O general Soleimani mostra cada vez mais os músculos na política iraniana
Por causa de Assad, ficou exposta a guerra que se trava entre o poderoso comandante da Guarda Revolucionária e o chefe da diplomacia. Até quando vai resistir o moderado Javad Zarif perante o falcão da guerra tornado herói popular e apoiado por Khamenei?
O papel de Qassem Soleimani na crise política no Irão expõe a influência da força de elite al-Quds, uma unidade da Guarda Revolucionária que ganhou um estatuto de celebridade depois de se ter mantido invisível durante anos.
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O papel de Qassem Soleimani na crise política no Irão expõe a influência da força de elite al-Quds, uma unidade da Guarda Revolucionária que ganhou um estatuto de celebridade depois de se ter mantido invisível durante anos.
A demissão do ministro dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif, na semana passada foi rapidamente rejeitada pelo Presidente Hassan Rouhani, mas expôs a tensão que se vive em Teerão. Zarif não foi avisado da visita de Assad, na semana passada — nem sobre a agenda —, e não esteve em nenhuma das reuniões, que contaram com a presença de Soleimani. Por isso demitiu-se.
A al-Quds, que Soleimani dirige e que é responsável pelas operações da Guarda Revolucionária no estrangeiro, apoiou firmemente Assad quando este esteve perto de ser derrotado na guerra civil que devasta a Síria desde 2011 e apoiou as milícias que derrotaram a organização jihadista Daesh no Iraque.
Estes sucessos tornaram Soleimani uma personagem instrumental para o alargamento da influência do Irão (país xiita) no Médio Oriente, que os Estados Unidos e os inimigos regionais de Teerão — a Arábia Saudita (país sunita) e Israel — tentam combater.
O Ayatollah Khamenei, o Líder Supremo do Irão, pôs Soleimani à frente da al-Quds em 1998, uma posição que manteve discretamente durante anos enquanto reforçava os laços do Irão com a milícias xiita Hezbollah no Líbano, Assad e as milícias xiitas no Iraque.
Figura pública
Nos últimos anos, tornou-se numa figura pública, com os combatentes e as chefias militares no Iraque e na Síria a publicarem nas redes sociais imagens do general nos campos de batalha — Soleimani sempre com a barba e o cabelo impecavelmente aparados.
“Soleimani é um líder operacional. Não é um homem que trabalha num gabinete. Vai para a frente para inspeccionar as tropas e para ver os combates”, disse um antigo responsável iraquiano que pediu para não ser identificado por razões de segurança.
Uma milícia iraquiana divulgou em 2004 um vídeo musical elogiando os esforços de Soleimani no combate ao Daesh, e os media estatais divulgaram várias notícias sobre o seu papel nas vitórias das milícias.
“Ele obedece directamente ao Líder Supremo. Se ele precisa de dinheiro, consegue-o. Se precisa de munições, consegue-as. Precisa de material, tem o material”, diz a mesma fonte.
Depois de Zarif ter apresentado a demissão, Soleimani fez uma rara declaração. Disse ter havido um erro “burocrático” e não a intenção de excluir Zarif, que considerou a pessoa no comando da política externa iraniana, apoiada por Khamenei.
Porém, nesta terça-feira, a agência de notícias estatal iraniana, ISNA, divulgou que o ministro não foi avisado da viagem de Assad. Citava o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Bahram Qassemi, dizendo que o objectivo da demissão de Zarif tinha sido voltar a pôr a diplomacia iraniana nos eixos certos.
Esta contenda é uma rara manifestação pública da tensão entre a Guarda Revolucionária, que desempenha um papel chave na política da República Islâmica, e os membros do governo moderado que são a favor da reconciliação com o Ocidente 40 anos depois da Revolução que em 1974 depôs o Xá Mohammad Reza Pahlavi, que era apoiado pelos Estados Unidos.
Síria, nuclear, abertura
Uma fonte regional conhecedora dos assuntos iranianos disse que Zarif e a al-Quds divergiram várias vezes sobre a Síria. A divulgação, na segunda-feira, de um discurso feito há um ano por Khamenei pôs a nu outro diferendo — sobre o acordo assinado pelo Irão e pelas potências mundiais para acabar com o seu programa nuclear em troca do fim das sanções.
O discurso expressava dúvidas sobre as aberturas do governo à Europa na tentativa de conseguir manter o acordo depois de o Presidente Donald Trump ter retirado os Estados Unidos do pacto.
Sendo major-general — a mais alta patente na cadeia de comando das Forças Armadas iranianas —, Soleimani também é responsável pela recolha de informações secretas e pelas operações militares secretas da al-Quds. No Verão do ano passado, criticou publicamente Trump.
“Estou a avisá-lo sr. Trump, estou a avisá-lo, fique a saber que estamos perto de si, estamos onde nem imagina”, disse Soleimani de dedo em riste. “Vai começar a guerra, mas nós é que vamos acabá-la”, acresentou.
Bem-falante, Soleimani tem origens humildes. Nasceu numa família de agricultores na cidade de Rabor no Sul do Irão, a 11 de Março de 1957.
Aos 13 anos, partiu para Kerman trabalhar na construção civil para ajudar o pai a pagar empréstimos, segundo o relato que ele próprio fez à Defa Press, um site sobre a história dos oito anos de guerra entre o Irão e o Iraque.
Quando a revolução que depôs o Xá começou em 1978, Soleimani trabalhava para o departamento de água de Kerman e organizava manifestações contra o monarca. Voluntariou-se para a Guarda Revolucionária e, quando a guerra com o Iraque começou, em 1980, subiu rapidamente de postos e foi destacado para combater os traficantes de droga na fronteira com o Afeganistão.
“Soleimani é um excelente ouvinte. Não se impõe. Mas consegue sempre o que quer”, disse outra fonte iraquiana que admitiu que Soleimani pode ser intimidante.
No auge da guerra civil entre sunitas e milícias xiitas no Iraque, em 2007, os militares americanos acusaram a al-Quds de fornecer explosivos improvisados às milícias xiitas, o que levou à morte de soldados americanos.
Um homem influente
Soleimani teve um papel tão importante na segurança do Iraque, através de várias milícias, que o general David Petraeus, que chefiava as forças americanas no Iraque, lhe enviou uma mensagem através do governo iraquiano, revelam os telegramas diplomáticos publicados pela Wikileaks.
Depois do referendo sobre a independência no Curdistão iraquiano, em 2017, Soleimani fez um aviso aos líderes curdos que levou à retirada de combatentes de zonas contestadas e permitiu às forças do governo central reassumirem o controlo.
E na Síria foi ainda mais influente. A sua visita a Moscovo no Verão de 2015 foi o primeiro passo no planeamento da intervenção militar russa que redesenhou a guerra na Síria e forjou a nova aliança Irão-Rússia que apoia Assad.
As suas actividades tornaram no num alvo do Departamento do Tesouro norte-americano: há sanções contra Soleimani devido ao apoio da sua força de elite ao Hezbollah e a outros grupos armados, pelo seu papel na repressão dos protestos na Síria e pela suspeita do seu envolvimento na conspiração para assassinar o embaixador saudita nos EUA.
Soleimani fazer avançar a agenda iraniana e isso pô-lo também na mira dos inimigos regionais Arábia Saudita e Israel.
Altos funcionários dos serviços secretos sauditas planearam assassinar Soleimani em 2017, diz um artigo publicado no ano passado pelo New York Times. O governo saudita não quis comentar, escreveu o Times, mas militares israelitas discutiram publicamente a possibilidade.