portugueses não aceitam todo o tipo de tarefas, preferem emigrar em busca de salários mais bem pagos, mesmo que seja em postos menos qualificados. “A entrada de pessoas não é uma aritmética simples”, afirma.

“Os imigrantes também alimentam a economia e às vezes vêm multiplicar o emprego — as lojas de chineses também deram emprego”, sustenta. Por outro lado, os imigrantes recorrem pouco aos benefícios sociais, e mesmo em situações de despedimento a experiência de entidades como a Solim mostra que a maioria de imigrantes do sudeste asiático, por exemplo, não recorre ao subsídio de desemprego, inclusivamente quando a ele tem direito. Este é outro facto que pode ser confirmado pelos dados. Em 2017, a relação das contribuições e das prestações sociais dos imigrantes atingiu valores inéditos desde o início de 2000, com um saldo financeiro positivo de 514,3 milhões de euros. Ou seja, os imigrantes contribuíram com 603,9 milhões e beneficiaram de apenas 89,6 milhões em 2017.

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“A percepção de que os imigrantes vão usar os recursos do Estado é generalizada”, mas não corresponde à verdade, diz João Peixoto. Aliás, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico tem feito vários estudos sobre os impactos fiscais dos estrangeiros na Europa e as conclusões repetem-se, sublinha: os impactos “são fracos, pesam pouco” à Segurança Social. Até porque quando os imigrantes ficam no desemprego normalmente “vão embora”. E quando envelhecem tendem a regressar “aos seus países”.

No estudo que João Peixoto coordenou concluiu-se que Portugal precisa de mais imigrantes para não encolher: se fechasse já as portas à imigração, se contasse apenas com as suas taxas de fecundidade e de mortalidade e nada fizesse para controlar o ritmo da emigração, passaria dos actuais 10,4 milhões para 7,8 milhões de habitantes até 2060.

“Sabemos que o grande problema da Segurança Social é o envelhecimento da população”, diz. A médio e longo prazo a escassez de pessoas, sobretudo mais qualificadas, vai ser uma questão com a qual o país terá que se confrontar. “Portugal não pode suportar mais êxodos”, avisa. “Tem é que ter uma política consistente de entradas.”

Com as novas alterações à lei, os 30 mil imigrantes estimados que estavam irregulares e trabalharam e descontaram para a Segurança Social durante, pelo menos, um ano vão poder legalizar-se, mesmo que não tenham entrado no país de forma legal. O número de 30 mil “ou mais” tem sido estimado por algumas associações como a Solim. “Deu-se um passo importante, retirou-se o poder discricionário do SEF”, afirma Timóteo Macedo sobre as mudanças recentemente aprovadas.

Há anos que a Solim e outras organizações reivindicavam que a entrada legal no país não deveria ser um requisito, pois colocava de fora milhares de pessoas que entraram num dos países do Espaço Schengen, mas não directamente em Portugal. Juristas como Maria Helena Varela (do Centro sobre Direito e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa), que está a desenvolver uma tese de doutoramento sobre trabalhadores imigrantes em situação irregular, acreditam que “o direito ao trabalho” é universal e “deve ser reconhecido a todos”: “É o trabalho que nos dignifica, que nos permite viver com o mínimo de dignidade social. Por isso deveriam ser protegidos todos os trabalhadores, pelo simples fato de o serem, independentemente do seu estatuto administrativo.”

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