O golo do FC Porto no clássico e o fora de jogo
Aproveitando um dos lances do clássico no Dragão, vou hoje falar da questão do fora de jogo, pois ocorreu uma situação que é muito interessante e nada fácil de interpretar ao nível da lei 11 (fora de jogo), cujos textos foram revistos e alterados e que entraram, no seu novo conteúdo, em vigor em 1 de Junho de 2018.
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Aproveitando um dos lances do clássico no Dragão, vou hoje falar da questão do fora de jogo, pois ocorreu uma situação que é muito interessante e nada fácil de interpretar ao nível da lei 11 (fora de jogo), cujos textos foram revistos e alterados e que entraram, no seu novo conteúdo, em vigor em 1 de Junho de 2018.
O lance ocorreu aos 19 minutos, quando o FC Porto obteve o seu golo. Num primeiro momento, todos se focaram no remate de Adrián López e na posição de Pepe, que estava em posição regular, pois Rúben Dias estava em linha com o jogador portista. Mas, na trajectória da bola, esta bateu no peito de Marega e para efeitos de fora de jogo passou a ser esse o timing de análise da colocação do defesa central da selecção, que estava em posição de fora de jogo, acabando por não tocar na bola porque se baixou, tendo esta acabado por lhe passar por cima da cabeça, só parando no fundo da baliza do Benfica.
A questão levantada é se Pepe, mesmo não tocando na bola e estando em fora de jogo posicional, deveria ou não ser penalizado, ou seja, se consideramos que acaba ou não por tomar parte activa no jogo, uma vez que estando na frente de Vlachodimos, e tendo-se baixado e fazendo um movimento para evitar entrar em contacto com a bola, se isso pode ser considerado como “interferir com o adversário” que antes da alteração do texto era interpretado como “influenciar a acção do adversário”.
Vamos então a algumas considerações de natureza teórica para podermos interpretar melhor este lance. Em primeiro lugar, o Internacional Board refere logo a abrir o texto da lei que “estar em posição de fora de jogo não constitui por si só uma infracção”. Depois acrescenta que um jogador na posição de fora de jogo no momento em que a bola é jogada ou tocada por um colega da equipa só deve ser penalizado se tomar parte activa no jogo. Tomar parte activa no jogo, tem três subdivisões principais, o interferir no jogo tocando a bola, o ganhando vantagem dessa posição jogando a bola (estas duas não interessam para o nosso caso, pois Pepe nunca jogou ou tocou na bola), e então ficamos com a terceira situação, essa sim, a que importa para a nossa analise que é “interferindo com o adversário”.
Conforme escrevi anteriormente, esta expressão vem substituir o conceito de “influenciar o adversário”. Dentro desta situação cabem algumas circunstâncias em que o denominador comum é o de esse jogador nunca tocar fisicamente na bola, mas mesmo assim ser penalizado. Uma das situações mais clássicas é o de impedir um adversário de jogar ou poder jogar a bola obstruindo claramente a linha de visão do adversário. Neste ponto ficam algumas dúvidas se Pepe, não obstante estar na linha do remate e de visão de Vlachodimos, realmente impede, de forma clara, o guarda-redes de ver a bola a partir e durante toda a sua trajectória. Com uma das repetições que tivemos, por trás da baliza, fica a ideia que esteve sempre em contacto visual com a bola mas também isso não é certo.
Outra situação da lei é o de ir disputar a bola com o adversário, ora essa não se coloca aqui. Isto acontece quando um jogador em fora de jogo corre para a bola e se aproxima do seu adversário para o fazer.
Outra situação ainda é quando “tenta claramente jogar a bola que se encontra perto quando esta acção tiver impacto num adversário”. Neste caso Pepe não tenta jogar a bola, claramente ele baixa-se para evitar esse contacto, portanto essa situação também não se coloca neste lance.
Finalmente, e é aqui que reside a dúvida e toda a questão, “quando toma uma acção óbvia que tenha um impacto claro na capacidade de o adversário jogar a bola” e o gesto do Pepe de se baixar, gerando a dúvida do que ia fazer, de poder tocar ou não no esférico, e todo o gesto corporal, que pode claramente ter induzido em erro e na dúvida Vlachodimos e isso ter, de alguma forma, impacto na capacidade de decisão do guarda-redes do Benfica.
Não sendo de todo claro e óbvio quer a questão da visibilidade, quer o impacto em Vlachodimos que o gesto corporal de Pepe, que relembro estava na linha entre o remate de Adrián, o peito de Marega, a sua própria cabeça e a baliza onde estava Vlachodimos, tudo isto deixa dúvidas e lança uma “discussão” técnica ao nível da arbitragem e, no caso concreto, de qual deveria ser a decisão final: validar o golo ou anulá-lo por fora de jogo.
Tudo isto, de certa forma, iliba a intervenção do videoárbitro que, de acordo com o protocolo, tem de agir apenas com a certeza absoluta (caso de erro claro e óbvio) e ainda mais iliba a decisão, qualquer que ela fosse, da equipa de arbitragem em campo, nomeadamente do árbitro assistente, tal é o grau de dificuldade desta ocorrência.
Não sendo o mais importante neste artigo, o de dizer a minha opinião e veredicto, pois esse tive oportunidade de o fazer pós-jogo, aqui mesmo no jornal “PÚBLICO”, na minha forma de interpretar a lei do fora de jogo e deste caso especifico, acho que deveria ter sido assinalada a respectiva infracção e, consequentemente, anulado o golo, porque considero ter havido o tal impacto de Pepe na acção de Vlachodimos.
Ex-árbitro e actual comentador de arbitragem