António Costa não vai beneficiar com as greves
Se não há dúvidas de que as reivindicações são excessivas, também não há dúvidas de que foi o Governo que convidou ao excesso.
São José Almeida escreveu recentemente no PÚBLICO um artigo intitulado “Costa poderá beneficiar com as greves”, no qual apresenta a seguinte tese: as greves de professores e enfermeiros são impopulares e pouco compreendidas fora das respectivas classes, pelo que a posição de intransigência do actual Governo pode vir a colher frutos eleitorais. Escreve São José: “Há limites de egoísmo e de radicalismo que esbarram no bem comum. O mal-estar e a incompreensão que essas lutas sindicais possam gerar na sociedade não deverão causar grande desgaste eleitoral no PS. É até de admitir que possam vir a beneficiar a imagem do primeiro-ministro, António Costa, que surge aos olhos do país como defensor do interesse geral e do interesse público, em detrimento de interesses particulares.”
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São José Almeida escreveu recentemente no PÚBLICO um artigo intitulado “Costa poderá beneficiar com as greves”, no qual apresenta a seguinte tese: as greves de professores e enfermeiros são impopulares e pouco compreendidas fora das respectivas classes, pelo que a posição de intransigência do actual Governo pode vir a colher frutos eleitorais. Escreve São José: “Há limites de egoísmo e de radicalismo que esbarram no bem comum. O mal-estar e a incompreensão que essas lutas sindicais possam gerar na sociedade não deverão causar grande desgaste eleitoral no PS. É até de admitir que possam vir a beneficiar a imagem do primeiro-ministro, António Costa, que surge aos olhos do país como defensor do interesse geral e do interesse público, em detrimento de interesses particulares.”
Esta tese de São José Almeida tem uma lógica bastante clara – mas eu discordo profundamente dela, e vale a pena explicar porquê. A minha tese alternativa é esta: embora as greves da função pública sejam impopulares, e as pessoas reconheçam alguns méritos à intransigência de António Costa (no sentido em que o Governo está a tomar uma posição “responsável”), as pessoas também têm perfeita consciência de que foi António Costa quem colocou combustível na fornalha do descontentamento, ao adoptar a narrativa do “virar da página de austeridade”. Ou seja, se não há dúvidas de que as reivindicações são excessivas, também não há dúvidas de que foi o Governo que convidou ao excesso. Nesse sentido, as greves são duplamente impopulares: para os grevistas e para o Governo.
Não é possível convidar os portugueses a comerem um bom bife do lombo e depois oferecer-lhes tofu. Ou bem que é um banquete, ou bem que é dieta macrobiótica – convém é não confundir uma coisa com a outra, ainda que Mário Centeno apareça depois com a sua conversa de nutricionista, a explicar o que é melhor para a nossa saúde. O tofu faz melhor? Obrigadinho. Mas não tinham prometido bife do lombo? Claro que prometeram. E é nesse ponto que os professores e os enfermeiros, não tendo razão, têm toda a razão. O país não pode pagar as suas reivindicações, mas o Governo sugeriu que podia, e quem está de fora, a sofrer com as greves, percebe isso.
Neste aspecto, o governo anterior tem aqui a sua pequena vitória de Pirro, e é por isso que Passos Coelho começou a aparecer em público, a tentar ajustar contas com o passado recente. Faz ele muito bem, porque é preciso contar a história bem contada. E a história é esta: a não-austeridade nunca foi uma opção num país frágil e completamente dependente do exterior como Portugal, como se viu de 2011 a 2015, e como se está a ver de 2015 a 2019. Costuma dizer-se que a mentira tem a perna curta, e é absolutamente verdade. António Costa ainda conseguiu impor uma narrativa falsa durante três anos, mas está a ser difícil para ele estendê-la por quatro – daí a sucessão de greves, acompanhada por falhas do Estado nos mais variados sectores.
Não, António Costa não irá beneficiar com essas greves, de modo nenhum. O seu número tenderá a aumentar à medida que as eleições se aproximam, e não há forma de isso não se transformar num desgaste para o Governo, na medida em que as greves são um confronto evidente com as suas próprias mentiras. No final do ano passado escrevi um texto chamado “Uma legislatura longa demais”, e esse é o sentimento que continuo a ter: Costa vai ganhar as legislativas, mas com um resultado bem pior do que imagina.