“Paciente de Londres” em remissão de VIH há 18 meses
É o segundo caso de um doente em remissão de VIH após um transplante de medula. Apesar do optimismo, ainda é cedo para falar em cura, avisam os cientistas que assinam o artigo da revista Nature.
O “paciente de Berlim” era, até agora, um extraordinário caso único na longa história do vírus da sida. Timothy Ray Brown recebeu um transplante de medula óssea em 2007 de um dador que tinha uma mutação específica num determinado gene e conseguiu livrar-se do VIH. O sucesso nunca mais se repetiu. Porém, esta terça-feira uma equipa internacional de cientistas anuncia na revista Nature que há um novo doente que também recebeu um transplante de medula óssea de um dador com a mesma mutação no mesmo gene e que está em remissão há 18 meses. Esta é a história do “paciente de Londres”.
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O “paciente de Berlim” era, até agora, um extraordinário caso único na longa história do vírus da sida. Timothy Ray Brown recebeu um transplante de medula óssea em 2007 de um dador que tinha uma mutação específica num determinado gene e conseguiu livrar-se do VIH. O sucesso nunca mais se repetiu. Porém, esta terça-feira uma equipa internacional de cientistas anuncia na revista Nature que há um novo doente que também recebeu um transplante de medula óssea de um dador com a mesma mutação no mesmo gene e que está em remissão há 18 meses. Esta é a história do “paciente de Londres”.
Em 2007, quando Timothy Brown recebeu o seu transplante de medula óssea, já se sabia que existia um gene que abria a “porta” dos linfócitos-T CD4+ para a infecção do VIH e que quando este gene tinha uma mutação as pessoas tornavam-se resistentes ao vírus. Quando há um defeito nesta “chave”, a porta não se abre. É, infelizmente, uma mutação rara, sabendo-se que aparece em cerca de 1% dos europeus. Nessa altura, procurou-se um dador de medula compatível com Timothy Brown, mas também que tivesse essa mutação nos receptores CCR5 dos linfócitos-T CD4+. Escusado será dizer que encontraram o dador e que, passados mais de dez anos, Timothy Brown continua sem sinais da infecção do VIH. Quando esteve em Lisboa, em 2016, Timothy Brown disse que não queria ser “a única pessoa no mundo que se curou do VIH”. Talvez o seu desejo se tenha, finalmente, tornado realidade.
O homem que alguns investigadores já chamam “paciente de Londres” soube que estava infectado com VIH-1 em 2003. Em 2012 recebeu o diagnóstico de um linfoma de Hodgkin, um tipo de cancro. Timothy Brown, recorde-se, tinha uma leucemia, um cancro diferente mas que também tem origem nas células do sangue, e foi por isso precisou de um transplante de medula óssea. Para o tratamento do cancro deste novo paciente com linfoma exigia-se também um transplante de medula óssea. E, claro, procurou-se também alguém com a rara mutação.
O investigador Ravindra Gupta, do Departamento de Infecção e Imunidade do University College de Londres, no Reino Unido, coordenou o trabalho que conseguiu repetir o sucesso da remissão do VIH, uma década depois do primeiro e único caso. Não que outros não o tivessem tentado antes. O artigo publicado na Nature menciona outras tentativas em que doentes infectados com VIH receberam transplantes com células que tinham o gene CCR5 mutado mas que, infelizmente, mais tarde ou mais cedo acabaram por fracassar. Apesar de nalguns casos ter sido possível diminuir a carga viral, as experiências realizadas até agora nunca conseguiram “limpar” os sinais do vírus ou evitar uma recaída na sequência de uma interrupção na terapia anti-retroviral.
O paciente tratado por Ravindra Gupta passou por vários esquemas terapêuticos com diferentes regimes e combinações, mas deixou de tomar a terapia anti-retroviral 16 meses depois do transplante de medula. Ao contrário de Timothy Brown, este homem não precisou de submeter-se a um tratamento agressivo com dois transplantes de medula óssea precedidos por duas irradiações completas de corpo inteiro. Os autores confirmaram que, neste novo caso, o ARN do VIH-1 ficou indetectável após um transplante e o paciente permanece em remissão há já 18 meses.
No artigo, os investigadores sublinham ainda que há semelhanças e diferenças entre o caso de Berlim e este agora divulgado. Nos dois casos, dizem, foi usada uma medicação profiláctica semelhante para uma complicação que pode surgir nestes transplantes (a doença do enxerto contra o hospedeiro) e que se terá manifestado de uma forma ligeira mas o suficiente para um efeito positivo na perda de células infectadas com VIH. Entre as diferenças, assinala-se por exemplo o facto de existir um genótipo diferente antes dos transplantes, ou seja, terem variantes diferentes do CCR5. Finalmente, sublinham os cientistas, o paciente alcançou remissão completa após um único transplante de medula óssea, enquanto o paciente de Berlim terá apresentado uma recaída e recebeu quimioterapia adicional antes de um segundo transplante.
Saber o que foi feito de diferente e o que foi igual é importante para tentar repetir o sucesso, mas o mais importante será mesmo o resultado final. “Este estudo demonstra que o ‘paciente Berlim’ não era uma anomalia”, escrevem no artigo em que defendem que a remissão da infecção pelo VIH pode ser alcançada com regimes de fármacos de intensidade reduzida e que um único transplante de medula óssea será suficiente sem que seja necessário recorrer a irradiação corporal total. O que observaram concluem, “apoia o desenvolvimento de estratégias de cura do VIH que impeçam a expressão do co-receptor CCR5”.
“Ainda é demasiado cedo”
Para já, a história do paciente de Londres é, pelo menos, encorajadora, comenta Graham Cooke, especialista em doenças infecciosas do Imperial College de Londres. “Outros pacientes tratados de forma semelhante desde o ‘paciente de Berlim’ não viram resultados semelhantes. Isso deve encorajar os pacientes com VIH que precisam de transplante de medula óssea a considerar um dador negativo para CCR5, se possível”, refere o investigador, acrescentando que para chegar perto do objectivo de uma possível cura do VIH é preciso esclarecer ainda “por que é que o procedimento funciona em alguns pacientes e não em outros”.
Numa outra reacção ao artigo divulgada na revista Nature, Andrew Freedman, especialista da Universidade de Cardiff, coloca igualmente um travão no entusiasmo: “Como os autores alertam, ainda é demasiado cedo para ter certeza de que este segundo paciente foi curado do VIH.” Por outro lado, o investigador que não participou neste trabalho frisa que este tipo de abordagem não é adequado para tratar os milhões de pessoas infectadas em todo o mundo com VIH. Não é um caminho fácil, nem será uma solução para todos os doentes infectados com VIH. Por trás destes dois casos de sucesso, está um transplante de medula óssea que é um procedimento delicado, difícil e caro.
O estudo, concede, pode ajudar a desenvolver uma cura para o VIH, mas é igualmente provável que isso demore muitos anos ainda. Assim, até essa altura, “a ênfase deve permanecer no pronto diagnóstico do VIH e no início da terapia anti-retroviral combinada ao longo da vida”, diz Andrew Freedman. “A terapia anti-retroviral é altamente eficaz tanto para restaurar a expectativa de vida quase normal como para prevenir a transmissão para outras pessoas.”