Fotonovelas e gente bonita
Nada contra fazer um drama romântico sobre Snu Abecassis e Sá Carneiro, mas era preciso reduzir tudo a um romance de fotonovela que não faz justiça às figuras?
Há um momento — e até fica particularmente perto do início de Snu — em que o filme de Patrícia Sequeira dá um tiro no pé do qual nunca se vai recompor. Alguém está a ver um discurso de Francisco Sá Carneiro na televisão; a câmara, de frente para o ecrã de televisão, move-se por trás de um sofá. Vemos imagens de época do antigo primeiro-ministro; o ecrã é tapado pela pessoa sentada no sofá e quando volta a aparecer já não é Sá Carneiro na televisão, é Pedro Almendra, o actor que o interpreta. E Almendra não é minimamente parecido com Sá Carneiro. E Snu perde nesse momento, definitiva e completamente, qualquer “suspensão de descrença” que exija ao espectador, porque nos quer convencer que aquele actor é Francisco Sá Carneiro, depois de nos ter peremptoriamente mostrado que não é. É um trambolhão de palmatória (ainda por cima repetido mais vezes durante o filme) que anula por completo todo o cuidado trabalho de ambientação de época (cenografia, figurinos, fotografia).
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Há um momento — e até fica particularmente perto do início de Snu — em que o filme de Patrícia Sequeira dá um tiro no pé do qual nunca se vai recompor. Alguém está a ver um discurso de Francisco Sá Carneiro na televisão; a câmara, de frente para o ecrã de televisão, move-se por trás de um sofá. Vemos imagens de época do antigo primeiro-ministro; o ecrã é tapado pela pessoa sentada no sofá e quando volta a aparecer já não é Sá Carneiro na televisão, é Pedro Almendra, o actor que o interpreta. E Almendra não é minimamente parecido com Sá Carneiro. E Snu perde nesse momento, definitiva e completamente, qualquer “suspensão de descrença” que exija ao espectador, porque nos quer convencer que aquele actor é Francisco Sá Carneiro, depois de nos ter peremptoriamente mostrado que não é. É um trambolhão de palmatória (ainda por cima repetido mais vezes durante o filme) que anula por completo todo o cuidado trabalho de ambientação de época (cenografia, figurinos, fotografia).
É o pior, mas não o único, erro de Snu, agravado pelo evidente miscasting de Almendra. Nada contra a ideia de fazer um drama romântico à volta da paixão entre a fundadora da editora D. Quixote e o político do PPD/PSD numa altura em que este tipo de relacionamentos era ainda problemático para um Portugal conservador. Mas era preciso fazê-lo desta maneira que reduz tudo a um romance de fotonovela, que faz de Snu Abecassis a “princesa de gelo” que encontrou no político um “príncipe encantado” e de Isabel Sá Carneiro uma “vilã” que se recusa a libertar o marido? Era preciso chamar Snu a um filme que parece às tantas esquecer-se de quem é a sua personagem principal (desperdiçando a presença segura de Inês Castel-Branco) e passa a ser sobre Francisco Sá Carneiro, homem de integridade inatacável apanhado no dilema moral de um amor turbulento? Era preciso contar esta história de maneira a encher o olho, entre a telenovela de luxo ou a reportagem da Caras (cheia de interiores luxuosos, gente bonita e exteriores fotogénicos) e o teledisco romântico muito anos 1980 com cortinas a esvoaçar e pesadelos nórdicos ilustrando as canções de Surma, mas que não faz justiça a nenhuma das figuras que invoca?
Era legítimo esperar melhor da veterana televisiva Patrícia Sequeira, cujo Jogo de Damas (2015) era mais interessante e confiava mais no espectador do que este equívoco bem embrulhado, mais uma numa longa lista de tentativas de levar o público ao cinema dando-lhe apenas mais do mesmo que ele já vê na televisão. E Snu até tinha potencial para ser cinema.